O indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) pela participação em um plano de golpe de Estado deve esvaziar as chances dele se manter no páreo para a disputa pelo Palácio do Planalto em 2026. Embora o ex-presidente, que está inelegível, declare ser o único candidato da direita, caciques partidários afirmam que a conclusão do inquérito da Polícia Federal (PF) reforça a necessidade de se encontrar um nome alternativo para esse campo tentar voltar ao poder.
A avaliação de líderes políticos é que a figura de Bolsonaro, a exemplo do seu entorno, está “contaminada” e que o custo de apoiar a anistia do ex-presidente ficou muito alto.
Dirigentes de partidos do centro afirmam que o indiciamento de Bolsonaro fortalece nomes como os dos governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); de Goiás, Ronaldo Caiado (União); de Minas, Romeu Zema (Novo); e do Paraná Ratinho Júnior (PSD).
Considerado o herdeiro político de Bolsonaro, Tarcísio afirmou ontem não haver provas contra o ex-presidente. “Há uma narrativa disseminada contra o presidente Jair Bolsonaro e que carece de provas. É preciso ser muito responsável sobre acusações graves como essa. O presidente respeitou o resultado da eleição e a posse aconteceu em plena normalidade e respeito à democracia. Que a investigação em andamento seja realizada de modo a trazer à tona a verdade dos fatos”, postou ele.
Único da lista a admitir publicamente a intenção de disputar o Palácio do Planalto em 2026, Caiado é cauteloso ao analisar a situação do ex-presidente. O governador rompeu com Bolsonaro durante as eleições municipais deste ano, quando estiveram em lados opostos na disputa pela capital goiana.
— Vejo com muita preocupação (o indiciamento pela PF) e aguardo o final do julgamento. Muito cedo para fazer este diagnóstico (sobre 2026) — afirmou Caiado ao jornal O Globo.
Principal nome a desafiar a liderança de Bolsonaro na direita nas eleições municipais, o ex-coach Pablo Marçal (PRTB), que concorreu à prefeitura de São Paulo, acredita que o indiciamento pode ter um efeito reverso e até aumentar o potencial eleitoral do ex-presidente:
— Uma eleição justa deve ter o Bolsonaro na disputa. Acredito que toda essa perseguição só vai aumentar a chance do Bolsonaro. O povo não gosta disso.
Mesmo inelegível após duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro e aliados têm afirmado que conseguirão reverter a situação. A principal aposta é a aprovação no Congresso de um projeto que prevê a anistia para os condenados pelo 8 de Janeiro. O projeto teve sua tramitação atrasada após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enviá-lo a uma comissão especial. A possibilidade de o texto ser votado, porém, perdeu força após um homem lançar bombas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada. Na ocasião, ministros da Corte e parlamentares criticaram a possibilidade de autores de atos antidemocráticos ficarem impunes. Além disso, integrantes do STF consideram que a proposta é inconstitucional.
Novo cálculo
O indiciamento não muda a situação de inelegibilidade para Bolsonaro, mas pode resultar, em caso de condenação, em um período maior sem poder se candidatar. Hoje, ele está impossibilitado de disputar cargos públicos até 2030.
De acordo com especialistas, Bolsonaro estaria inelegível a partir do momento do julgamento, em caso de condenação. Mas o prazo de oito anos estabelecido pela Lei da Ficha Limpa começará a contar somente após o cumprimento da pena. Assim, num hipotético cenário de o ex-presidente ter a pena fixada em dez anos, por exemplo, ele ficaria impedido de se candidatar por um total de 18 anos.
— No momento em que a sentença transitar em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recurso, a pessoa terá os direitos políticos suspensos. Aí, não poderá votar nem ser filiada a partidos políticos durante todo o período de cumprimento da pena. Quando esse prazo terminar, começa a contar o prazo de oito anos da Ficha Limpa — explica o professor Fernando Neisser, da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).
Há no Congresso, porém, discussões para que se altere o cálculo do período de impedimento imposto pela Lei da Ficha Limpa. Uma proposta em debate no Senado tenta limitar a 12 anos o período de suspensão do direito de alguém se candidatar, por exemplo.
Para a antropóloga Isabela Kalil, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e uma das coordenadoras do Observatório da Extrema Direita, deve haver uma mudança a partir de agora em relação ao prestígio político de Bolsonaro.
— Mesmo depois da inelegibilidade, Bolsonaro continuou como cabo eleitoral, com relativo prestígio. Agora, independentemente de qual vai ser a decisão da Procuradoria Geral da República, vai haver um ponto de inflexão, de conseguir separar de fato quais são os atores que a gente pode identificar como sendo de extrema direita que vão defender organização criminosa, golpismo, assassinato — afirmou Kalil.
O cientista político e professor do Insper Leandro Consentino avalia que a direita deve se dividir em duas alas:
— Uma mais moderada, sob o comando de algumas figuras como os governadores Tarcísio, Caiado, Ratinho Júnior e Zema, e uma outra mais radical, com figuras que podem ser desde os filhos (de Bolsonaro) até mais histriônicas, como o Pablo Marçal.
De Valdemar a Ramagem
Na lista de indiciados está o presidente do PL, partido de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto. O ex-deputado passou a ser alvo da PF após o PL entrar com uma ação no TSE na qual pedia anulação de parte dos votos das eleições de 2022. A investigação aponta que o PL foi usado “para financiar a estrutura de apoio às narrativas que alegavam supostas fraudes às urnas eletrônicas, de modo a legitimar as manifestações que ocorriam em frentes as instalações militares”.
Além de Bolsonaro, outros nomes do PL com aspirações eleitorais foram indiciados pela PF. O general Walter Braga Netto, que foi vice na chapa presidencial de 2022, e o deputado Alexandre Ramagem (RJ), candidato derrotado na disputa pela prefeitura do Rio, estão na lista.
O indiciamento não muda a situação de Braga Netto, que também está inelegível por causa da condenação no TSE. Já para Ramagem, uma possível condenação poderá comprometer seus planos políticos de se reeleger para a Câmara em 2026.