Depois de negócio frustrado com a americana Boeing, fabricante Embraer engorda carteira de vendas e embala setor. No Brasil, empresas disputam mão de obra. No hangar da fabricante Embraer, que só abre suas portas para fazer entregas, três jatos E195-E2 estão prontos para voar. Só um dos aviões vai transportar passageiros no Brasil, os demais seguirão para o Canadá e Espanha.
O clima na fábrica de São José dos Campos, interior de São Paulo, é bom: até o fim de 2024, serão entregues 80 jatos comerciais naquele mesmo espaço. A carteira de pedidos tem engordado, e a previsão é de contratação de novos 900 funcionários.
O cenário é bem diferente daquele visto em 2020, quando a empresa brasileira disse ter sido pega de surpresa com a desistência de compra pela Boeing. A fusão, anunciada em 2018, um negócio de 5,2 bilhões de dólares (R$ 26,9 bilhões), criaria a joint venture Boeing-Brasil Commercial, com 80% de controle para os americanos e 20% para os brasileiros.
“O cenário mudou depois da pandemia. O mundo mudou, o mercado mudou. Com aquele evento, nós criamos um plano estratégico para o futuro e estamos executando isso de forma brilhante”, afirma à DW Francisco Gomes Neto, CEO da Embraer.
Segundo ele, foi a melhora na eficiência e o aumento nas vendas que fizeram “a Embraer andar muito bem com as próprias pernas” após o rompimento brusco – que custou milhões aos cofres da empresa.
Na sexta-feira (26), momentos antes, Gomes Neto havia batizado com espumante o jato com capacidade para 136 passageiros entregue à companhia aérea Azul, criada no Brasil em 2008. Outros 13 aviões do mesmo modelo farão parte da frota.
Luiz Inácio Lula da Silva participou da cerimônia. Ao lado de diversos ministros, como Silvio Costa Filho, de Portos e Aeroportos, o presidente disse que vai investir em infraestrutura aeroportuária na Amazônia e em outras regiões para incentivar o turismo regional.
“Esse país só vai melhorar quando as pessoas mais humildes puderem andar de avião”, disse Lula, instigando as demais companhias aéreas nacionais a comprarem aviões da fabricante.
Reação em cadeia
Fundada em 1969 pelo governo militar, a Embraer é atualmente a terceira maior produtora de aviões comerciais do mundo. Líder no segmento de jatos executivos, ela é a principal fabricante de aeronaves de até 150 assentos. Com mais de 40 modelos desenvolvidos, incluindo cargueiros militares, a empresa trabalha atualmente no chamado “carro voador”, ou eVTOL, uma aeronave elétrica de decolagem e pouso vertical.
“O bom desempenho da Embraer tem aquecido a indústria nacional de componentes. As empresas têm contratado mais. Não dá para dizer que o setor se recuperou por completo, mas tem melhorado nos últimos dois anos”, avalia Rodrigo Garbelotto, vice-diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) em São José dos Campos.
De acordo com Garbelotto, desde 2023, os fornecedores de peças para aviões executivos da fabricante brasileira dobraram o número de funcionários. Neste ano, há alta demanda por componentes do modelo E1-175.
A cadeia de fornecedores dessa indústria é, historicamente, bastante focada na Embraer. Muitas fábricas operam numa relação de dependência: chegam a receber a matéria-prima da própria empresa para retornar o produto industrializado.
“Como fazem essas atividades integradas com a Embraer, elas têm dificuldade em buscar outros clientes para reduzir a dependência. São fornecedores com grande capacidade técnica, mas limitante. É bom e ruim, pois toda vez que a Embraer tem dificuldade, estas empresas ficam muito expostas”, explica André Camargo, consultor de empresas do mercado aeronáutico.
Retomada do setor é mais rápida na América Latina, mas dólar alto é risco
Depois dos anos de aviões em terra por conta da pandemia, as companhias aéreas dão sinais de recuperação. Dados da International Air Transport Association (IATA) apontam que a retomada na América Latina, em termos percentuais, tem sido mais rápida que no restante do mundo.
Em 2023, o Brasil bateu a marca de 112,6 milhões de passageiros em voos, um crescimento de 10,5% em relação ao ano anterior. O número significa quase um retorno ao patamar de antes da emergência sanitária, com cerca de 119 milhões de passageiros domésticos e internacionais em 2018, maior marca da série, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
“As perspectivas são positivas. O programa nacional que busca reduzir o valor das passagens e a ociosidade das empresas também deve surtir efeito”, avalia Vérica Marconi Freitas de Paula, professora da Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Mas há motivos para preocupação, adiciona a pesquisadora. O combustível, que representa 40% do custo nas contas das aéreas, e o endividamento das empresas, agravado durante a pandemia, são alguns exemplos.
“O dólar alto favorece a venda de aviões feitos aqui, que são principalmente para exportação. Mas no mercado de operação é o contrário: a alta do dólar, principalmente nos combustíveis, impacta negativamente”, afirma Rodrigo Garbelotto, da Ciesp.
Com dívidas renegociadas no ano passado, a Azul recebe as novas encomendas da Embraer e diz ter investido R$ 3 bilhões em novos jatos. A Gol enfrenta um processo de recuperação judicial para sanar suas dívidas, que ultrapassaram a marca de R$ 20 bilhões.
Briga por cérebros
Desde que desistiu da compra da Embraer sob a alegação de que a brasileira não estava cumprindo sua parte no acordo, a Boeing, segunda maior no mercado, tem enfrentado outros tipos de problemas. Em janeiro, um incidente com o modelo 737 Max 9 nos Estados Unidos levou as autoridades a iniciarem uma investigação sobre a qualidade da aeronave e deflagrou uma crise na companhia.
Para diversas fontes ouvidas pela DW, foi bom a compra da Embraer não ter se efetivado. “A Boeing provavelmente transformaria a empresa brasileira numa fábrica pura. Todo o conhecimento, estratégia, tecnologia não ficariam aqui, mas seriam coordenados dos grandes centros que a Boeing já têm”, opina o consultor Camargo.
Funcionários da fabricante brasileira dizem que a concorrente parece empenhada em capturar sua mão de obra. A americana se instalou no berço do setor aeroespacial brasileiro, em São José dos Campos, e tem contratado engenheiros e outros trabalhadores qualificados que atuam na Embraer.
“Não é honesto vir roubar os nossos engenheiros se eles não gastaram um real para formá-los”, ironizou Lula durante a visita à Embraer.
Segundo o sindicato da categoria, a fabricante emprega mais de 3 mil engenheiros – o que seria a maior quantidade desses profissionais por metro quadrado do Brasil. Ao todo, a empresa tem 18 mil colaboradores.