A retenção dos pagamentos de emendas de código RP-2 é a principal causa conforme reportagem de Augusto Tenório Mayara da Paz, do portal Metrópoles, para a derrota recente do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Câmara dos Deputados. Pesa, ainda, a demora para nomeação de cargos de terceiro escalão. Nesta semana, os governistas foram surpreendidos com a chegada à pauta e aprovação de um projeto para derrubar parte do decreto do presidente sobre contratos e serviços de saneamento.
Lideranças do centrão e de legendas governistas, procuradas pelo Metrópoles, afirmam tratar-se não somente de um recado genérico enviado ao Executivo, mas um alerta endereçado à Casa Civil, comandada por Rui Costa. De acordo com os parlamentares, a pasta é a responsável pelo represamento da indicação dos pagamentos pelos Ministérios às prefeituras. As emendas RP-2 são importantes porque para elas foi redirecionado parte dos recursos advindos do extinto orçamento secreto, de código RP-9.
“Isso foi um recado para o governo entender a necessidade de honrar com seus compromissos. A Casa Civil precisa começar a liberar as emendas RP-2, como havia prometido. Já estamos em maio”, reclamou uma liderança do centrão, logo após o plenário. Nessa quinta (4/5), o governo anunciou a autorização para pagamento de R$ 3 bilhões. O grupo insatisfeito ainda apontou outros projetos na fila para serem usados como recado, em caso de continuidade do suposto descumprimento do acordo.
Dentre as medidas citadas está o Marco Temporal, pautado pelo STF para julgamento no dia 7/6. A tese limita a demarcação áreas de áreas indígenas. Como indicou Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, o tema só poderia entrar em votação caso a Suprema Corte pautasse a deliberação. Outros decretos de Lula, inclusive o responsável por limitar a venda e compra de armas, são possíveis alvos.
A semana já trouxe dificuldades ao governo com a retirada de pauta do PL das Fake News. O relator Orlando Silva (PCdoB-SP) pediu para atrasar a deliberação do texto na última terça (2/5), alegando não haver base suficiente para sua aprovação.
Base e oposição
Lideranças do governo, ouvidas pelo Metrópoles logo após a votação do texto sobre saneamento, indicam ter entendido o recado, mas reclamam sobre o projeto escolhido para alfinetar o governo. Um dos vice-líderes aponta o encaminhamento da conversa entre o Executivo e Legislativo para formular um texto convergente aos interesses dos dois poderes. O Congresso reclamava, apontando suposta sobreposição de poderes com as alterações do decreto sobre o Marco do Saneamento.
“O governo estava disposto a alterar aquilo que a Câmara definiria como prioridade. (…) A demora faz parte, mas eu estava empenhado em buscar uma solução até terça ou quarta. Essa votação não é compatível com o diálogo. Passei o dia negociando com Lira, com respeito. Isso não pode de uma hora pra outra aparecer no plenário. Não teve reunião de lideres hoje. Isso não é correto”, disse José Guimarães, na tribuna.
A oposição bolsonarista aproveitou para surfar na movimentação. Líder do grupo na Câmara, Carlos Jordy (PL-RJ) foi à tribuna e provocou: “a base governista derreteu, é frágil”. Uma das lideranças do PT aponta que o movimento do centrão, classificado como “brusco”, acaba por fortalecer a extrema-direita ao minar a força do governo no Congresso. “O que não dá pra entender é a base aliada embarcando nesse jogo”, reclamou.
A reclamação faz referência à adesão de parlamentares de partidos como PSB, PSD e Solidariedade ao projeto que derrotou o governo. No caso da legenda do vice-presidente Geraldo Alckmin, foram três votos favoráveis, sendo um deles o de Felipe Carreras (PE), líder do superbloco formado pelo PSB com União Brasil, PP, PDT, federação PSDB-Cidadania, Avante, Patriota e Solidariedade. O grupo orientou pela aprovação da matéria.
Parlamentares do União Brasil, em tempo, dizem ter celebrado o encaminhamento de Lira, repassado pelo líder da bancada Elmar Nascimento (União-BA), no sentido de “ter chegado a hora de passar o recado ao governo”. O partido conta com três ministérios no governo Lula, mas todos indicados pela bancada do Senado, liderada por Davi Alcolumbre (AP).
A sessão foi comandada por Marcos Pereira (Republicanos-SP), 1º vice. Diante dos protestos do governo, ele afirmou, durante a sessão, ter pautado a matéria sob orientação do próprio presidente da Câmara. A derrota foi de 295 votos pela aprovação do texto contra o governo e 136 pela derrubada da matéria. O bloco do Podemos com MDB, PSD e Republicanos liberou os partidos na orientação da votação, pois o PSD gostaria de orientar contra.
Mesmo assim, o partido de Gilberto Kassab deu somente sete votos contrários, mas 20 favoráveis. O PP de Arthur Lira votou completamente a favor da derrota do governo, assim como o União Brasil. No Solidariedade, dois deputados votaram a favor e dois votaram contra. Apesar da insatisfação e da derrota, mantém-se o consenso, entre as lideranças da base e do centrão, sobre a necessidade de aprovação do novo arcabouço fiscal e reforma tributária.
Cargos
Além da demora para liberação de emendas, há também reclamações acerca da nomeação de cargos regionais. Em Pernambuco, decidiu-se dividir a Superintendência da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) entre PSB e Republicanos, com indicações a serem feitas pelo prefeito do Recife João Campos (PSB) e pelo deputado Silvio Costa Filho (Republicanos). A despeito do acordo, a nomeação não saiu e parlamentares atrelam a demora à Casa Civil. O União Brasil queria a diretoria.
Em Sergipe, também há disputa envolvendo a Codevasf. O União Brasil, através do ex-deputado federal André Moura, quer indicar Jefferson Costa. Há disputa, porém, com o próprio PT, pois o senador Rogério Carvalho defende o nome de Silvio Santos, ex-vice-prefeito de Aracaju. As reclamações apontam represamento, uma vez que somente o nome do petista teria chegado a Waldez Góes, Ministro da Integração e Desenvolvimento Regional.
Elmar Nascimento, preterido na distribuição dos ministérios, foi atendido ainda conforfme reportagem de Augusto Tenório Mayara da Paz, do Metrópoles, pelo governo federal com a manutenção de Marcelo Andrade Moreira Pinto no comando geral da Codevasf. A estatal é considerada o principal objeto de disputa, por causa da sua capilaridade na política regional do Nordeste.
Na Casa Civil e SRI
Nos últimos dias, Rui Costa vinha coordenado reuniões com parlamentares para discutir o tema. Após a edição dos decretos, alguns setores passaram a defender a substituição dos atos por um projeto de lei. Até o momento, porém, o governo insiste que há “disposição para dialogar” com o Congresso sobre o assunto e tenta barrar a derrubada dos decretos no Senado.
Nesta semana, o presidente da Câmara se reuniu com o presidente Lula e reclamou da falta de organização e da demora da articulação política do governo. Arthur Lira ressaltou a necessidade de cumprimento de compromissos assumidos pelo Palácio do Planalto, como a liberação das emendas parlamentares.
Atualmente, a distribuição das emendas está sob o comando do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Tanto Padilha quanto Rui Costa têm sido criticados por Lira em reuniões internas com auxiliares palacianos. Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o presidente da Câmara manteve o controle sobre a distribuição das chamadas emendas de relator, também conhecidas como orçamento secreto.
A performance do ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais foi alfinetada por Lula em evento do chamado “Conselhão”, realizado nessa quinta. “Quero reconhecer o trabalho extraordinário do ministro Alexandre Padilha… Espero que ele tenha, dentro do Congresso Nacional, a capacidade de organizar e de articular que ele teve no conselho. Aí vai facilitar muito a vida… É porque esse conselho está mais diverso e representativo”, disse o presidente.
Em entrevista concedida à GloboNews, Lira chegou a comentar a relação do Congresso com Padilha. “Não tem dedo apontado para o Padilha. A cobrança tem que começar por ele, mas se estende à Casa Civil, aos líderes, aos demais ministros etc. É um conjunto que precisa estar afinado. Já estamos em maio…”, reclamou o presidente da Casa Baixa.
No total, o governo tem disponíveis R$ 9,8 bilhões em emendas parlamentares. O montante, porém, está parado. Na reunião entre Lula e Lira, ficou acordado que o governo começaria a liberar os valores, o que não havia ocorrido até a noite de quarta-feira, quando deputados derrubaram trechos dos decretos do saneamento. Como citado acima, somente após a derrota no Congresso, o governo autorizou, nessa quinta-feira, a liberação de R$ 3 bilhões. Os recursos devem ser destinados à área de saúde.