A crise de popularidade do presidente Lula da Silva (PT), a insatisfação da base aliada e os problemas na articulação política podem comprometer a aprovação da pauta econômica do governo no Congresso Nacional. Pelo menos é esta a avaliação do deputado federal Altineu Côrtes (PL-RJ), novo vice-presidente da Câmara em entrevista a Marcelo Ribeiro e Murillo Camarotto, do jornal Valor. Os mesmos fatores podem impulsionar, na sua avaliação, o avanço do projeto que oferece anistia aos golpistas envolvidos nos atos do 8 de janeiro.
No terceiro mandato consecutivo na Casa, Côrtes deve ser visto com frequência no comando dos trabalhos da Mesa Diretora, especialmente durante a votação de projetos caros à oposição. Ainda na entrevista ao Valor, ele também criticou a articulação política do Palácio do Planalto, mas ponderou que é preciso “esperar” para avaliar o trabalho que será feito pela deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) à frente da Secretaria de Relações Institucionais (SRI).
Sobre a agenda de votações na Câmara, o novo vice-presidente da Casa acredita que o acordo recente com o Supremo Tribunal Federal (STF) para destravar as emendas parlamentares pode ajudar na fluência dos trabalhos. Pondera, contudo, que os problemas na articulação podem dificultar a análise de projetos prioritários para o governo, sobretudo a ampliação da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil.
A tendência é de que haja forte resistência ao texto, especialmente se as compensações para o custo tributário da medida vierem de aumento de impostos. “Ano que vem é o último ano do governo. Ele [Lula] prometeu isso para se eleger e não cumpriu a promessa até agora. E para cumprir essa promessa, ele vai querer penalizar outros brasileiros?”, questionou o deputado, ao prever as dificuldades que o projeto enfrentará no Congresso.
A expectativa é que o texto seja encaminhado nos próximos dias. Nos bastidores, lideranças do Centrão também veem dificuldades de tramitação para a matéria, mas admitem que, com o restabelecimento do pagamento das emendas parlamentares e a conclusão da reforma ministerial – que pode contemplar nomes de partidos do bloco -, o ambiente político pode melhorar, o que abriria caminho para a aprovação da proposta.
Anistia
Ao defender o avanço da anistia aos golpistas, Côrtes argumenta que a aceitação à medida vem crescendo entre os deputados, mesmo após as declarações contundentes do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), de que a pauta não tem chances de avançar no Congresso. Para ele, contudo, o novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não vai “tremer a mão” na hora de pautar o controverso tema, se necessário.
“Eu acho que o clima para aprovar a anistia está bom. E está cada dia melhor. Está sendo construído isso na Câmara. Eu acho que o presidente Hugo tem essa característica. Ele não vai tremer a mão no momento em que se tiver uma maioria de líderes querendo pautar a anistia”, disse. Côrtes acredita que os índices inéditos de reprovação a Lula podem ser um “combustível” para fazer o tema avançar.
“Aqueles que não apoiam a anistia, mas que estão reclamando do custo de vida no Brasil, que estão insatisfeitos com o governo, eles acabam, na minha opinião, caminhando para pautas que talvez aquelas pessoas não apoiassem se estivessem felizes com o governo”, justificou Côrtes. “Então, eu acho que essa insatisfação com o governo também empurra, é um combustível a mais”, completou.
A avaliação de Côrtes em relação ao avanço da pauta, porém, esbarra no perfil conciliador de Motta, que já indicou a interlocutores que proposições polêmicas só avançarão caso tenham amplo apoio entre os líderes. O paraibano não pretende patrocinar, nem engavetar matérias que dividam a Casa, e deixará a mobilização por votos para medidas desse tipo sob responsabilidade daqueles que se interessam pela sua aprovação.
Motta também tem compartilhado o diagnóstico de que reveses recentes da oposição, como a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, colaboram para uma indisposição de partidos de centro em embarcar no apoio à anistia. Além disso, tem dito que quer trabalhar em sintonia com Alcolumbre, o que é visto como um obstáculo para que a matéria avance.
Segundo Côrtes, há muita insatisfação com Lula na própria base aliada, e os movimentos feitos até agora, como a troca no Ministério da Saúde, não são promissores. Para ele, a Câmara pede na articulação um deputado com “crédito” e “trânsito” no Centrão, ao custo de situação ficar “ainda pior”. Questionado sobre Gleisi para a função, ele disse que prefere “esperar”.
“Somente no decorrer do início dos trabalhos é que vamos ver o resultado dessa escolha do presidente. O ambiente realmente é muito desfavorável”, afirmou Côrtes, que também é crítico do titular da Fazenda, Fernando Haddad.
‘Vida normal’ após acordo por emendas
Em relação à nova Mesa Diretora, Côrtes entende que o acordo em torno das emendas permitirá a “vida normal” na Casa, com a definição das comissões após o carnaval e o início dos trabalhos. Apesar do cargo, ele demonstra simpatia pelo pleito do seu partido para desfazer um acordo feito durante a gestão de Arthur Lira (PP-AL) e rever o esquema de distribuição do comando dos colegiados.
O perfil conciliador do novo presidente da Casa, segundo ele, também deve ajudar a atenuar o clima tenso com o STF, visto durante a presidência de Lira. Cobrou, no entanto, uma postura menos intervencionista do Judiciário em assuntos do Congresso. “Eu acho que o presidente Hugo Motta pode construir, no diálogo com o STF, muitos avanços a respeito da legislação atual e do modus operandi que a gente vê acontecer”, disse.
“Por exemplo, um partido com um deputado ou com dois deputados entra com uma ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] depois de uma votação aprovada por imensa maioria na Câmara e no Senado. Isso é justo? Isso é respeitar o Poder Legislativo? Mas essa é a lei atual. Então, acho que para a gente mudar isso, nós poderíamos aqui, regimentalmente, apresentar um projeto, colocar em votação e mudar isso”, propôs.
O deputado também defende uma mudança sugerida por Motta, que abre a possibilidade de destituição de presidentes de comissão pelos líderes partidários, em caso de desacordo. “Eu, sinceramente, não acho excesso de poder. Porque o presidente da comissão é indicado pelo partido. Então, se ele não estiver representando o partido, ele pode ser trocado”, disse o deputado.
Ele discorda, no entanto, de uma eventual mudança nas regras da Lei da Ficha Limpa, especialmente no período de inelegibilidade previsto. Motta chegou a defender uma redução da pena para dois anos, contra os oito atualmente vigentes. “Sinceramente, não acredito que essa mudança pode acontecer agora. Por quê? Porque eu acho que, politicamente, essa pauta é uma pauta que terá dificuldade para avançar aqui”, afirmou.
A mudança beneficiaria diretamente Bolsonaro, que está inelegível. Questionado se não seria oportuno a oposição definir outro nome para a disputa ao Planalto em 2026, Côrtes fez juras de lealdade ao ex-presidente. “O nosso líder é o presidente, o líder da oposição. Eu acredito nas instituições e no devido processo legal. Acredito, diante de tudo que já saiu na imprensa e foi noticiado, que o presidente Bolsonaro pode reverter essa situação da sua inelegibilidade”, completou.