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quarta-feira 26 de dezembro de 2018 às 18:16h

Impedido de deixar a prisão, Lula manda carta para se despedir de amigo

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Sem autorização da Justiça para ir ao enterro de seu amigo, o advogado e ex-deputado federal Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, 74, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mandou uma carta para ser lida no velório, nesta quarta-feira (26).

Sigmaringa morreu nesta última terça-feira (25). Ele estava internado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e chegou a fazer transplante de medula há alguns dias, mas não resistiu ao procedimento e teve uma parada cardíaca. Deixou a viúva, Marina, e os filhos Guilherme e Luíza.

“Nosso Sig teve a delicadeza de nos deixar no dia do Natal, uma data em que a sensibilidade das pessoas está voltada para o amor e para o bem, que foram a marca de sua passagem pela Terra”, diz Lula na carta endereçada à viúva do amigo. O texto foi lido pelo deputado distrital Chico Vigilante (PT).

“Não consigo me recordar agora de alguém que tenha vivido por estas causas sem perder a ternura, sem abrir mão da alegria de viver, sem faltar com a generosidade e o carinho que o Sig sempre dedicou aos amigos e à humanidade em que sempre acreditou. E foi por este amor à vida e à humanidade que ele lutou até as últimas forças”, afirma Lula no texto.

Na carta, Lula lembra o trabalho de Sigmaringa durante a ditadura militar.

“Poucos hoje são capazes de avaliar os riscos que ele correu, junto com um punhado de colegas, para levantar os documentos oficiais da Justiça Militar que comprovaram a prática de torturas no Brasil. Foram cinco anos de trabalho quase clandestino que resultaram no livro ‘Tortura: Nunca Mais’, com provas irrefutáveis contra 444 torturadores. Este livro mudou a historiografia do Brasil”, diz o ex-presidente.

Lula tentou sair a prisão para ir ao sepultamento de seu amigo, mas teve o pedido negado pela Justiça Federal do Paraná. Mandou uma coroa de flores.

No pedido, advogado Manoel Caetano Ferreira Filho diz que o ex-presidente era “amigo íntimo de Sigmaringa há mais de 30 anos”.

“Tive a honra de tê-lo como advogado, mas tive, principalmente, o privilégio de ter o Sig como amigo leal e generoso, convivendo familiarmente com você, Marina, e com nossa querida Marisa. Estes momentos são as melhores lembranças que levarei dele”, escreve Lula.

Sigmaringa foi convidado por Lula em mais de uma ocasião para assumir uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), mas nunca quis virar ministro. Dizia preferir advogar.

“O convidei duas vezes para a nossa Suprema Corte e ele recusou, com o argumento de que não se sentia preparado para a função, praticando um desprendimento raro, mas não surpreendente vindo dele”, diz o petista.

“Ele dizia não estar à altura, mas estava. [A morte dele] é uma perda para os que o conheceram. Era um resistente, democrático e republicano”, disse o ministro Marco Aurélio Mello, do STF.

Filiado ao PT, Sigmaringa era tido como conciliador. Há muito não frequentava as reuniões do partido, mas visitava o Instituto Lula e as celebrações em família do ex-presidente.

“Sig era uma pessoa que eu tradicionalmente consultava, inclusive em todos os atos do Ministério da Justiça. Sempre esteve como um grande companheiro que nos aconselhava”, disse o ex-ministro da Justiça do governo Dilma, José Eduardo Cardozo.

“Era um militante político, lutador pela democracia, pelos direitos humanos, pelos trabalhadores, mas antes de mais nada, um amigo extremamente disponível e carinhoso sempre. todos que conviveram com ele são testemunha disso”, disse Ricardo Berzoini, ex-ministro nos governos Lula e Dilma Rousseff.

“Neste momento, não tem esquerda, direita, PT. Não tem nada disso. Estamos perdendo um homem público da mais alta relevância”, afirmou o governador eleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

Luiz Carlos Sigmaringa Seixas nasceu em Niterói (RJ) no dia 7 de novembro de 1944.

Na década de 1970, foi advogado de presos políticos detidos pela ditadura militar (1964-1985).

“O Luiz Carlos se formou na época das convulsões de 1968. Em Brasília, o Luiz, já como advogado, começou a militância ao lado dos sindicatos”, lembra o jornalista Jarbas Silva Marques, preso duas vezes pela ditadura militar.

“O ex-deputado Sigmaringa Seixas teve um papel extremamente relevante na redemocratização do Brasil e, depois da Constituição de 1988, sempre defendeu os melhores princípios e os melhores ideais”, disse o presidente do STF, Dias Toffoli, amigo de pelada e escolhido ministro após Sigmaringa recusar convite do ex-presidente Lula.

“Era um exemplo na profissão, porque sempre desprendido, na busca da justiça. Em momentos difíceis da vida nacional, ele teve uma presença muito marcante pelo amor à democracia e à liberdade”, afirmou o ministro da Justiça, Torquato Jardim.

Para Roberto Gurgel, procurador-geral da República de 2009 a 2013, Sigmaringa foi fundamental para a estruturação do Ministério Público.

“Como constituinte, foi um dos grandes apoiadores das modificações que a Constituição de 1988 introduziu e que fez renascer, ou melhor nascer, a instituição que temos hoje, dotada de autonomia e independência”, afirmou.

“Ele era uma figura muito especial, um otimista, um amigo de todas as horas”, afirmou o presidente do Instituto, Lula Paulo Okamotto.

Ele criticou a decisão contrária ao pedido de Lula para ir ao velório. “É uma interpretação [da Justiça]. Assim como às vezes interpreta ajudando, pode ser prejudicando. E o Lula infelizmente tem tido péssimas interpretações.”

A proibição também foi criticada por outros membros da cúpula do PT.

“Há uma perseguição ao presidente Lula. Não vejo risco nenhum [em liberá-lo para ir ao enterro]. Existem coisas demasiadas em relação ao presidente Lula”, disse a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), que também lamentou a morte de Sigmaringa Seixas.

“Vai ser muito ruim sem ele, principalmente no momento em que estamos adentrando, no qual precisamos de tantos combatentes pela democracia e pelo direito dos trabalhadores”, afirmou a petista.

Ex-governador da Bahia e senador eleito pelo PT, Jaques Wagner disse que Sigmaringa sempre foi um conselheiro dos governos petistas e também reclamou da ausência de Lula.

“Estão beirando já o sadismo as decisões em relação ao ex-presidente”, afirmou Wagner, para quem a Justiça tem agido com o fígado.

“Ideologizou demais, politizou demais”, afirmou.

TRAJETÓRIA

Parlamentar por três mandatos, começou sua carreira política no MDB elegendo-se deputado federal em 1986 pelo Distrito Federal. Participou da Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, ano em que migrou para o PSDB, partido que ajudou a fundar e pelo qual também foi eleito deputado.

Foi reeleito em 1990 e votou favoravelmente ao impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992.

Derrotado nas eleições de 1994, em que tentava uma vaga no Senado, filiou-se ao PT. Em 2002, foi reeleito deputado.

Seixas sempre teve uma postura crítica em relação ao PT e, por isso, era visto com desconfiança por uma ala do partido.

Antes do impeachment de Dilma Rousseff, ele tentou intermediar, em 2015, um encontro entre Lula e Fernando Henrique Cardoso. Teve o aval de dois para a abertura do diálogo, mas a articulação foi abortada quando a operação veio à tona -e FHC chegou a ser chamado de gagá nas redes sociais.

O advogado era próximo de Lula, a ponto de frequentar sua casa em momentos cruciais da vida do ex-presidente. Mas sempre foi discreto. Uma conversa entre os dois acabou caindo em um grampo da Polícia Federal.

Na gravação, o ex-presidente pedia a Seixas que conversasse com o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot sobre as investigações contra ele e dissesse que desejava doar todos os bens e itens que ganhou ao Ministério Público.

“Como ele aceitou um pedido de um cara lá de Manaus pra investigar as coisas que eu ganhei, pergunta pra ele se no Ministério Público tiver um lugar eu mando tudo pra lá. Pra eles tomarem conta, porque eu não tenho nenhum interesse de ficar com isso”, afirmou o ex-presidente. Lula também se queixa das investigações sobre os pagamentos de empreiteiras para sua manutenção.

Sig, como era seu apelido, foi responsável pela indicação ao STF de Teori Zavascki, de quem era amigo. A escolha renderia a ele críticas de petistas quando, ao se tornar relator da Operação Lava Jato no Supremo, Teori incluiu Lula em inquéritos e decidiu anular as gravações que o juiz Sergio Moro divulgara com conversas entre o ex-presidente e Dilma.

Era tido como poderoso e chegou ter influência também no governo Dilma.

Uma de suas últimas tarefas foi conter a crise entre Sepúlveda Pertence e os demais advogados de Lula, evitando a saída abrupta do ex-ministro do STF da defesa do petista na Lava Jato.

“O pior da velhice não é a expectativa da morte, mas a perda dos amigos que se vão quando estamos atravessando esta fase da vida”, disse Pertence.

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