Está cada vez mais difícil para as operadoras de saúde conseguirem fugir do vermelho na hora de fecharem suas contas. O alerta tem sido dado pelos representantes e empresas do setor. A responsabilidade disso, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tem sido o excesso de recursos destinados a cumprir o pagamento de processos judiciais que lhes são atribuídos.
De acordo com levantamento do Estadão Broadcast, com dados da ANS, somente de janeiro a setembro de 2024, os depósitos realizados dentro dos processos de judicialização consumiram quase 70% do lucro operacional das empresas (Ebitda). Relatório do Bradesco BBI, baseado em dados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (MPSP), houve uma disparada no número de processos judiciais contra operadoras. No comparativo entre 2023 e 2022, o número de ações judiciais contra as operadoras teve um aumento de aproximadamente 50%.
Não são casos isolados: todas as operadoras do mercado estão sofrendo impactos. O saldo acumulado de depósitos judiciais pelas operadoras de planos de saúde até setembro chegou a R$ 2,67 bilhões. O valor depositado por vida no mesmo período chegou a R$ 128,8 para a Amil e R$ 105,5 para a Sulamérica, seguidos por Hapvida (R$ 97,5), CNU (R$ 56,2), Athena (R$ 52,9) e Bradesco (R$ 51,7).
Entre os principais motivos de judicialização estão a quebra de carências e solicitação de tratamentos não previstos anteriormente pela ANS. Segundo o Bradesco BBI, o número de ações em 2023 chegou a 5,5 a cada mil vidas na SulAmérica, acompanhada por Bradesco (3,2) e Amil (3,1).
Impacto na saúde pública
A alta complexidade do cenário reúne uma série de fatores que têm se revertido em aumentos dos custos de planos de saúde, bem acima da inflação, àqueles que pagam por esses serviços. A tendência, segundo levantamento da Aon com dados de 112 países, é que a inflação médica no Brasil deverá ser menor em 2025, mas ainda estará acima da média global. A pesquisa calcula que os reajustes fiquem entre 13,7% e 21,8%.
A pressão sobre os preços dos planos de saúde reflete também a do aumento da população idosa no Brasil – com expectativa de vida de 76,4 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo dados de 2023.
Um dos maiores complicadores dessa situação, para além do cenário das empresas, está na saúde pública, no fato de que consumidores que precisam dos serviços médicos e não têm mais condições de arcar com o pagamento das operadoras recorrem ao já saturado serviço público de saúde brasileiro, que teve alta de 18% de aumento à atenção primária no primeiro semestre de 2024. Segundo fala da ministra da Saúde, Nísia Trindade, houve incrementos de 20% a 30% no SUS e apoio ao setor filantrópico.
Por ora, a saída encontrada pelos planos de saúde tem sido discutir judicialmente parte dos litígios, culminando em recursos. Na relação das operadoras com maior acúmulo de cancelamento de planos registrados na ANS de janeiro a setembro de 2024 está a Amil.
A realidade, porém, é que não há como evitar que o cenário deságue na pressão – ainda maior – dos custos para os consumidores, que acabam pagando a conta da judicialização extremada do setor. O resultado é o acesso cada vez menor da população a serviços de saúde suplementar, com reflexos na saúde pública e na qualidade de vida da maioria dos brasileiros.
Como o próprio ministro do STF Luís Roberto Barroso apontou, em evento jurídico recente, a respeito do setor, o país precisa urgentemente desjudicializar a indústria da saúde privada, sob o risco de inviabilizar economicamente o mercado, afetando milhões de segurados. Barroso comentou que, em setembro de 2024, havia mais de 800 mil processos relacionados à saúde no Brasil, dos quais 483 mil foram iniciados no ano passado.
Mas já há iniciativas que tentam jogar luz sobre a situação. A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), por exemplo, firmou parceria com o Instituto de Pesquisa e Estudos da Sociedade e Consumo (IPS Consumo). O acordo prevê várias ações, inclusive a criação de um Observatório do Consumidor, que funcionará como um Procon da saúde.
À frente da associação desde abril, o presidente Gustavo Ribeiro tem longa atuação no setor. O executivo acumula passagens pelo UnitedHealth Group/Amil, Qualicorp e Hapvida. Em sua gestão, Ribeiro tem priorizado aumentar o acesso dos brasileiros à saúde complementar, o que exige um enorme desafio de adequação regulatória e adaptação do setor aos desafios de mercado.