A Câmara dos Deputados deve votar na quarta-feira (18) o regime de urgência para a tramitação do projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar, também conhecida como homeschooling. O projeto é um dos mais polêmicos da chamada “pauta ideológica” do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é da base de apoio do governo, colocou a urgência como primeiro item da pauta da quarta-feira. Na prática, se a urgência for aprovada, isso acelerará os procedimentos rumo a uma eventual votação. Mesmo assim, o caminho para que o projeto vire lei e entre em vigor ainda é longo.
Caso o projeto seja aprovado, o texto seguirá para o Senado, onde também precisará ser votado. Se o Senado aprovar o projeto sem alterações em relação ao texto que saiu da Câmara, ele seguirá direto para a sanção presidencial. Caso haja alterações, o projeto voltará para a Câmara.
Esse processo pode demorar mais alguns meses ou até mesmo anos, a depender do ambiente político. Mesmo assim, a aprovação do regime de urgência pela Câmara mostra que há empenho da base de apoio do presidente para que o projeto avance.
Reivindicação antiga
A educação domiciliar é uma reivindicação relativamente antiga de diferentes grupos de pais e educadores que defendem que o Brasil siga o caminho de países como os Estados Unidos onde há leis que permitem que as crianças possam ser educadas fora do ambiente escolar. Em 2019, o assunto foi incluído como um tema prioritário da agenda de Bolsonaro.
Em 2019, homeschooling foi incluído como um tema prioritário da agenda do presidente Jair Bolsonaro
A pauta ganhou fôlego durante a pandemia de covid-19, quando milhões de estudantes em todo o país tiveram passaram a estudar de forma remota.
No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preveem que os pais ou responsáveis são obrigados a matricularem crianças e adolescentes em estabelecimentos de ensino públicos ou privados. Quem descumpre essa determinação pode ser processado criminalmente.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma ação sobre o tema. Na ocasião, a Corte determinou que a educação domiciliar no Brasil era ilegal, porque não havia nenhuma lei que regulamentasse o assunto. Dessa forma, caberia ao Congresso Nacional aprovar ou não uma lei federal sobre o homeschooloing.
O projeto que tramita na Câmara altera, justamente, alguns artigos da LDB e do ECA, regulamentando a educação domiciliar.
A relatora do projeto na Câmara é a deputada Luiza Canziani (PSD-PR). No seu parecer, estão previstas algumas regras para a adoção da educação domiciliar, entre elas:
– a educação domiciliar poderá ser escolhida desde que pelo menos um dos pais ou preceptor (pessoa indicada para educar) apresente diploma de ensino superior ou educação profissional tecnológica;
– os optantes não podem ter condenações por crimes hediondos, contra crianças e adolescentes ou violência doméstica;
– é preciso registrar as crianças em estabelecimentos de ensino que ofereçam a modalidade de educação domiciliar;
– os estudantes serão submetidos a avaliações anuais;
– caso o estudante seja reprovado duas vezes, os pais não poderão mais optar pela educação domiciliar.
A pauta é defendida por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro como a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves, pré-candidata ao Senado pelo Republicanos do Distrito Federal.
Projeto é alvo de divergências. A ONG Todos pela Educação aponta que iniciativa ignoraria os impactos positivos da socialização que as crianças e adolescentes experimentam no ambiente escolar
A ideia também foi defendida pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub.
Para o presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), Rick Dias, a aprovação do projeto é importante para milhares de pais que já adotam o homeschooling e que hoje estão na ilegalidade.
“O Brasil precisa sair desse atraso e se juntar ao grupo dos países que já reconheceram o direito dos pais e a liberdade educacional. É muito importante entender que nós não somos contra a escola. Somos a favor da escolha. Nada mais justo que tirar as famílias educadoras desse limbo jurídico em que elas se encontram”, disse Dias à BBC News Brasil.
Dias afirmou ainda que os pais deveriam ter o direito de oferecer a educação domiciliar como forma de fornecer formação e valores condizentes com as suas crenças.
Por outro lado, políticos de oposição e algumas organizações não-governamentais que atuam na área da Educação se manifestaram contra o projeto.
Segundo a Todos pela Educação, a educação domiciliar é uma “medida equivocada”, porque partiria da premissa de que a educação se limitaria à transmissão do conhecimento contido no currículo escolar. Isso ignoraria os impactos positivos da socialização que as crianças e adolescentes experimentam no ambiente escolar.
Além disso, a entidade afirma que a medida poderia abrir espaço para “comportamentos de risco” na família como o abandono escolar, violência doméstica e outros tipos de abuso.
A deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP) aponta ainda que a educação domiciliar dificultaria a detecção de casos de abuso cometidos contra crianças.
“Uma parte significativa dos casos de abuso é detectada justamente no ambiente escolar, por professores treinados para lidar com esse tipo de situação. Se essas crianças não vão para a escola, como é que esses casos viriam à tona?”, indaga a parlamentar.
Rick Dias, da ANED, rebate as críticas: “A maior parte dos casos de abusos contra crianças são denunciados justamente pelos pais. Além disso, não há nenhuma evidência científica de que crianças e adolescentes educados em casa são menos sociáveis. Eduquei meus filhos em casa e, hoje, eles estão perfeitamente inseridos na universidade e o no mercado de trabalho”.