De olho na transição energética, a indústria nuclear brasileira quer aproveitar parte da infraestrutura existente nas usinas a carvão no Sul do Brasil para gerar energia com menos emissões de carbono a partir de pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês), registra Gabriela Ruddy, do Epbr.
Em setembro de 2023, a Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan) organizou uma visita ao complexo termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, um dos potenciais parceiros para o projeto. O encontro contou com a participação de representantes da Andrade & Gutierrez, OEC Engenharia, Grupo MPE Engenharia, Tractebel Engie, EDF Brasil, Holtec, Westinghouse, Atech e Rosatom.
Segundo o presidente da Abdan, Celso Cunha, o objetivo é aproveitar as instalações para gerar uma energia considerada mais limpa.
Ele afirma que as SMRs são menores e mais seguras do que as usinas nucleares de grande porte, e que é possível desenvolver o projeto em parceria com empresas internacionais, que já têm experiência nesse tipo de empreendimento no exterior.
Hoje, existem 102 projetos de instalação de SMRs no mundo e outros 97 em fase de licenciamento, mas nenhum está no Brasil. Apenas China e Rússia operam SMRs, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
No caso da substituição de usinas termelétricas a carvão por pequenos reatores nucleares, a Polônia tem um projeto para construir 24 SMRs, além de duas grandes centrais, como estratégia de transição.
Cunha destaca que as usinas nucleares de menor porte podem ajudar a evitar crises econômicas em regiões que dependem de térmicas a combustíveis fósseis. É o caso da região Sul do Brasil, onde estão concentradas as reservas e as usinas a carvão.
Em janeiro de 2022, Santa Catarina aprovou seu plano de transição energética justa com diversas ações voltadas à redução de emissões na cadeia produtiva do carvão.
No Rio Grande do Sul, o governo estadual está contratando uma consultoria para subsidiar a transição das comunidades que dependem da atividade carbonífera, partindo do princípio que a demanda por combustíveis fósseis vai cair.
“É muito melhor essa substituição [por SMRs] do que perder todo o empreendimento e deixar de gerar energia. Com o tempo, é possível treinar a mão de obra existente para trabalhar na nova térmica e minimizar o desemprego”, defende Cunha. Ele observa que o Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo, o que pode ajudar a viabilizar projetos do tipo.
Transição com gás natural e CCUS
Dona do complexo termelétrico Jorge Lacerda (740 MW), a Diamante Energia não se posicionou sobre a adoção das SMRs até o fechamento desta reportagem.
Em abril de 2023, a empresa anunciou a criação de uma joint venture com o grupo Nebras Power, subsidiária da Qatar Electricity & Water Company (QWEC), para investir R$ 5 bilhões em dois projetos de termelétricas a gás, em Santa Catarina. Em paralelo, a companhia investe em projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em captura de carbono.
Com o fim das operações do ativo programado para a década de 2040, o grupo está apostando na captura, armazenagem e uso de carbono (CCUS) e no gás natural como vetores de sua transição. Outros projetos incluem a indústria de fertilizantes nitrogenados — também inserida na cadeia de valor do gás.
O CCUS é defendido por representantes da indústria do carvão como a melhor alternativa para descarbonizar os complexos termelétricos, junto com a substituição das máquinas atuais por novas, mais eficientes.
O mercado de CCUS ainda está em regulamentação no país, mas Santa Catarina já tem um projeto piloto de captura de CO2 e desenvolvimento de materiais sintéticos a partir de cinzas de carvão.
O projeto é desenvolvido pela Associação Beneficente da Indústria de Carvão de Santa Catarina (SATC), com apoio da Eneva, empresa de energia e gás natural que também atua com o combustível em usinas termelétricas.