As derrotas políticas colhidas em seu partido nestê mês pelo governador João Doria (PSDB) foram apenas mais um capítulo para tucanos já acostumados com seus erros de articulação em série.
Enquanto sua capacidade de administração é elogiada entre integrantes da legenda, a falta de habilidade em construir alianças e costurar maioria em torno de seu nome deixa transparecer, na opinião de membros do partido ouvidos pelo jornal Folha de S. Paulo, a inexperiência de quem adotou a vida pública há pouco mais de cinco anos.
Na articulação política, Doria, que pretende ser eleito presidente em 2022, é descrito como “um elefante numa loja de cristal”. Faz lembrar, afinal, seu mote em 2016, quando foi eleito para a Prefeitura de São Paulo, de que era gestor e não político.
De lá pra cá, Doria tentou se viabilizar candidato à Presidência da República em 2018, bancou a expulsão do deputado Aécio Neves (PSDB-MG), apostou todas suas fichas no derrotado Baleia Rossi (MDB-SP) e promoveu, por fim, o já famoso jantar que provocou uma rebelião contra ele no PSDB.
Em todos esses episódios recentes, Doria teve a iniciativa de expor sua intenção, mas foi derrotado e saiu fustigado. Acabou escorregando em sua própria casca de banana.
Seus aliados, no entanto, fazem questão de lembrar a lista de acertos políticos, a começar pelas duas vitórias eleitorais —à prefeitura em primeiro turno, em 2016, e ao governo do estado, em 2018. A principal, contudo, é a viabilização da vacina contra a Covid-19 no país.
“O governador tem sido um dos principais responsáveis pela renovação no partido. Além da sua ascensão através das vias democráticas, abriu caminho para Bruno Covas, Mara Gabrili e tantos novos quadros de São Paulo”, afirma Marco Vinholi, presidente do PSDB paulista e secretário do governo.
Doria também conseguiu fazer prevalecer sua vontade no partido quando o ex-deputado Bruno Araújo (PE) foi eleito para a presidência da sigla em 2019. E obteve bom resultado para o PSDB paulista nas eleições municipais de 2020.
O momento, no entanto, é de resistência entre seus pares para indicá-lo presidenciável.
As críticas não são feitas abertamente, mas, nos bastidores, nomes de diferentes linhas no PSDB coincidem na avaliação de que o estilo empresarial de Doria dificulta seu tato político.
Isto é, o governador não tem a prática política internalizada e planeja seus passos mirando sua ascensão, às vezes sem contemplar colegas e partidos que seriam necessários em seu projeto presidencial.
Tucanos avaliam que falta a Doria um grupo de aliados e articuladores com peso e prestígio (a exemplo do que acompanha Luciano Huck), que possa servir de radar do mundo político para que ele se movimente dentro das expectativas.
A leitura é a de que o governador falha em captar o clima e age com base no voluntarismo, além de ouvir pouco seu entorno.
Quem acompanhou sua trajetória política reconhece seu mérito próprio, mas lembra que, em 2016, ele teve Geraldo Alckmin como padrinho, enquanto a candidatura de 2018 foi apoiada por Bruno Covas —agora lhe falta essa figura do fiador.
Figuras do entorno de Doria dizem que a visão do governador é a de que ele, mesmo nessas condições, vai superar os obstáculos até a urna, como já fez duas vezes.
Aliados afirmam inclusive que, na verdade, Doria iniciou seu projeto em 2016 sem ajuda de tucanos de renome e, em 2018, foi eleito apesar da falta de apoio de deputados, prefeitos e até de Alckmin, que já estava distante.
A percepção no Palácio dos Bandeirantes é a de que há erros e acertos no caminho de qualquer eleição, e Doria estaria mais bem assessorado agora do que nos pleitos anteriores.
Enquanto parte do PSDB aposta que o governador pode preferir sair do partido a encarar prévias com Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul e também aspirante ao Planalto, seu entorno afirma que Doria irá, sim, participar da votação interna.
Em diferentes ocasiões, Doria já disse ser fruto de prévias, em sinal de adesão à democracia interna.
Mas a conversa sobre prévias no PSDB não teria surgido com força neste mês não fosse o já famoso jantar oferecido por Doria a caciques no último dia 8. Como reação a seu passo em direção a 2022, Leite também embarcou no projeto nacional.
No mesmo jantar Doria voltou a propor a saída de Aécio do partido e seus aliados sinalizaram que o governador deveria suceder Araújo no comando da sigla. Resultado: Araújo foi reconduzido ao cargo por mais um ano com amplo apoio no partido.
O jantar foi descrito de forma irônica por um tucano histórico como “obra-prima” da articulação de Doria.
Presente no encontro, o deputado Samuel Moreira (SP) afirmou à Folha, no entanto, que o pleito de suceder Araújo não foi mencionado em nenhum momento por Doria e que a pauta principal foi a discussão sobre a oposição.
“Não existem erros, existem temas e pautas. O jantar nunca foi para expulsão de Aécio, essa é uma versão que não tem sentido. […] Também não foi pautado um jantar para destituição do Bruno Araújo. Doria, além de tudo, é amigo do Bruno Araújo. […] João Doria trouxe a vacina e isso transcende a política”, afirmou o deputado Alexandre Frota (SP) à reportagem.
Vinholi também afirmou que o PSDB paulista estava de acordo com a recondução de Araújo. A história que ficou, porém, foi a de que o novo mandato foi uma derrota para Doria.
Também partiu de Doria a iniciativa de pressionar pela saída de Aécio do partido em 2019 —movimento endossado publicamente por Covas. Como o deputado não cedeu e não se afastou, dois pedidos de expulsão foram levados ao partido, um pelo PSDB estadual e outro pelo PSDB municipal de São Paulo.
A votação terminou em 30 para Aécio, contra 4 para Doria. Desde então, o mineiro e o paulista vêm ocupando trincheiras opostas no partido, sendo que o primeiro leva vantagem na construção de pontes com os colegas.
Essa não foi a única demonstração de que Doria não controlava o PSDB como pensava nem a mais recente. Neste ano, o governador paulista endossou a candidatura de Baleia ao comando da Câmara e foi um dos poucos governadores a não receber o rival, Arthur Lira (PP-AL).
Na reta final, porém, os deputados ameaçaram deixar o bloco de apoio a Baleia —o que foi freado por Doria e por FHC. Ainda assim, mais de 20 deputados votaram em Lira, que saiu vitorioso.
Em 2018, Doria cometeu dois erros políticos lembrados até hoje. O primeiro foi aderir ao bolsonarismo para se eleger, criando o “Bolsodoria” —do qual se diz amargamente arrependido.
O cálculo equivocado teve via de mão dupla. Primeiro, Doria pareceu aproveitador ao se aliar a uma candidatura que não representava as bandeiras do PSDB.
Na intenção de ser presidente, criou para si o problema de ter que se descolar de Bolsonaro, movimento também visto como oportunista e facilitado pelo negacionismo do Planalto.
Mas, antes disso, em meados de 2019, Doria já havia iniciado seus ataques ao presidente que, em janeiro daquele ano, lhe apresentou em Davos como futuro presidente do Brasil.
Outro exemplo da inabilidade de Doria é visto em sua relação com Alckmin. Como prefeito, rivalizou com o padrinho, então governador, pela vaga de presidenciável do PSDB em 2018 —fez viagens pelo país e conversou com partidos. Ficou com a pecha de traidor.
Por fim, para a bancada federal, a intervenção de Doria na escolha do líder em 2019 deu mostras de uma atuação política de imposição. Para alcançar a vitória de Beto Pereira (MS), o governador mudou a configuração da bancada, patrocinando filiações e licenças.
Celso Sabino (PA) era o adversário apoiado por Aécio. O racha foi tamanho que Carlos Sampaio (SP), uma terceira via, assumiu. Para aliados de Doria, o governador venceu o embate, já que Sampaio é fiel a ele.
Na ocasião, porém, mesmo deputados paulistas afirmavam que a intervenção de Doria não seria esquecida. Neste ano, Rodrigo de Castro (MG), próximo a Aécio, foi aclamado líder.
AS CASCAS DE BANANA QUE DORIA LANÇOU PARA SI
JANTAR NO PALÁCIO DOS BANDEIRANTES (8.FEV.21)
Intenção: Encontro com caciques foi marcado por Doria para alavancar sua corrida presidencial. A saída de Aécio voltou a ser defendida, e aliados de Doria sugeriram que ele sucedesse Bruno Araújo no comando da sigla
Reação: Eduardo Leite embarcou no projeto presidencial, obrigando prévias. Araújo teve o mandato renovado com amplo apoio e caso Aécio foi enterrado;
APOIO A BALEIA ROSSI (2021)
Intenção: Doria fez campanha pelo candidato do MDB e nem chegou a receber, como governador, o adversário Arthur Lira (PP-AL), que venceu
Reação: PSDB ameaçou deixar o bloco de apoio a Baleia. Em sinal de que Doria não controla o partido, mais de 20 deputados votaram em Lira;
PEDIDO DE EXPULSÃO DE AÉCIO NEVES (2019)
Intenção: Em ação de Doria e Bruno Covas, diretórios de SP do PSDB pediram a expulsão de Aécio
Reação: Votação na executiva nacional foi de 30 para Aécio e 4 para Doria;
INTERVENÇÃO NA BANCADA FEDERAL (2019)
Intenção: Doria agiu para que Beto Pereira (MS) obtivesse maioria na eleição para líder da bancada, inclusive filiando um deputado federal e pedindo o afastamento de outro para que o suplente tucano assumisse
Reação: Bancada rachada optou por terceira via, mas resultado foi favorável a Doria. Contudo, intervenção deixou marcas e hoje novo líder é mais próximo de Aécio do que de Doria;
BOLSODORIA (2018)
Intenção: Doria se associou a Bolsonaro durante campanha para ser eleito governador. Depois, teve que se descolar dele, pois seria seu adversário em 2022
Reação: Movimento de aproximação foi visto como oportunista, já que PSDB tinha candidato e que bandeiras de Bolsonaro não representavam a social-democracia. Descolamento de Bolsonaro, com ataques, também foram vistos como exagero;
CANDIDATURA PRESIDENCIAL (2018)
Intenção: Como prefeito, Doria passou a conversar com partidos e a percorrer o país na tentativa de ser escolhido candidato a presidente em 2018
Reação: Movimento provocou desconfiança de tucanos; Alckmin foi escolhido candidato e ampliou sua distância em relação a Doria.