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quinta-feira 24 de fevereiro de 2022 às 05:49h

Jogo de empurra e rixas isolam terceira via sob sombra de Lula e Bolsonaro

DESTAQUE, NOTÍCIAS, POLÍTICA


A chamada terceira via expôs nesta semana as dificuldades do campo centro-direita no enfrentamento a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), com pressões segundo a Folha, para que nomes do grupo abram mão das pré-candidaturas à Presidência e divergências sobre o momento de uma eventual aglutinação.

Em meio aos resultados aquém do esperado nas pesquisas e a obstáculos na seara partidária, o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), deram demonstrações do ruído em evento do banco BTG Pactual: concordaram no discurso de unificação, mas não sobre datas.

Enquanto o ex-magistrado atribuiu o desempenho tímido do segmento à demora em se buscar um afunilamento desde já, o tucano pregou que o movimento ocorra depois.

Ambos falam em interesse próprio: Moro, que tem se revezado no terceiro lugar das pesquisas com o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) —que navega à esquerda e rechaça o rótulo de terceira via—, quer usar sua pontuação para dar tração à campanha e se coloca como o nome a receber os apoios.

Doria, sob tiroteio do PSDB para desistir da corrida e em esforço para evitar a reabilitação de Eduardo Leite, nome derrotado nas prévias do partido e que pode voltar ao jogo pelas mãos de uma ala do tucanato e do presidente do PSD, Gilberto Kassab, tenta ganhar tempo para atenuar sua rejeição e se mostrar viável.

Moro falou no evento que está em terceiro lugar nas pesquisas desde que se tornou pré-candidato e sinalizou estar disposto a fazer a convergência o quanto antes para barrar o que chamou de extremos. “Não faz sentido eu abdicar de minha pré-candidatura, se ela é a com maior potencial para vencer esses extremos.”

Doria tentou empurrar a decisão para uma fase eventualmente mais favorável a ele, mencionando como limite “o esgotamento do diálogo pelos líderes partidários”.

“Se, lá adiante, eu tiver de oferecer o meu apoio para que o Brasil não tenha mais essa triste dicotomia, […] eu estarei ao lado daquele ou de quantos forem os que serão capacitados para oferecer uma condição melhor para o Brasil”, afirmou.

Pré-candidatos como os senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e o cientista político Luiz Felipe d’Ávila (Novo) brigam pela mesma faixa do eleitorado e ecoam a tese da unidade. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já é considerado fora da disputa.

Sem consenso por ora, a ideia de que postulantes recuem para aderir a outro virtualmente mais competitivo é pano de fundo para especulações de aliados sobre concorrentes que já estariam fadados a abrir mão de seus projetos, em um jogo de empurra para ver quem se retira primeiro.

Nos bastidores, o discurso de que um presidenciável moderado e palatável a antipetistas e antibolsonaristas deslancharia à medida que a eleição se aproximasse começa a dar lugar a certo desalento, diante da aparente estabilidade dos dois favoritos e da pulverização no centro.

Oficialmente, candidatos e articuladores se recusam a admitir obstáculos. Afirmam que o cenário ainda pode mudar e que é preciso esperar os impactos da propaganda partidária em TV e rádio, vitrine que começa nesta semana, e os efeitos da janela partidária, em março, e das federações, até maio.

Apesar da retórica otimista, uma série de empecilhos está às claras. Doria enfrenta fogo amigo no PSDB, Moro luta para montar palanques regionais e alianças partidárias e MDB e PSD abrigam alas que querem apoiar Lula ou Bolsonaro ou pedem neutralidade na eleição nacional, por exemplo.

A pressão em parte das legendas é oriunda de candidatos ao Legislativo que não querem suas siglas vinculadas aos dois antagonistas do embate público ou desaprovam a canalização de verbas gordas dos fundos partidários e eleitoral para candidaturas presidenciais sem potencial.

Articulador de Moro, o deputado federal Junior Bozzella (União Brasil-SP) diz que o campo de centro só se fortalecerá a ponto de ultrapassar os 20% nas pesquisas se evitar a fragmentação. O parlamentar atua para que seu partido abrace o ex-juiz da Lava Jato, garantindo tempo de TV e recursos.

“Como o partido [fusão de DEM e PSL] nasceu com esse DNA de combater os extremos, é importante entregar o seu apoio ao melhor candidato. Se a condição for liberar os estados, deixando deputados e candidatos a governador à vontade [para apoiar ou não], sou a favor”, diz Bozzella.

As chances da terceira via dividiram opiniões nesta semana em um grupo de WhatsApp da organização Política Viva, que tem parte de seus integrantes empenhados em uma campanha para eleger Lula no primeiro turno, sob a justificativa de que Bolsonaro é antidemocrático.

O economista Paulo Dalla Nora Macedo, vice-presidente do movimento, ironizou que daqui a pouco o que se verá será uma espécie de “dança das cadeiras ao contrário”, com pré-candidatos da centro-direita abandonando suas empreitadas por medo de vexame nas urnas.

“Para mim, a terceira via não deslanchou pela dubiedade em relação a Bolsonaro. Não conseguem estabelecer claramente que têm uma contradição fundamental com Bolsonaro e que teriam contradições secundárias com Lula”, diz à Folha Macedo, que endossou o manifesto em prol do petista.

Em resposta no grupo, o ex-deputado federal e incentivador de uma candidatura alternativa Carlos Marun (MDB-MS) reconheceu se tratar de “um projeto com pouquíssimas chances de ser vitorioso”.

Aliado do ex-presidente Michel Temer (MDB), político que também trabalha por essa proposta, Marun afirma à reportagem que está “confiante de que reverter a situação”, desde que o segmento se unifique. Para ele, uma terceira via competitiva “ainda é o principal temor de lulistas e bolsonaristas”.

Em reunião na semana passada, MDB, União Brasil e PSDB estabeleceram uma espécie de prévias —os presidentes das legendas se comprometeram a apresentar uma candidatura única e admitiram que os nomes de Tebet e de Doria podem ser retirados.

Como tanto Doria quanto Tebet têm um canal pessoal com Moro, há quem não descarte a possibilidade de que o vencedor das prévias informais componha com o ex-juiz —e, assim, estaria afunilada a terceira via.

A pressão pela desistência de Doria começou dentro do próprio PSDB. Aliados de Leite se reuniram para avaliar a viabilidade do governador paulista, que estacionou com cerca de 4% nas pesquisas.

“Doria vem perdendo credibilidade e acredito que o PSDB deveria procurar caminhos virtuosos para resolver esse problema”, tuitou o ex-senador José Aníbal (PSDB-SP), aliado de Leite e entusiasta de Tebet.

“Retirar a pré-candidatura seria uma solução, já que sua trajetória política não tem passado confiança à população, atraindo alta taxa de rejeição.”

Rumores de que o tucano iria desistir da sua pré-candidatura ganharam força na última semana, o que foi visto pela sua campanha como uma estratégia de fake news talvez até orquestrada por bolsonaristas.

Nos bastidores, porém, parte dos políticos paulistas coloca em dúvida a saída de Doria do Palácio dos Bandeirantes em março. O ex-governador Márcio França (PSB), seu adversário, chegou a dizer que a possibilidade de Doria concorrer à reeleição era a novidade da semana.

Aliados do governador dizem garantir que seus planos para a eleição estão mantidos. Doria vem repetindo a resposta de que sua candidatura ainda vai decolar conforme começarem suas viagens, propagandas e debates.

Adversários de Doria dentro do PSDB tampouco creem que ele vá desistir de concorrer ao Planalto e já traçam um cenário catastrófico para o partido, com diminuição da bancada e perda de governadores.

Na leitura do entorno de Doria, a fala no encontro do BTG foi apenas um gesto necessário para atrair simpatia e possíveis alianças, seguindo a ideia de que quem quer apoio tem que estar disposto a apoiar.

​Tebet também declarou publicamente buscar uma unificação, mas, pelo menos até maio, os candidatos da terceira via teriam o direito de manter seus nomes e disputar eleitores —raciocínio próximo ao de Doria.

“O centro, lá na frente, vai ter que caminhar junto”, disse Tebet em evento do Grupo Lide na sexta-feira (18).

“Eu me proponho a isso e sei que os demais também se propõem. […] Temos que ir muito devagar porque, se fizermos a escolha errada, estaremos diante dos dois populistas.”

A senadora sugeriu que pesquisas sejam usadas como critério para definir o candidato. Aliados veem Tebet mais bem posicionada que os rivais, já que enfrenta menos resistência do seu partido do que Doria ou Moro e porque atrai a União Brasil, partido com tempo de TV e fundo eleitoral significativos.

Ao migrar para o PSD para tentar o Planalto, Leite faz o caminho inverso e contribui para a fragmentação da terceira via. Por isso, seus adversários nesse campo também desacreditam sua candidatura —seria apenas uma forma de Kassab ajudar Lula, a quem já prometeu apoio no segundo turno.

Questionado sobre o motivo de entrar na corrida num momento de estagnação da terceira via e pressão por desistência, Leite afirma ver espaço no meio da polarização.

“Assistimos à luta entre o passado e o presente. Há muito espaço para uma candidatura que consiga se apresentar portadora do futuro. Mas não adianta querer ganhar apenas pelos defeitos dos outros candidatos e sim pelas qualidades do seu projeto, reacendendo a esperança na população”, diz à Folha.

Ciro Gomes, que participou nesta quarta-feira (23) da série de encontros do BTG com presidenciáveis, reiterou que sua candidatura não está em negociação, apesar de pressões para que desista por causa da hegemonia do ex-presidente Lula na esquerda e de seu desempenho nas pesquisas.

O pedetista disse que não está delirando ao insistir no plano e está diante da “maior chance” da sua vida. Ele dialoga com forças ao centro em busca de alianças, mas enfrenta resistências e descarta aderir à discussão sobre unificação dos adversários comuns de Lula e Bolsonaro.

“Estou me apresentando com muita vontade de ser ouvido. Sei que o ambiente não é propriamente simpático para mim”, afirmou Ciro, ao desfiar seu programa econômico para o país. “Eu estou querendo ser aceito, desde que seja com as minhas ideias e o meu padrão.”


O QUE DISSE CADA CANDIDATO

João Doria (PSDB), em evento do banco BTG, na terça (22)

“Não vou colocar o meu projeto pessoal à frente daquilo que sempre foi a índole, que me fez ter orgulho de ser brasileiro. Se, lá adiante, eu tiver de oferecer o meu apoio para que o Brasil não tenha mais essa triste dicotomia do pesadelo de ter Lula e Bolsonaro, eu estarei ao lado daquele ou de quantos forem os que serão capacitados para oferecer uma condição melhor para o Brasil”

“Todos aqueles que compõem esse centro democrático liberal e social, nós temos que manter até o esgotamento do diálogo pelos líderes partidários. [Para] lá adiante, diante das circunstâncias, verificarmos quem pode, quem precisa abrir mão”

Sergio Moro (Podemos), em evento do banco BTG, na terça (22)

“A gente precisa se unir, acho que isso é urgente, eu faria isso [retirar candidatura] de bom grado. […] Senão, vamos cair nas garras dos extremos, e acho que não temos tempo a perder”

“Agora, o que a gente está vendo nas pesquisas, a minha pré-candidatura, eu estou em terceiro lugar desde que me coloquei nessa posição de pré-candidato. Então não faz sentido eu abdicar de minha pré-candidatura, se ela é a com maior potencial para vencer esses extremos. Mas a gente tem que falar com bastante humildade”

“Na minha opinião, nós já deveríamos estar unidos, acho que é uma ilusão achar que a gente tem todo o tempo do mundo, porque os extremos, eles têm máquinas de destruição das pessoas”

Simone Tebet (MDB), em evento do Grupo Lide, na sexta (18)

“O centro, lá na frente, vai ter que caminhar junto. […] Eu me proponho a isso e sei que os demais também se propõem. […] Temos que ir muito devagar porque, se fizermos a escolha errada, estaremos diante dos dois populistas. Ninguém aqui quer sair do jogo sem antes ter certeza de que está fazendo a melhor opção para o país”

“No momento certo, acredito que seja lá para maio, muitas dessas pré-candidaturas vão se encontrar. E acredito, sim, que é possível caminharmos com uma única candidatura do centro democrático ainda no primeiro turno”

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