Em março, quando o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), no Rio, completou quatro anos, a deputada estadual mineira Andreia de Jesus (PT) foi avisada conforme matéria de Paula Ferreira, no O Globo, de que sua escolta seria interrompida. Ela contava com proteção desde que passou a enfrentar uma rotina ataques racistas e ameaças. Dias depois do aviso, ela recebeu mais uma. Em setembro, um novo recado criminoso veio por e-mail: “Seus dias estão contados e seu fim é questão de tempo. Muito pouco tempo. Marielle te espera.”
A nova ameaça foi levada ao Ministério Público Federal (MPF) e virou um dos 78 procedimentos abertos pelo órgão em pouco mais de um ano, para apurar crimes de violência política de gênero no país.
O número de casos mais que dobrou entre 8 de agosto, quando a lei que criminaliza a violência política contra mulheres completou um ano em vigor, e 2 de outubro, dia do primeiro turno das eleições. Até o início de agosto, o MPF contabilizava 31 inquéritos do tipo, número que saltou para 78 durante a campanha. Dados obtidos pelo GLOBO mostram que, entre os 58 registros que especificam local da violência ou ameaça, 36 apontam os ambientes virtuais da internet, o que representa cerca de 62% dos casos com esse detalhamento.
— Há ameaças que chegam pelo telefone, por e-mail, redes sociais e outras violências que também já sofri em plenário. Nessas agressões, me chamam de macaca, fedorenta, burra, me mandam estudar, levar bandido para casa — conta Andreia de Jesus. — O desafio para nós mulheres é demonstrar a gravidade dessas ameaças, mostrar que isso impacta o nosso trabalho. Muitas não fizeram campanha em espaços abertos. Há um prejuízo gigante, e o resultado eleitoral demonstra isso.
A parlamentar, que foi reeleita, diz que o número de ameaças que recebe aumentou no período eleitoral. Devido aos riscos, ela voltou a ter o acompanhamento de dois policiais, que se revezam. Agora, ela avalia se continuará à frente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Esta é a primeira eleição sob a vigência da nova lei, que tipifica a violência política direcionada às mulheres. Antes do pleito, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assinaram um acordo para enfrentar o tema. As instituições facilitaram o acesso a canais de denúncia e agilizaram o compartilhamento de informações para facilitar as investigações.
— O aumento nas denúncias reflete maior conscientização das vítimas e do seu entorno e o acirramento das formas de violência durante a campanha com a proximidade das eleições — analisa Raquel Branquinho, procuradora responsável pelo Grupo de Trabalho (GT) Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero do Ministério Público Eleitoral. — Esse aumento era esperado por ser uma campanha acirrada, polarizada em relação às ideologias morais e questões de comportamento e de descaracterização do outro.
Além dos casos relacionados à violência, o MPF registra pelo menos 17 procedimentos sobre irregularidades na distribuição de dinheiro e meios pelos partidos entre candidaturas femininas. Há denúncias de candidatas que dizem não terem recebido recursos públicos dos fundos partidário e eleitoral acessados pelas siglas.
Resposta ainda é lenta
Outras relatam terem sido excluídas da propaganda eleitoral gratuita, como mostra o resumo de uma apuração feita pelo MPF sem identificar a vítima: “Candidata a deputada estadual alega que partido não forneceu informações sobre seu horário de propaganda eleitoral gratuito na rádio e na TV, não tendo inclusive constatado sua aparição”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em 2018, que a divisão dos recursos para campanhas deve ser proporcional à divisão de gênero, com mínimo de 30% para candidatas. Neste ano, o Congresso promulgou emenda à Constituição que obrigou as siglas a destinarem no mínimo 30% dos repasses públicos a candidaturas femininas. E devem reservar 30% do tempo de rádio e TV para elas.
— O tempo de campanha é muito curto, não dá para ter acionamento e resposta como no caso da propaganda irregular. As questões sobre financiamento ou violência dependem de procedimento mais detalhado, de provas. Não se resolvem nos dias entre o fato e a eleição. Mas, se o próprio cidadão tiver consciência dos mecanismos à disposição, já se rompe uma barreira — diz Raquel Branquinho.