Demorou, mas o governo parece ter, finalmente, despertado para uma realidade que há meses vem impactando a popularidade do presidente Lula da Silva (PT), mas que não estava no radar da coordenação política: a alta dos preços dos alimentos.
O alarme tocou e, com isso, o presidente abordou o tema na segunda-feira (20), na fala de abertura da reunião ministerial, conforme Andrea Jubé, do Valor: “… e agora a gente vai trabalhar reconstrução, união e comida barata na mesa do trabalhador, porque os alimentos estão caros”, afirmou. “É uma tarefa nossa garantir que o alimento chegue na mesa do povo brasileiro, em condições compatíveis com o salário que ele ganha”, reforçou.
A escalada do preço da comida remonta a meados do ano passado, mas passava ao largo dos discursos presidenciais. Até então, Lula e ministros como Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil) exaltavam, frequentemente, os dados positivos macroeconômicos, como a expansão do PIB e a queda recorde do desemprego. Números, entretanto, que pareciam não alterar o humor dos brasileiros conforme as mais recentes pesquisas de opinião.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, foi um dos auxiliares a quem coube alertar o presidente de que a população queria saber menos de índices, e mais de carrinhos de supermercado cheios.
Há dez dias, o IBGE revelou que a alta geral dos preços relativa a 2024 foi de 4,83%. Esse índice, contudo, não refletiu a realidade do cotidiano dos consumidores. Isso porque, de acordo com o mesmo instituto, o custo da alimentação no domicílio fechou o acumulado do ano com inflação de 8,23% – ou seja, quase o dobro do IPCA geral.
Em bom português, o que se viu foi que a alta dos preços foi parar na mesa dos brasileiros. Por exemplo, o sagrado cafezinho que ajuda todo trabalhador a começar o dia teve aumento de 39,6% no ano passado, enquanto o leite longa vida subiu 18,8%, e a manteiga, 6,13%.
A mesa também ficou menos farta na hora do almoço: os preços do arroz subiram 8,24%, e os da carne, em média, 20,8%. Para agravar a situação do governo, uma curiosidade é que as maiores altas atingiram, justamente, as carnes de segunda, mais consumidas pelas classes de baixa renda: o preço do acém subiu 25,2%, e o do patinho, 24,1%.
Em contrapartida, o preço da picanha, um corte nobre, subiu menos em relação às outras carnes, teve aumento de 8,74%. Na campanha, Lula prometeu que a população voltaria a fazer churrasco aos fins de semana, com picanha e cerveja. A alta dessa bebida foi de 4,5%. Alguns alimentos essenciais, todavia, tiveram queda de preços, como feijão (- 8,5%), ovo (- 4,5%), tomate (-25,8%) e cebola (-35,3%).
Auxiliares de Lula atribuem a escalada dos preços dos alimentos a uma combinação de fatores, como o dólar alto e as mudanças climáticas. O câmbio favorável impulsionou as exportações, que levaram 40% da carne nacional para o exterior, reduzindo a oferta no mercado doméstico.
Em relação ao clima, no ano passado, o Brasil enfrentou a pior seca já registrada desde o início da atual série histórica, em 1950, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Em outra ponta, o país vivenciou enchentes de proporções históricas no Rio Grande do Sul, que alagaram bairros inteiros de Porto Alegre e da região metropolitana.
O governo, porém, tem um campo de ação limitado. Uma liderança do PT lamentou, por exemplo, que não se pode tabelar os preços dos alimentos, tampouco estipular uma cota para a exportação de carne.
Uma medida para controlar os preços, adotada em governos anteriores do PT, foram os estoques reguladores feitos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Mas fontes do governo atribuem a inação da Conab no Lula 3 à equipe econômica, que não teria destinado orçamento para essa medida. Resta saber, portanto, como agirá o governo para reverter ou amenizar essa crise.