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sexta-feira 13 de outubro de 2023 às 15:48h

Israel cometeu erro letal ao apostar em um Hamas ‘pragmático’, afirmam analistas

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Observadores que analisam o Hamas há longa data estão debatendo o quanto o grupo terrorisa palestino realmente evoluiu ao longo da década recente, particularmente durante o período às vezes definido como “era pragmática”. Não há discussão, contudo, a respeito do momento em que esse período se encerrou: pouco após o sol nascer, no sábado passado, com o acionamento de um ataque terrosita devastador contra Israel.

Desde que assumiu o controle da Faixa de Gaza, em 2007, o Hamas, ainda que resoluto em sua rejeição ao direito de Israel existir como Estado, fez conforme reportagem de Hannah Allam, do The Washington Post, pequenas aberturas, afirmam analistas, como sinalizar apoio a um cessar-fogo de longo prazo e inaugurar canais diplomáticos de bastidores.

Conforme passaram-se os anos, alguns analistas de Oriente Médio começaram até a falar em um Hamas “contido e pragmático”, mas reservavam ceticismo para o grupo que eles sabiam estar entre os mais estratégicos e inconstantes na região.

E então veio o eventual — e muitos diriam inevitável — rompimento com essa posição, no fim de semana passado, com o ataque terrorista do Hamas que chocou o mundo com sua brutalidade. Cerca de 1,2 mil israelenses foram mortos e mais de 100 foram capturados e feitos reféns. As atrocidades infligidas sobre os civis, incluindo crianças e bebês, afirmam analistas, sinalizam um novo capítulo obscuro para um grupo que se gaba por atacar alvos militares e policiais de Israel, o que antes distinguia sua conduta da sanguinolência dos extremistas do Estado Islâmico.

“É difícil conciliar essa versão pragmática do Hamas ao longo desses 15 anos com o que acaba de acontecer, que fechará a porta para qualquer tipo de aceitação internacional”, afirmou Khaled Elgindy, ex-conselheiro de negociadores de paz palestinos e agora pesquisador sênior do Middle East Institute, em Washington. “Qual é o desfecho disso?”

Esta é a pergunta que pesquisadores e formuladores de políticas que monitoram o Hamas há anos estão tentando responder conforme revisitam a trajetória do grupo para entender ataques terroristas alvo e letalidade tão diferente que o Hamas certamente sabe estar arriscando sua própria aniquilação. O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, prometeu dizimar o Hamas em uma guerra de vingança, cujo castigo sobre os militantes “reverberará por gerações”.

Israel lançou ataques aéreos e anunciou que cortaria o fornecimento de eletricidade, combustível e alimentos para a Faixa de Gaza, um território sob bloqueio que abriga mais de 2 milhões de pessoas, aproximadamente a metade de crianças. O “cerco completo” anunciado por Israel é proibido pelo direito internacional, afirmou o alto comissário da ONU para direitos humanos, Volker Türk, na terça-feira. Em Gaza, mais de mil pessoas foram mortas, incluindo centenas de mulheres e crianças, de acordo com autoridades palestinas.

A linha oficial do Hamas afirma que o ataque foi uma resposta ao longo bloqueio de Israel à Faixa de Gaza e sua violência contra os palestinos, mas pesquisadores afirmam que uma série de outros fatores definiram o momento da ação e os métodos usados pelo grupo. Os observadores também alertaram que o conflito permanece fluido, com poucas informações verificadas sobre a origem da operação e se o Hamas teve ajuda do Irã ou de outros apoiadores regionais para executá-la.

O ataque ocorreu após meses de uma escalada de violência que já tornava 2023 o ano mais mortífero para os palestinos na Cisjordânia desde que a ONU começou a registrar as mortes nos territórios palestinos, duas décadas atrás. Entre janeiro e setembro, 227 palestinos foram mortos por forças israelenses ou colonos judeus, de acordo com as Nações Unidas. Antes da violência mais recente, as mortes de israelenses totalizavam ao menos 29.

Esses números chamaram pouca atenção dos aliados ocidentais de Israel. A política do governo Biden de não intervir diretamente, segundo um relatório recente do International Crisis Group, “implicou numa posição em grande medida passiva em face aos repetidos ataques de colonos contra palestinos na Cisjordânia, às mortes crescentes de palestinos, incluindo crianças, praticadas pelo Exército, e à expansão do empreendimento colonial na direção de uma anexação de facto da Cisjordânia”.

Catalisadores da catástrofe

Apenas a violência poderia ter sido suficiente para mobilizar o Hamas, afirmam analistas, mas houve outros fatores em consideração.

Um é o estado decrépito da política palestina e frustrações particulares com a corrupção da Autoridade Palestina e a ausência de um plano claro de sucessão ao presidente Mahmoud Abbas, de 87 anos.

Outro fator é a crise política interna de Israel. A coalizão de governo de extrema direita de Netanyahu intensificou a construção de assentamentos ao mesmo tempo que empurrou reformas controvertidas no Judiciário que anulariam o papel da corte enquanto contrapeso ao Poder Executivo. Com milhares de israelenses protestando nas ruas, analistas afirmam que o Hamas pode ter percebido o Estado israelense numa posição vulnerável, e vozes palestinas novamente se alinharam em uma luta política capaz de moldar seu futuro.

“O Hamas entendeu que Israel enfrenta agora, de certas maneiras, uma crise existencial sobre que tipo de Estado será”, afirmou Tareq Baconi, autor de “Hamas Contained” e presidente do instituto de análise Al-Shabaka, Rede de Políticas Palestinas.“E toda essa conversa tem acontecido como se os palestinos estivessem ausentes.”

O terceiro catalisador pode ter sido o esforço apoiado pelos Estados Unidos por normalização de relações entre Israel e os países árabes do Golfo. O ataque do sábado, afirmou Elgindy, foi pelo menos em parte um lembrete sangrento do Hamas de “que você não pode saltar para um arranjo regional imaginário que não aborde a questão palestina”.

Outros analistas afirmaram que a busca por uma lógica dá ao Hamas crédito demais. Bruce Hoffman, pesquisador veterano de terrorismo, escrevendo na Atlantic desta semana, revisitou o manifesto original do grupo, de 1988, que “anuncia claramente as intenções genocidas do Hamas”. O ataque do sábado, escreveu Hoffman, “foi na realidade a realização fundamental das verdadeiras ambições do Hamas”.

Analistas de política externa que alertaram contra comprar a ideia de um Hamas novo e melhorado estão comprovando suas teses da pior maneira.

“O Hamas nunca foi a resposta”, afirmou Michael Singh, que serviu como diretor sênior para Oriente Médio do Conselho de Segurança Nacional durante o governo George W. Bush e atualmente trabalha no Washington Institute. “O caminho do envolvimento pragmático sempre foi uma ilusão, e agora todos veem isso.”

Estratégico e paciente

O Hamas emergiu em 1987, em meio aos espasmos da Primeira Intifada, uma insurreição em massa nos territórios palestinos contra a ocupação israelense. As autoridades palestinas, naquele tempo lideradas por Yasser Arafat no exílio, passavam por dificuldades para colher proveito do desafio que inflamava a população.

Em meio ao caos, um grupo de militantes islamistas percebeu uma oportunidade. Eles imprimiram panfletos apresentando-se como uma alternativa tanto à opressão de Israel quanto aos líderes palestinos do mainstream. Os fundadores do grupo, uma facção da Irmandade Muçulmana que passou a ser conhecida como Hamas, “perceberam a intifada como um momento oportuno para acionar toda a preparação que vinha ocorrendo clandestinamente há anos” pela criação de um movimento islamista de resistência, escreveu Baconi em seu livro.

Dois elementos da história da origem do Hamas, estratégia e paciência, tornariam-se parte dessa cartilha conforme o movimento se transformou gradualmente em um grupo sofisticado o suficiente para praticar o tipo de ataque combinado que Israel experimentou no fim de semana passado.

“Eles vinham lendo folhas de chá, observando, preparando-se e realmente jogando a longo prazo em termos de determinar quando atacar e por que motivo”, afirmou Baconi.

Em 1997, os EUA designaram o Hamas como organização terrorista citando o uso que o grupo fazia de bombardeios suicidas e sequestros. Ao contrário de seus rivais da Organização para a Libertação da Palestina e do partido político Fatah, o Hamas não reconhece o direito de existência de Israel e prega uma versão islamista-fundamentalista de resistência armada.

As forças israelenses se retiraram unilateralmente de Gaza em 2005 mas ainda controlam, juntamente com o Egito, suas fronteiras. Israel também mantém uma ocupação militar na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.

Como outros grupos islamistas, o Hamas ganhou popularidade inicialmente entre os palestinos criando entidades de caridade e programas locais de saúde pública e educação. Isso se traduziu em poder político em 2006, quando o bloco do Hamas, conhecido como “Mudança e Reforma”, venceu eleições legislativas, apresentando uma ameaça existencial à Autoridade Palestina dominada pelo Fatah. Como no Líbano, no Iraque e em outros países, a Casa Branca vinha pressionando por eleições mas se afastou quando os eleitores escolheram militantes islamistas em vez de líderes seculares, vistos como ineficazes e sujeitados aos interesses do Ocidente.

A luta pelo poder entre Hamas e Fatah se aprofundou, culminando com os militantes islamistas tomando controle da Faixa de Gaza e removendo autoridades do Fatah, em junho de 2007. A cisão resultou em uma partição política de facto, com a Cisjordânia controlada pela Autoridade Palestina e a Faixa de Gaza governada pelo Hamas.

Desde então, o Hamas atacou Israel repetidamente com foguetes e morteiros, e Israel retaliou com poder de fogo superior e um bloqueio punitivo, restringindo importações e o movimento de civis palestinos.

Períodos de calma foram fugazes, interrompidos por trocas de fogo periódicas. Em 2008, um acordo de seis meses de cessar-fogo com Israel terminou sob ataques de foguetes do Hamas e uma grande operação israelense naquele inverno. Confrontos ocorreram novamente em 2012 e 2014. Então, em 2021, centenas de palestinos ficaram feridos em confrontos com as forças de segurança de Israel no complexo de Al-Aqsa, em Jerusalém, o terceiro local mais sagrado para o Islã. O Hamas respondeu com saraivadas de foguetes.

“Eles nunca desistiram de seus objetivos militares, não importa que tipo de entrada à arena diplomática mundial ou concessão eles tenham feito”, afirmou Gina Ligon, que estudou a liderança do movimento de 2008 a 2013 e agora lidera o centro de pesquisa em segurança interna da Universidade do Nebraska, em Omaha.

Ligon afirmou que o Hamas chamou a atenção de militantes da região porque seus líderes priorizavam alistar recrutas com habilidade militar e conhecimento de tecnologia, “não apenas caras dispostos a lutar e morrer pela causa”. Ela afirmou que os combatentes do Hamas rememoravam os tuneleiros da 1.ª Guerra conforme escavavam sua própria rede subterrânea para evitar o bloqueio. E também olhavam adiante, afirmou ela, encorajando a inovação.

“Nós analisamos todos os grupos em termos de complexidade organizacional e eles pontuaram alto em nossa escala — muito burocratizados, mas também tinham pesquisa e desenvolvimento”, afirmou Ligon.

Os líderes do Hamas também aprenderam com tropeços políticos e operacionais, como nas apostas que fizeram durante as rebeliões da Primavera Árabe.

No Egito, afirmam pesquisadores, o Hamas se equivocou ao avaliar a capacidade da Irmandade Muçulmana de se manter no poder após a deposição do homem-forte apoiado pelos EUA Hosni Mubarak e subestimou a resistência pública dos egípcios ao governo dos islamistas conservadores. Após seus aliados da Irmandade serem varridos do poder, o Hamas foi reprimido pelos governantes militares apoiados pelos EUA no Egito.

Na Síria, o Hamas perdeu sua base em Damasco — e, mais importante, afirmam analistas, financiamento do Irã — quando ficou do lado dos manifestantes que se insurgiram contra o líder sírio, Bashar Assad. Com o tempo o Hamas fez as pazes com Teerã. E hoje o Irã é um dos maiores patronos do Hamas, contribuindo com dinheiro, armas e treinamento, incluindo US$ 100 milhões em ajuda anual para o Hamas e outras facções de militantes palestinos, de acordo com o Departamento de Estado.

Confinamento fracassado

Abalados com o ataque do Hamas, comentaristas israelenses opinaram que seu governo aplicou políticas que, segundo eles, enfraqueceram o Fatah e encorajaram os militantes, em uma estratégia fracassada de dividir para conquistar.

“Na maior parte do tempo, a política israelense foi tratar a Autoridade Palestina como um fardo e o Hamas como um ativo”, escreveu Tal Schneider em seu artigo de opinião desta semana no Times of Israel. O Hamas pareceu cooperar, ficando mais forte conforme tomava tempo sob os auspícios de um processo de paz glacial, escreveu Schneider, “e centenas de israelenses pagaram com suas vidas por esta massiva omissão”.

Autoridades dos EUA também aceitaram a ideia de que o Hamas estava em uma fase pragmática, afirmaram analistas, apostando que — apesar do bloqueio — inventivos econômicos como mais permissões para palestinos de Gaza trabalharem fora do enclave empobrecido e os milhões de dólares dos benfeitores regionais do Hamas seriam suficientes para pacificar o grupo. Enquanto isso, Washington colocou foco nas negociações de normalização entre Israel e Arábia Saudita, uma perspectiva atualmente em perigo.

Numa entrevista em língua árabe, esta semana, ao Russia Today, um representante do Hamas radicado em Beirute, Ali Baraka, gabou-se a respeito do ardil do pragmatismo e sobre como “nós os fizemos pensar que o Hamas estava ocupado governando Gaza”, de acordo com uma tradução postada pelo grupo de pesquisa MEMRI. Na realidade, afirmou ele, o Hamas vinha estocando armas e administrando fábricas secretas de armamentos e munições.

“Nos últimos dois anos, o Hamas adotou uma abordagem ‘racional’. O grupo não entrou em nenhuma guerra e não se juntou à Jihad Islâmica na batalha recente”, afirmou Baraka. “Todo esse tempo, sob a mesa”, afirmou ele, “o Hamas estava preparando este grande ataque.”

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