Suspeito de promover esquema de “rachadinha” em seu gabinete, o deputado federal André Janones (Avante-MG) vive segundo reportagem de Victoria Azevedo e Ranier Bragon, da Folhapress, um cenário de isolamento entre seus colegas na Câmara dos Deputados, além de um constrangimento da esquerda em defendê-lo das acusações.
O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, formalizou um pedido de cassação do deputado nesta semana. A sigla enviou uma representação por quebra de decoro parlamentar contra Janones à Mesa Diretora, que deverá em seguida ser encaminhada ao Conselho de Ética.
As suspeitas vieram a público após o site Metrópoles revelar nesta semana áudio de 2019 em que Janones, em seu primeiro mandato na Câmara, informou a assessores que eles teriam que devolver parte dos salários para que o parlamentar pudesse reconstruir seu patrimônio.
Deputados afirmam reservadamente que Janones não tem um grupo político que possa fazer uma defesa contundente dele —pelo contrário. Também pesa contra o fato de ele integrar o Avante, que é um partido nanico, tendo apenas sete deputados na Câmara.
Eles dizem ainda que há uma antipatia em relação a Janones, já que o parlamentar frequentemente disparou críticas à atuação dos colegas.
“Ele é um deputado tóxico, asqueroso, ninguém aguenta ele aqui. Ele vem aqui, coloca o dedo na cara, vai embora, desrespeita todo mundo. Nas comissões cria tumulto, ele fez uma campanha suja nas redes sociais cometendo fake news, mentindo a todo momento”, diz o deputado Cabo Gilberto (PL-PB), aliado do clã Bolsonaro.
Nas palavras de um deputado influente na Casa, Janones sempre propagou um perfil similar ao de paladino da moralidade, disparando queixas aos deputados e à própria atividade parlamentar. O que nunca é bem-visto entre os pares e reforça o clima contrário a ele.
A insatisfação com esse perfil não se restringe a membros da oposição e do centrão. Parlamentares de esquerda dizem, também sob reserva, que há um certo constrangimento em defender o deputado, uma vez que críticas às investigações de supostos esquemas de “rachadinhas” envolvendo o clã Bolsonaro se tornaram bandeira dos partidos adversários do ex-presidente.
Eles dizem ainda que o fato de existir uma gravação do próprio parlamentar o coloca numa saia justa. Ponderam que é necessário que haja uma investigação antes de chegar a conclusões, mas que o cenário não é positivo.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), foi uma das poucas pessoas a publicamente sair em defesa do deputado. Em publicação nas redes sociais na terça (28), ela afirmou que Janones tem “todo o direito de se defender das acusações” que pesam contra ele.
“Quem tem histórico de rachadinhas, fake news e desvio de dinheiro público são os que hoje atacam o deputado. Estamos solidários com ele na evidência da verdade.”
Um líder da base aliada do governo Lula (PT) diz que irá pessoalmente atuar na defesa do deputado se necessário, que um aliado não deve ser abandonado no meio do caminho até por ter tido papel fundamental na eleição do petista.
“Na minha opinião, todas as denúncias de mau uso de verbas parlamentares, a chamada ‘rachadinha’, são sempre graves e precisam ser investigadas a fundo, seja onde for”, diz o deputado Tarcísio Motta (RJ), do esquerdista PSOL.
Motta diz que o colega precisa responder por seus atos, caso as acusações sejam comprovadas, e que “não é porque Janones é da mesma base do governo” que vai defendê-lo.
Janones chegou a se lançar à Presidência no ano passado, mas desistiu para apoiar Lula, meses antes do primeiro turno, e atuou incisivamente na trincheira das redes sociais na campanha. Ele se tornou voz crítica a Bolsonaro e seus aliados e defendeu durante a eleição que era necessário responder à campanha do adversário “com as mesmas armas”.
Passadas as eleições, ele seguiu em embates frequentes com bolsonaristas na Câmara.
Ainda que o processo de Janones no conselho de Ética da Câmara não deva ser concluído neste ano, dada a proximidade com o recesso parlamentar, há uma avaliação entre parlamentares da esquerda à direita que ele pode avançar e, se chegar ao plenário, o deputado corre risco de perder o seu mandato.
Tradicionalmente, o conselho é marcado por lentidão nos processos analisados e arquivamento dos procedimentos.
Um dos momentos do áudio que complicou a situação política de Janones, e que também foi obtido pela Folha, trata da parte em que o parlamentar afirma que alguns dos assessores contribuiriam com parte de seus salários para a recomposição de seu patrimônio particular.
Dois ex-assessores de Janones afirmam que o esquema foi implantado.
Janones diz não considerar ilícito o pedido que fez, já que o dinheiro seria, segundo ele, usado para quitar prejuízos da campanha a prefeito de Ituiutaba, em 2016, da qual os assessores teriam participado. Além disso, afirma que a proposta jamais foi implementada.