O pagamento de indenizações retroativas a magistrados somaram R$ 3,4 bilhões entre janeiro de 2021 e outubro deste ano, de acordo com dados levantados pelo GLOBO a partir do painel estatístico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em quase três anos, mais de 19 mil juízes de todas as esferas receberam algum desses penduricalhos que, na prática, turbinam as remunerações na magistratura, contribuindo para casos recorrentes de supersalários no Judiciário.
Por serem considerados de natureza indenizatória, esses valores ficam de fora do teto constitucional, de R$ 41.650,92, que é a remuneração bruta dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde 2021, por exemplo, 446 juízes receberam cifras somadas que superam R$ 1 milhão apenas com esses benefícios. Não há ilegalidade nesses pagamentos, que são amparados em decisões da própria Justiça.
As planilhas com folhas de pagamento unificadas por determinação do CNJ não detalham a que se referem todos os casos de retroativos. O próprio conselho argumenta que não há um levantamento próprio das principais motivações dessas indenizações porque “cada tribunal possui autonomia administrativa para controle interno de seus orçamentos”. O GLOBO, no entanto, mapeou ao menos oito decisões recentes do CNJ, do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) que embasam ou já preveem retroativos aplicados pelos tribunais, ao questionar sobre o tema unidades que lideram o ranking desses pagamentos no período.
Maior impacto financeiro
Nos últimos três anos, a determinação com maior impacto financeiro identificado envolveu o adicional por tempo de serviço (ATS), os chamados quinquênios, que correspondem a um acréscimo de 5% na remuneração a cada cinco anos. No final de 2022, o CJF recriou o benefício com pagamento retroativo em relação a junho de 2006, quando havia sido extinto. A medida levou tribunais da Justiça estadual a adotar entendimento semelhante e coincidiu com o pico de retroativos registrados nas folhas de pagamento, em dezembro de 2022 e janeiro deste ano.
Após inicialmente reconhecer a competência do conselho para autorizar os quinquênios, o corregedor nacional Felipe Salomão suspendeu, em abril, esses pagamentos. A decisão teve ainda aval do Tribunal de Contas da União (TCU), que estimou na época impacto financeiro de R$ 870 milhões apenas na Justiça Federal. O caso agora tramita no STF, após a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) recorrer à Corte, sob relatoria do ministro Dias Toffoli.
Outra frente de pagamentos se refere ao recálculo de valores devidos de auxílio-alimentação. Com base em novo entendimento do STF, que definiu o uso do Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) para a atualização de débitos trabalhistas, associações de magistrados provocaram os conselhos, que, por sua vez, deram aval ao pagamento.
Outro caso recente é a decisão do CNJ, de abril, que estendeu o auxílio-creche a todos os juízes. O Tribunal de Justiça de Minas, por exemplo, determinou o pagamento de benefício de R$ 950 e estabeleceu pagamento retroativo para os últimos cinco anos.
Há decisões que ainda não tiveram impacto nas folhas de pagamento deste ano. Recentemente, o CJF e o CSJT concederam aos juízes federais e do trabalho compensação financeira ou até dez folgas mensais quando acumularem funções administrativas ou outras atividades “processuais extraordinárias”. A justificativa foi a necessidade de equiparação às carreiras do Ministério Púbico. O pagamento será retroativo a até 23 de outubro, quando houve o entendimento do CNJ.
Não foram divulgados ainda cálculos sobre o impacto financeiro da mudança, mas ela já mobilizou o MP junto ao TCU. O órgão pediu a suspensão dos pagamentos liberados pelos dois conselhos. Não houve ainda decisão do tribunal.
Em outro caso ainda não julgado, o CJF avaliará o pagamento de R$ 241 milhões a um grupo de magistrados. O valor é relativo à correção monetária de parcelas de auxílio-moradia pagos entre 1994 e 2002. O caso chegou a entrar na pauta do conselho na última sessão do ano, na semana passada, mas foi retirado.
Distorções
Professor da Fundação Dom Cabral, o advogado e economista Bruno Carazza avalia que há peso significativo dos benefícios aos juízes nas contas públicas e que eles têm criado distorções e desigualdades. Um levantamento feito pelo economista, publicado em sua coluna no jornal Valor Econômico e também com base em dados do CNJ, mostrou que 94,8% dos magistrados receberam mais do que os ministros do Supremo em 2022. Ele chama atenção para o papel dos conselhos de Justiça:
— Os conselhos foram criados na reforma do Judiciário em 2005 para exercer controle financeiro. A maior parte dos seus membros é constituída por juízes que acabam legislando em causa própria. O pagamento de extras têm crescido.
Procurado para comentar os retroativos, o CNJ informou que seu orçamento e dos tribunais é submetido ao controle da Secretaria de Orçamento e Finanças e tem o acompanhamento da Secretaria de Auditoria, sem detalhar as justificativas para os pagamentos. E afirmou que, em caso de pagamentos sem prévia autorização, é possível determinar a suspensão, caso sejam identificadas irregularidades. O CJF e CSJT não responderam.