A Polícia Civil e o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro investigam o espólio milionário deixado por Adriano Magalhães da Nóbrega, o capitão Adriano, ex-chefe da milícia que controla Rio das Pedras, uma das maiores favelas cariocas. As apurações são sobre lavagem de dinheiro e buscam identificar operadores financeiros e aliados, além de dimensionar a fortuna acumulada por Adriano, morto no dia 9 de fevereiro por policiais da Bahia no município de Esplanada.
O miliciano empregou a mãe e a ex-mulher no gabinete de Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio – o atual senador e filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro não é alvo da investigação.
Os investigadores já identificaram bens e negócios que eram geridos por Adriano. Entre eles imóveis (residenciais, comerciais e rurais), animais (em especial, cavalos), lojas de material de construção, firma de importação e exportação, restaurantes, depósito de bebidas, venda de combustível roubado e adulterado, serviços de segurança, de transporte alternativo, venda de água e gás, de sinal de TV a cabo e internet clandestinos, cobrança de taxas por uso do solo e estacionamento e serviços de agiotagem.
Considerado por autoridades um “intocável” – referência ao nome da Operação Os Intocáveis, de janeiro de 2019, em que foi decretada sua prisão -, capitão Adriano era um ex-policial militar (expulso em 2014) que, aos 43 anos, havia se tornado um dos mais poderosos e violentos milicianos do Rio.
Sua fortuna – quase toda em nome de terceiros e laranjas – deve ultrapassar a de outros milicianos famosos. No mês passado, a Justiça decretou o bloqueio de R$ 2,8 milhões dos policiais Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, que serão julgados como executores do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), há dois anos.
A reportagem consultou processos na Justiça e documentos das apurações, conversou com investigadores e advogados sobre o patrimônio descoberto do miliciano, seus métodos de movimentação financeira e lavagem de dinheiro. Parte do espólio sob investigação foi bloqueada em 2019, por ordem judicial. São contas bancárias, imóveis e valores. Documentos apreendidos nas buscas das duas fases da Intocáveis – janeiro de 2019 e janeiro de 2020 – e resultantes da quebra de sigilo dos alvos da milícia dão dimensão da fortuna.
Imóveis
Arquivos encontrados com o miliciano Manoel de Brito Batista, o Cabelo, registram 101 apartamentos, em pelo menos 11 prédios, que rendiam, em média, R$ 55 mil por mês com aluguéis para Adriano – que nos arquivos aparece como “Gordinho”, segundo a denúncia.
Espécie de “gerente armado” e “braço financeiro da quadrilha”, Cabelo seria quem acompanhava as construções de prédios irregulares em Rio das Pedras e na Muzema, negociava as vendas e locações, além de cuidar das operações para “ocultação dos patrimônios”, sob o comando de Adriano e outro líder. Com ele foram apreendidos também os controles de contas usados pela milícia em nome de laranjas, bem como a contabilidade dos gastos dos cartões de crédito em nome dos “buchas” – laranjas -, que sustentavam até 2019 as despesas dos milicianos e seus familiares.
As apurações mostram que os negócios imobiliários, que incluíam grilagem de terras, construção irregular de prédios, corretagem e corrupção, viraram o principal meio de enriquecimento e lavagem de dinheiro do miliciano. Capitão Adriano e aliados investiam recursos levantados com as taxas de segurança, roubo de combustível e outros negócios na compra e na construção como “sócios empreendedores” de prédios clandestinos, como os que desabaram na Muzema no ano passado. O dinheiro voltava em forma de venda dos imóveis – o preço dos apartamentos variava de R$ 50 mil a R$ 200 mil – e na locação deles. Depósitos de material de construção, construtoras e outros tipos de comércios abertos em nome de laranjas tiveram os sigilos quebrados.
As investigações também reúnem provas sobre os investimentos do capitão Adriano em propriedades rurais e gado – clássico método de lavagem de dinheiro, com ocultação patrimonial e fraudes fiscais. A localização do miliciano na Bahia, onde havia se escondido no sítio do fazendeiro Leandro Abreu Guimarães – competidor de vaquejadas – trouxe novos elementos para a apuração.
Investigadores identificaram que o miliciano investia, havia pelo menos três anos, em compra de sítios, ranchos e haras, além de cavalos e projetos de vaquejadas. Foragido desde janeiro de 2019, capitão Adriano chegou a participar de competições de vaquejada, em diferentes Estados do Nordeste. Usou, em algumas delas, o nome Adriano da Nóbrega.
A apuração abrange possíveis bens em pelo menos quatro Estados: Rio, Bahia, Tocantins e Sergipe. Animais de raça, como os negociados, têm valores que variam de R$ 20 mil a R$ 100 mil.
Herdeiros
Com sua morte, familiares e aliados são considerados os “herdeiros” naturais do espólio de Adriano. No radar estão a mãe Raimunda Veras Magalhães, a ex-mulher Danielle Mendonça da Costa Nóbrega e duas irmãs, entre outros.
Negócios de restaurantes, lojas e empresas de serviços e de exportação podem ter sido usados para movimentar dinheiro e como forma de investimento. O objetivo da investigação, agora, é recuperar a fortuna adquirida com dinheiro de crimes e reverter para os cofres públicos, além de avançar sobre os métodos de lavagem de dinheiro da milícia e operadores e aliados que davam cobertura ao esquema.
Nesse ponto, as investigações cruzam com apuração do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre suposto esquema de “rachadinha” – apropriação de parte dos salários de servidores – no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa , por meio do ex-assessor Fabrício Queiroz – que era amigo do capitão Adriano. A mãe e a ex-mulher do miliciano fazem parte do grupo de servidores que é alvo da investigação – que está parada por ordem do Tribunal de Justiça.
A morte de Adriano e a prisão dos principais líderes da milícia também podem desencadear uma disputa pelo “espólio de guerra” do grupo. Potenciais inimigos estão na mira de investigadores. Rio das Pedras tem mais de 70 mil moradores e cresceu sob o domínio de milícias.
O cenário na comunidade é incerto. Na semana passada, a prefeitura do Rio mandou retroescavadeiras entrar em Rio das Pedras para derrubar cerca de 200 barracas e casas irregulares erguidas na beira do córrego que são comercializadas por milicianos e recebem taxas dos ocupantes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Estadão Conteúdo