Governar um país é umas das tarefas mais desgastantes para um ser humano. Se esse país for os EUA, principal potência global, o desgaste é muito maior. Por isso, virou tema de intenso debate nos EUA a idade avançada de seus principais líderes políticos. Nas últimas semanas, alguns incidentes reforçaram essa preocupação.
O presidente democrata, Joe Biden, de 80 anos, é a pessoa mais velha a governar os EUA. Ele indicou que quer se candidatar à reeleição no próximo ano. Seu adversário deverá ser o ex-presidente republicano Donald Trump, que tem 77 anos. O político mais graduado no Congresso americano é o líder da minoria republicana no Senado, Mitch McConnell, de 81 anos. O líder democrata no Senado é Chuck Schumer, de 72 anos. Apesar de não ser mais a líder democrata na Câmara, Nancy Pelosi, de 82 anos, ainda é a deputada mais influente do partido.
McConnell chamou a atenção, no final de julho, por um lapso repentino no meio de um pronunciamento. Após 30 segundos calado, ele é retirado do palanque.
Já Biden vem seguidamente protagonizando episódios de dificuldade de fala. Ele se atrapalha, repete palavras ou diz coisas sem muita coerência. Esses possíveis sinais de dificuldades ligadas ao envelhecimento são um dos temas principais deste início de campanha eleitoral nos EUA. Vídeos ridicularizando Biden circulam amplamente pelas redes sociais.
Trump é muito polêmico, agressivo, mas não vem demonstrando essas dificuldades que podem ou parecem estar ligadas à idade. Ainda assim, é alvo de comentários até do seu partido. Chris Sununu, governador republicano do Estado de New Hampshire, sugeriu que Trump está ultrapassado. “Ele não é o Trump de 2016, não se enganem” disse ao programa à TV ABC no domingo. “Ele não tem a energia, não tem a força [que tinha].
”Pode haver algo de preconceito com a idade, o chamado etarismo, nessas críticas e sátiras. Afinal, é difícil aferir o real estado de saúde e a capacidade cognitiva de uma pessoa apenas por umas poucas gafes ou mal-estar em aparições públicas. Com melhoras nos cuidados com a saúde e na alimentação, as pessoas estão hoje vivendo mais e de modo mais saudável. Além disso, idade costuma ser associada a experiência e sabedoria.
Há vários exemplos na história de líderes que governaram com grande disposição até uma idade mais avançada. O premiê britânico Winston Churchill tinha 70 anos quando liderou o Reino Unido à vitória na Segunda Guerra Mundial, em 1945. Nelson Mandela, considerado um paradigma de estadista, deixou a Presidência da África do Sul com 80 anos.
Na campanha presidencial de 1984 nos EUA, o então presidente republicano Ronald Reagan, candidato à reeleição, foi questionado se, aos 73 anos, não era velho demais para ser presidente. Ele respondeu com umas das frases mais célebres da história política americana: “Não vou tornar a idade uma questão nesta campanha. Não vou explorar, com finalidades políticas, a juventude e a inexperiência do meu adversário.”
Reagan massacrou o democrata Walter Mondale nas eleições daquele ano e foi reeleito. Mas ele deixou o cargo com 77 anos. Se Biden for reeleito, assumirá o segundo mandato com 82 anos. Se Trump vencer, iniciará o mandato com 78 anos.
Mas e se alguns dos principais líderes políticos americanos realmente não tiverem mais a disposição física e/ou intelectual que o cargo exige? Isso se tornaria um problema para os EUA, mas também uma questão global. Adversários podem tentar explorar essa fraqueza, o que criaria o risco de instabilidade política e militar pelo mundo. A China com certeza está acompanhando atentamente o estado de saúde de Biden. Será que um líder americano debilitado reagiria a uma eventual incursão chinesa contra Taiwan? Gostando-se ou não, o mundo precisa da liderança dos EUA.
A China defende que seu modelo de governo (de partido único, sem eleições diretas) é superior ao do Ocidente. Isso porque seus governantes são alçados aos principais cargos nem muito jovens, que não tenham experiência, nem muito velhos, que não tenham mais o dinamismo para liderar. Ou seja, a elite governante chinesa estaria na sua idade mais produtiva. Esse conceito perdurou por décadas, mas será testado agora, já que Xi Jinping (que acabou de fazer 70 anos e deveria ter se aposentado) mudou a regra e poderá ficar no poder o quanto quiser.
Em 2013, Bento 16 tornou-se o primeiro papa a renunciar ao cargo em 600 anos. À época ele tinha 85 anos e alegou que não estava mais apto para liderar a Igreja Católica. Posteriormente, ficou claro que Bento 16 perdera o controle da cúria romana, o que favoreceu casos de corrupção e escândalos internos. Bento 16 expôs dolorosamente, mas com coragem, a sua incapacidade de governar. Não por perdas cognitivas importantes, já que continuou lúcido e escrevendo por anos a fio. Mas porque o fardo de governar havia se tornado muito pesado para ele.
A pré-candidata presidencial republicana Nikki Haley, de 51 anos, sugeriu que McConnell deveria deixar o cargo de líder republicano no Senado após o incidente. Indiretamente, ela alertava também para os riscos da idade avançada tanto de Biden como de Trump, seu adversário no partido. Haley defende que os líderes americanos tenham de se submeter regularmente a testes de aptidão.
Além de saúde ou disposição para o cargo, há ainda o risco de a pessoa, a uma certa idade, estar mal preparada para tomar decisões sobre questões e temas novos, com os quais talvez tenha pouca familiaridade. O mundo muda, e um líder pode ficar obsoleto para lidar com essas mudanças.
Outro ponto relevante pode ser a tentação de repetir soluções que deram certo no passado, mas que talvez não funcionem num contexto diferente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem sendo alvo de críticas assim.
Lula é hoje é segundo líder mais idoso do G20, logo após Biden (o rei saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud, tem 87 anos, mas ele de fato não governa mais o país). Os mais jovens são o premiê britânico, Rishi Sunak, de 43 anos, e o presidente francês, Emmanuel Macron, de 45 anos.
Para efeito de comparação, a idade média dos CEOs das 500 grandes empresas do índice S&P500, da Bolsa de Nova York, era de 58 anos em 2020. O CEO mais velho é Warren Buffett, que ainda hoje, aos 92 anos, preside o conglomerado Berkshire Hathaway.
Durante décadas o Ocidente ironizou a chamada gerontocracia da extinta União Soviética. Sem uma política clara de sucessão, os líderes soviéticos ficavam no cargo até morrer (à exceção de Nikita Khruschov, que foi derrubado, e Mikhail Gorbatchov, que deixou de ser presidente quando a URSS foi extinta). Muitos deles mostravam sinais visíveis de decadência e dificuldade de governar. Isso emperrava e dificultava a administração do país.
Será que os EUA correm hoje esse risco? Esse será um dos principais temas da campanha eleitoral americana de 2024. Na semana passada, o senador McConnell foi recebido num comício aos gritos de “aposente-se”. Essa percepção poderia eventualmente colar nas candidaturas de Biden e Trump.
Segundo uma pesquisa divulgada na semana passada pelo jornal “The New York Times”, só 4% dos eleitores americanos com idade de 18 a 29 anos aprova fortemente o governo Biden. Isso é um risco político muito grande, já que o democrata precisa do engajamento dos jovens na sua campanha.
Por outro lado, a jovem Haley tem apenas 3,8% das intenções de voto nas prévias do Partido Republicano. Trump lidera, com 53,7%, segundo o agregador de pesquisas FiveThirtyEight.
Por Humberto Saccomandi – Jornalista, editor de Internacional do jornal Valor de 2000 até abril de 2023. Trabalhou na Folha de S.Paulo, como correspondente em Londres e editor-adjunto de Mundo