Assessor de segurança-nacional dos EUA fez comentários que revelam sintonia com o presidente eleito
“O prédio do Secretariado (da ONU) em Nova York tem 38 andares. Se perdesse 10, não faria diferença alguma. As Nações Unidas são uma das organizações inter-governamentais mais ineficientes em atividade (…) Não existe isso de Nações Unidas.”
Dita em 1994, em Nova York, esta foi por muito tempo a fala mais conhecida de John Bolton, assessor de segurança-nacional e membro do círculo de conselheiros próximos de Donald Trump que, nesta quinta-feira, se tornou a primeira autoridade do governo americano a apertar as mãos de Jair Bolsonaro.
Mas um comentário feito no último dia 1º de novembro ofuscou o protagonismo da antiga crítica do ex-diplomata americano à ONU.
“A “Troika da tirania”, esse triângulo de terror que se estende de Havana (Cuba), a Caracas (Venezuela) e a Manágua (Nicarágua), é a causa do imenso sofrimento humano, motivo de enorme instabilidade regional e a origem de um sórdido berço do comunismo no hemisfério ocidental”, afirmou Bolton em discurso em Miami.
“Os Estados Unidos estão ansiosos para ver cada vértice deste triângulo cair. A Troika vai desmoronar.”
Os comentários mostram a sintonia entre o emissário do governo americano e o novo presidente brasileiro – que disse durante a campanha que a ONU “não serve para nada” e constantemente critica os governos de esquerda dos países vizinhos latino-americanos, a quem classifica como “ditaduras corruptas e assassinas”.
O encontro entre os dois aconteceu nesta quinta-feira na casa de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, a portas-fechadas – e “não haverá espaço para jornalistas”, segundo a embaixada americana no Brasil.
Mas falas recentes de Bolton – e a biografia do visitante estrangeiro – dão pistas do que deverá constar na pauta da conversa.
Trump na posse de Bolsonaro?
Bolsonaro e Bolton estavam acompanhados pelo futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, e pelo novo ministro da Defesa, o general da reserva Fernando Azevedo.
Na última terça-feira, questionado na Casa Branca sobre a visita, Bolton classificou o governo do capitão reformado como uma “oportunidade histórica”.
“O encontro com o presidente eleito Bolsonaro surgiu como resultado da ligação do presidente Trump na noite das eleições no Brasil para parabenizar o presidente eleito. O telefonema foi realmente excelente. Acho que criou um relacionamento pessoal, mesmo de forma remota. O presidente Trump foi o primeiro líder estrangeiro a telefonar ao presidente eleito Bolsonaro”, afirmou.
O assessor de segurança nacional continuou: “Então, pensamos que seria bom e certamente muito útil para os EUA ouvirem do presidente eleito quais são suas prioridades e o que ele está procurando no relacionamento. Do nosso ponto de vista, vemos isso como uma oportunidade histórica para o Brasil e os Estados Unidos trabalharem juntos em uma série de áreas: economia, segurança e várias outras.”
Os comentários inflaram a especulação em Washington sobre a articulação para a vinda de Donald Trump para a posse de Bolsonaro, em 1º de janeiro – o que seria visto pela equipe de Bolsonaro como um sinal importante de apoio, após uma série de esforços, do lado brasileiro, em mostrar afinidades políticas, econômicas e ideológicas com o governo americano.
“Estou ansioso para saber quais são as prioridades do presidente eleito e tentar contar a ele um pouco sobre as visões do presidente Trump (…) Estou indo para lá para preparar o terreno para eles”, concluiu Bolton.
As chances para emplacar a visita, no entanto, ainda são bastante remotas.
A inconveniência da data da posse, logo na virada do ano, a agenda disputada de Trump, que deu pouca atenção à América do Sul desde que assumiu, e o esquema que precisaria ser armado para garantir a segurança dos dois presidentes em Brasília seriam os principais obstáculos, segundo fontes no PSL e na diplomacia em Washington.
Porte de armas
Bolton chegou a ser embaixador temporário dos EUA nas Nações Unidas (abandonou o posto quando percebeu que não teria sua nomeação aprovada pelo Senado americano) e acumula cargos nos últimos três governos conduzidos por políticos republicanos, desde a gestão de Ronald Reagan (1981-1989).
A maioria dos postos foi nos departamentos de Justiça e de Estado – o equivalente americano ao Ministério de Relações Exteriores.
Como Bolsonaro, ele é um árduo defensor do direito ao porte de armas por cidadãos comuns – Bolton é ligado à NRA (Associação Nacional do Rifle, principal grupo de lobby pró-armas dos EUA), onde comandou o Subcomitê de Assuntos Internacionais em 2011.
No primeiro semestre deste ano, após assumir o cargo no governo Trump, um vídeo gravado em 2013 veio à tona e ganhou manchetes nos EUA. No filme, patrocinado pela NRA, Bolton pede que a Rússia garanta o porte de armas em sua Constituição, como acontece nos EUA.
“Isso criaria uma parceria entre o governo nacional russo e seus cidadãos, que poderiam proteger melhor mães, crianças e famílias sem comprometer a integridade do Estado russo”, afirmou.
A defesa de Bolsonaro à revogação do Estatuto do Desarmamento no Brasil é um dos principais interesses americanos no país e representaria a abertura de um mercado promissor para a indústria bélica dos EUA.
Militarismo e guerras
Junto à linguagem diplomática heterodoxa (Bolton já defendeu o “fim da Coreia do Norte” e foi chamado pelo país, em resposta, de “sanguessuga”), o histórico militarista também é um ponto de convergência entre os dois.
Bolton foi um dos principais articuladores da invasão americana no Iraque, durante o governo de George W. Bush, sob o argumento de que o então regime de Saddan Houssein mantinha um programa secreto de armas de destruição em massa.
Em 2005, porém, dois anos após o ataque, um relatório divulgado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) desmentiu a informação.
O Irã também está entre os alvos preferidos do assessor de Trump, que defendeu bombardeios americanos contra o país árabe em 2008 e em 2015, enquanto o então presidente Barack Obama costurava um acordo de paz entre os dois países – desfeito neste ano por Trump.
Durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, Bolton ameaçou o governo do Aiatolá Ali Khamenei sobre “sérias consequências” caso o país desafiasse os EUA – aspas descritas como as mais agressivas da diplomacia americana contra o Irã “em décadas”.
As opiniões ecoam no Brasil de Bolsonaro. “Posição pró-Irã? (Isso) Vai mudar “, disse o filho do presidente eleito, Eduardo, em entrevista recente à Bloomberg.”
“Nosso lado é contra o Hamas, o Hezbollah e o Estado Islâmico”, afirmou.
‘Redenção não é opção’
Ex-deputado e chefe da CIA – agora dirigida pela sua antiga adjunta -, o presidenciável Pompeo tirou os diplomatas do formol em que tinham sido colocados pelo seu predecessor. Ele é visto como o ponto de estabilidade de um governo impulsivo. Na cozinha da Casa Branca, Pompeo tem ascendência sobre Bolton por causa da sua relação de confiança com o Chefe de Gabinete, John Kelly, e o secretário da Defesa, Jim Mattis.
A postura diplomática de Bolton fica clara em seu livro de memórias, publicado em 2007.
Em “Surrender is not an option” (A redenção não é uma opção, em tradução livre), ele defende que organizações multilaterais como a ONU vão além de reger relações entre países e interferem na soberania nacional.
No livro, que antecipa em quase uma década o discurso hoje adotado por figuras como Bolsonaro, Trump, Matteo Salvini (ministro italiano) e Viktor Orban (chefe de Estado húngaro), Bolton afirma que tratados internacionais como os ligados aos direitos humanos são criados para se sobrepor a legislações locais.
Ativistas de esquerda “incapazes de vencer uma luta justa dentro do sistema de governo representativo agora buscam fóruns internacionais para discutir suas posições”, diz a publicação.
Bolsonaro, desde o início da campanha, promete “acabar com o ativismo” no Brasil.
A verborragia de Bolton não encontra resistência apenas na oposição ou entidades multilaterais. Com informações BBC.