A CPI da Covid chega à reta final como a comissão que sofreu a maior judicialização da história. Desde o início das investigações, em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu cerca de 120 ações relacionadas ao trabalho do colegiado. Até então, conforme matéria do jornal Valor, a Comissão Parlamentar de Inquérito que mais havia movimentado a Justiça era a dos Correios, com 74 ações, no ano de 2005.
No caso da CPI da Covid, até mesmo a instauração da comissão dependeu de uma ação judicial. Diante da inércia do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), um grupo de parlamentares acionou o STF para que as investigações sobre as eventuais omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia pudessem começar.
O pedido foi atendido pelo ministro Luís Roberto Barroso, que defendeu que todos os requisitos para a instauração da CPI haviam sido cumpridos e não cabia à presidência da Casa avaliar a conveniência política do ato e obstruir o direito da minoria.
Após a instauração do colegiado, o maior número de pedidos que chegou à Corte foi para derrubar as quebras de sigilo aprovadas pelos senadores, garantir o direito ao silêncio ou tentar anular convocações para depoimentos.
Em relação às quebras de sigilos, as decisões monocráticas foram predominantemente favoráveis à CPI, mantendo a validade dos requerimentos que aprovaram acesso às informações privadas de seus alvos.
Do total de mandados de segurança impetrados pelos investigados, que pediam fundamentalmente a suspensão das quebras de sigilo, 33 foram negados, enquanto 26 foram aceitos, resultando na revogação dos requerimentos.
Segundo levantamento feito pelo Valor a partir de dados compilados pelo STF, o ministro Dias Toffoli foi o que mais despachou em benefício dos atos da comissão. Ele manteve, por exemplo, as quebras de sigilo de empresários ligados à fabricação de cloroquina e de pessoas suspeitas de alimentar perfis nas redes sociais com “fake news”.
Já a maioria das decisões benéficas aos investigados partiu da ministra Rosa Weber, como a que suspendeu a quebra de sigilo de advogados e militares envolvidos na crise sanitária. Ela entendeu que a CPI não demonstrou que essas figuras estivessem sob suspeita de irregularidades.
Em alguns casos, os ministros atenderam parcialmente aos pedidos de liminar, mantendo as quebras de sigilo, mas restringindo o lapso temporal da medida ou mesmo determinando que certas informações, por não guardarem relação com os fatos apurados, não pudessem ser acessadas.
Esse último exemplo, envolvendo o assessor José Matheus Salles Gomes (apontado como um dos integrantes do “gabinete do ódio” do Planalto), foi uma das únicas decisões colegiadas do STF – e ainda assim, na Segunda Turma, não em plenário.
O colegiado manteve a decisão de Ricardo Lewandowski, que limitou o acesso da CPI a dados sobre a geolocalização do investigado, mantendo a quebra de sigilo de todas as demais informações – uma derrota para a Advocacia-Geral da União (AGU), que havia impetrado a ação.
Lewandowski também foi o responsável por analisar um dos primeiros habeas corpus que chegou ao STF para anular convocação pela CPI. Ainda em maio, ele negou o pedido do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, mas garantiu o direito do general de ficar calado, seguindo o entendimento de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.
Pelo menos 36 pedidos semelhantes chegaram à Corte e praticamente todos os outros ministros tiveram que se manifestar sobre o tema, adotando um parâmetro semelhante.
Nas decisões, os magistrados costumavam destacar que os convocados deveriam responder a perguntas que não os incriminassem e que tinham relação com o objeto da CPI ou fossem ligadas ao papel que desempenharam durante a pandemia.
O ministro Kassio Nunes Marques permitiu que dois convocados faltassem aos depoimentos, o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel e o motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva. Mas ambos decidiram comparecer.
No sentido oposto, outros dois ministros – Barroso e Cármen Lúcia – autorizaram condução coercitiva de pessoas que haviam sido convocadas pela CPI, mas se recusavam a comparecer, como o empresário Carlos Wizard e o advogado Marcos Tolentino. Nos dois casos, porém, não foi necessário o uso de força policial para que os depoimentos ocorressem.
O STF também apontou os limites em relação à convocação de governadores por CPI. Em junho, Rosa Weber suspendeu a convocação de governadores. Assentou que a comissão poderia só convidar chefes do Executivo estadual a depor, mas eles não seriam obrigados a comparecer, em respeito ao princípio da separação de Poderes. A decisão foi confirmada pelo plenário.
Antes desta comissão de inquérito, essa hipótese havia sido analisada uma única vez pelo STF, em 2012, quando o então governador de Goiás, Marconi Perillo, pediu para não depor na CPI do Cachoeira.
Integrantes da cúpula da CPI também acionaram o Supremo pelo menos três vezes. Em uma delas, os senadores recorreram de uma decisão da Justiça Federal que anulou a prisão do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, um dos momentos mais polêmicos do colegiado. O caso ainda está sob análise da ministra Rosa Weber.
Eles também solicitaram o compartilhamento de informações sobre a existência de inquéritos abertos contra o líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que entrou na mira da CPI devido à sua suposta ligação com a Precisa, empresa que representou no Brasil a vacina indiana Covaxin.
Para a professora Eloísa Machado, da FGV Direito SP, mesmo com o fim da CPI é possível que alguma das decisões ainda sejam discutidas no plenário. “Seria importante ter pronunciamentos colegiados para a exposição mais clara dos parâmetros do Tribunal, e não de ministros isoladamente, para a produção de provas durante uma CPI”, afirma.
Há temas que precisam ser pacificados, diz, como a falta de critério claro sobre como conciliar o direito ao silêncio com a obrigação de servidores de prestarem contas aos parlamentares e à sociedade. “Há um equilíbrio que precisa ser encontrado.”
Ela também destaca que, com o encerramento da CPI, o STF terá que avaliar a integridade das provas colhidas pelos parlamentares e o local onde deverão ocorrer as investigações e eventual julgamento de autoridades com foro que forem indiciadas.