Milhares desabrigados pelos tremores recentes se desesperam ante a ajuda humanitária insuficiente no país administrado pelo Talibã. Ativistas questionam a capacidade do grupo fundamentalista de administrar a crise. As noites estão esfriando no Afeganistão, o que expõe desabrigados alojados em acampamentos lotados a um risco maior de contrair doenças contagiosas enquanto esperam, aflitos, por ajuda humanitária.
A série de terremotos que devastou a província de Herat, no oeste do país, afetou mais de 154 mil pessoas, segundo informações do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas. Mais de 2 mil foram mortos e outros milhares ficaram feridos, segundo a imprensa local.
“Os feridos, inclusive várias mulheres e crianças, precisam muito de assistência médica”, afirma à DW a voluntária Niloufar Nikseyar. Ela, que lecionou na Universidade Herat, tem apoiado grupos de ajuda humanitária desde a tragédia.
“Estive em três vilarejos pequenos hoje, onde muitas casas foram completamente destruídas. Os primeiros mantimentos, como farinha e água, finalmente chegaram por lá. As mulheres têm que assar pão e cuidar das famílias delas com os recursos limitados de que dispõem. Falta tudo aqui, principalmente fórmula para bebês, xarope para tosse e absorventes.”
Organizações internacionais de apoio humanitário alertam para deterioração da situação
Avaliações iniciais conduzidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais de 40 infraestruturas de saúde na região foram danificadas pelos tremores. Outras correm risco agudo de vir abaixo, complicando a assistência de pacientes.
Mais de 114 mil pessoas no Afeganistão precisam agora de assistência médica emergencial, ainda segundo a OMS – cerca de 7.500 são gestantes, várias delas perderam familiares no desastre.
“Muitas estavam em casa quando a terra tremeu, enquanto os homens estavam fora, trabalhando em lavouras ou pastoreando rebanhos”, afirma Lina Haidari, professora e ativista que também tem ajudado afegãs afetadas pelos terremotos.
As Nações Unidas informam que mais de 90% das vítimas eram mulheres ou crianças. Haidari ressalta que muitos feridos também estão seriamente traumatizados e agora convivem com o medo de tremores subsequentes.
Organizações internacionais de ajuda humanitária, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), alertaram para a deterioração da situação, especialmente com a chegada do inverno. O escritório afegão do órgão contabiliza 96 mil crianças afetadas e informa que mais de 80 toneladas de suprimentos já foram enviados a Cabul para serem distribuídos na região do desastre.
O Talibã pode enfrentar essa crise?
O Talibã, organização fundamentalista islâmica no controle do país desde agosto de 2021, criou uma comissão para coordenar a distribuição da ajuda humanitária entre os afetados pelos terremotos. A comissão é responsável por evitar corrupção e assegurar que todos recebam a ajuda de que necessitam, afirmou à DW um porta-voz do grupo.
Mas muitos ativistas dentro e fora do Afeganistão questionam a capacidade do Talibã de gerir a crise. Afegãos que vivem na diáspora querem desesperadamente ajudar parentes e amigos, mas encontrar os canais certos para isso tem sido difícil.
“Precisamos encontrar meios de ajudar as pessoas que estão lá”, diz a jornalista afegã Zahra Joya. Baseada em Londres, ela é chefe de redação do Rukhshana Media, uma agência de notícias que fundou para informar sobre as vidas de mulheres e crianças no Afeganistão. “Mulheres, e crianças especialmente, precisam de nossa ajuda agora. Estamos tentando criar grupos de apoio lá para organizar isso.”
Segundo Joya, não é possível enviar dinheiro diretamente ao país. Desde a ascensão do Talibã, a situação econômica do país se deteriorou dramaticamente com a imposição de sanções econômicas por parte dos Estados Unidos – em reação às violações de direitos humanos – e a exclusão do país do sistema internacional de transações financeiras SWIFT.
Antes as pessoas usavam casas de câmbio no exterior para enviar dinheiro ao Afeganistão por meio de intermediários – uma empreitada informal cujo sucesso dependia de uma conexão telefônica e confiança mútua. Esse caminho, porém, já não funciona mais, segundo ativistas.
“O dinheiro se tornou escasso no Afeganistão. Mas mesmo com dinheiro vivo muitas coisas não podem mais ser compradas, como fórmula para alimentar bebês”, relata uma fonte que pediu para ter a identidade preservada.
Assim, a muitos restam poucas opções que não depender da ajuda do Talibã.