Às 8h57 de quarta-feira, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República informou o seguinte: “O presidente da República, Jair Bolsonaro, por orientação de sua equipe médica, deu entrada no Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, nesta quarta-feira (14) para a realização de exames para investigar a causa dos soluços.
Por orientação médica, o presidente ficará sob observação, no período de 24 a 48 horas, não necessariamente no hospital. Ele está animado e passa bem.” Salvo a data e a identidade do paciente, era tudo mentira.
Em seguida, conforme publicou a Folhapress, o chefe da Casa Civil, general da reserva Luiz Eduardo Ramos, informou: “Teve fortes dores às 4h, mas nada de grave até o momento. Então, graças a Deus, ele está muito bem. Repousando, que é o que ele precisa.” Salvo as dores da madrugada, tudo mentira.
Horas depois, Bolsonaro chegava ao hospital Vila Nova Star, em São Paulo, onde montou um pequeno circo.
Feiticeiros de palácio às vezes são bem-sucedidos e às vezes prejudicam a saúde dos pacientes cujo poder pretendem preservar. Assim se deu com a “apendicite” de Tancredo Neves em 1985 e com a “gripe” do marechal Costa e Silva em 1969.
É verdade que às vezes conseguem esconder os padecimentos dos chefes. Em 1959, esconderam o infarto de Juscelino Kubitschek. João Goulart teve pelo menos três ataques cardíacos entre 1961 e 1964. Jamais se falou do leve acidente vascular cerebral transitório de José Sarney.
Dois presidentes brasileiros, Costa e Silva e João Figueiredo, assumiram o cargo com médicos cantando a pedra de suas doenças circulatórias. Deu no que deu. Um foi incapacitado por um derrame, e o outro perdeu o rumo com um infarto em 1981. Lula e Dilma Rousseff deram exemplos de transparência médica.
O Bolsonaro que, segundo a Secom passava bem e estava animado na quarta-feira, esteve internado no Hospital das Forças Armadas quatro dias antes. Felizmente, a realidade paralela dos feiticeiros foi retificada pelo seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. Ele revelou também que, ainda em Brasília, o pai foi para uma Unidade de Terapia Intensiva, onde intubaram-no “para evitar que ele aspirasse o líquido que estava vindo do seu estômago”. (Tratava-se da sonda gástrica.)
Se Bolsonaro tivesse ido a uma unidade do Samu no terceiro dia de sua crise de soluços, com muita probabilidade teria recebido a prescrição de vários exames. Paciente voluntarioso, como Tancredo, Bolsonaro não faz o que mandam os médicos. Às vezes, o paciente disciplinado acaba iludido pelos feiticeiros. Em 1969, passadas 27 horas do primeiro aviso de uma complicação neurológica e depois de perder a fala pela terceira vez, o presidente Costa e Silva perguntou ao capitão médico do serviço de saúde do Planalto:
—Não será derrame o que estou sentindo?
—Não senhor. Derrame não é. Vamos apurar tudo direitinho.
Era uma isquemia cerebral.
A insônia de Bolsonaro faz parte das mazelas da política nacional. Em 2019, ele contou: “Fiz exames para verificar as condições do sono. E descobri 89 episódios de apneia por hora [número de interrupções respiratórias no período]. Detenho o recorde brasileiro de apneia”. Não é um recorde que devesse se vangloriar. Getúlio Vargas tinha a sua apneia, mas cuidava-se, no limite da hipocondria.
Só os médicos podem decidir e devem falar com autoridade a respeito do estado de saúde do presidente. Se não fosse a intervenção de Flávio Bolsonaro, essa internação teria começado com feitiçarias.
Médico do palácio
É dura a vida de médico de palácio. Em janeiro de 1993, Bill Clinton tomou posse e foi para a Casa Branca cercado de amigos, entre eles, um médico de seu estado. A certa altura ele procurou o doutor que cuidava da saúde de George Bush 1º, que voltava para casa, e pediu-lhe que aplicasse no novo presidente uma injeção de anti-histamínico. Tinha consigo o frasco, era só espetar.
O médico de Bush 1º se recusou. Dias depois foi dispensado. Ele explicou: “Eu não queria acabar minha carreira dando uma injeção para a alergia do presidente e vê-lo cair morto”. Afinal, o conteúdo do frasco deveria ter sido examinado pelo FBI.
Ele ensinaria: “O maior problema para os médicos de VIPs é dar jeitinhos para deixar seus pacientes felizes”.