Escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comandar a pasta responsável por coordenar as demais, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, vem enfrentando as duas faces do cargo: de um lado, o protagonismo que a posição oferece pela vinculação às principais ações do governo; do outro, desentendimentos com colegas de Esplanada, irritados com a forma como o ex-governador da Bahia exerce o poder conferido a ele por Lula.
O entorno de Costa atribui o desgaste ao prestígio conquistado junto ao titular do Planalto, assim como à função que ele desempenha, de cobrar resultados. No centro das atenções, ele já ensaiou um mea-culpa junto aos colegas e defendeu que todos, inclusive ele, precisam “baixar um pouco a vaidade”.
Distante das lamúrias de correligionários, Lula tem feito questão de empoderar o auxiliar e, recentemente, o comparou a Dilma Rousseff. Antes de chegar à Presidência, ela também comandou a Casa Civil do petista.
— Falo para o Rui Costa: “Você é minha Dilma de calças”. A Casa Civil ocupa o papel de coordenar o governo e é uma espécie de defesa dos interesses do presidente da República — disse o presidente em entrevista ao Brasil 247 nesta semana.
A turbulência mais recente ocorreu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em meio a divergências sobre o espaço para investimentos que deve constar na âncora fiscal que está sendo elaborada pela equipe econômica. Após dias de atritos, que incluíram também a divulgação de nomes para a diretoria do Banco Central, ambos deram uma entrevista juntos e posaram sorridentes para fotos, em uma tentativa de aplacar a sensação de mal-estar. De acordo com aliados de ambos, os conflitos foram zerados.
Medo de vazamento
As disputas nos bastidores, no entanto, remontam à largada do terceiro mandato de Lula. Em janeiro, eles tiverem uma rusga objetiva: ao ser interpelado por Costa durante uma reunião, Haddad rebateu dizendo que não aceitava ser interrompido daquela maneira.
O desconforto do ministro da Fazenda em relação ao colega cresceu ao longo dos últimos meses. Reflexo dessa desconfiança, Haddad não apresentou previamente o projeto da nova âncora fiscal ao chefe da Casa Civil, diferentemente do que havia feito com Geraldo Alckmin (vice e ministro da Indústria) e Simone Tebet (Planejamento). Haddad temia que Costa vazasse o texto. Por isso, o titular da Fazenda confiou mais nos ministros de outros partidos do que em seu colega de PT. Costa só conheceu o conteúdo da proposta junto com Lula, no dia 17.
Integrantes da equipe de Haddad avaliam ainda que Costa foi desrespeitoso ao se atrasar mais de 45 minutos para a reunião da Junta de Execução Orçamentária (JEO) na última terça-feira. Além de Haddad, levaram chá de cadeira as ministras Simone Tebet e Esther Dweck (Gestão). Tratava-se do primeiro compromisso de Costa naquele dia, e pessoas da confiança da Haddad afirmam que nenhum assessor da Casa Civil deu qualquer satisfação sobre o atraso.
No gabinete de Costa, o constrangimento foi atribuído a uma falha de comunicação interna. Enquanto Haddad aguardava do lado de fora, Costa estava atendendo uma pessoa a pedido de Lula. A conversa acabou atrasando, e Haddad foi embora sem ser recebido. Aliados de Costa justificaram ao jornal que, cotidianamente, depois que Lula chega ao Planalto, a agenda do ministro muda diversas vezes durante o dia devido aos chamados da Presidência.
Em outro episódio, o ex-governador da Bahia desautorizou publicamente o ministro da Previdência, Carlos Lupi, que havia levantado a hipótese de o governo rever as regras do regime de aposentadoria aprovadas em 2019. Também coube a Costa uma reprimenda ao titular de Portos e Aeroportos, Márcio França, que anunciou, sem combinação prévia com o Planalto, um programa de passagens aéreas a R$ 100 — em reunião, Lula reforçou que há necessidade do crivo da Casa Civil para iniciativas do tipo.
Um ministro ouvido por Jeniffer Gularte e Sérgio Roxo, do O Globo, sob a condição de anonimato, queixa-se da forma de tratamento dispensada pelo ex-governador da Bahia aos demais integrantes da Esplanada em algumas ocasiões. Esse auxiliar de Lula pondera, entretanto, que curtos circuitos nesses primeiros meses de gestão podem ser reflexo do fato de estar se adaptando ao cargo.
As queixas contra ele repetem um roteiro comum a praticamente todos os governos. Ministros da Casa Civil e da pasta responsável pelas negociações com o Congresso — hoje, a de Relações Institucionais, capitaneada pelo petista Alexandre Padilha — costumam ser alvo de críticas de colegas, em parte, pela natureza dos postos que ocupam. Ambos são responsáveis por negociações espinhosas com aliados.
Além de Dilma, que ao chefiar a Casa Civil teve embates, por exemplo, com Marina Silva, hoje de volta ao Meio Ambiente, José Dirceu viveu panorama semelhante. Ministro mais poderoso no início do primeiro mandato de Lula, sofreu artilharia interna e vivia em constante embate com Antonio Palocci, à frente da Fazenda.
No caso de Rui Costa, apesar de ser filiado ao PT desde 1980, ele pouco se envolveu nas disputas internas nem ocupou cargos na direção nacional do partido. Dentro dos espectros ideológicos da legenda, é considerado um quadro mais ao centro, distante da militância, comumente ligada à ala mais à esquerda da sigla.
Mesmo sem grande atuação na vida partidária, Costa havia revelado, antes de Lula recuperar os seus direitos políticos em 2021, a pretensão de se colocar como postulante à Presidência da República. Para alguns petistas, a rixa com Haddad, vem daí. Nos bastidores, ambos alimentam a expectativa de ser o sucessor de Lula em 2026.
Entrosamento incipiente
Segundo um aliado próximo de Lula, apesar dos elogios públicos, o entrosamento entre o presidente e o ministro ainda está em fase inicial de construção. O titular do Planalto não conhecia a forma de trabalho do agora auxiliar de primeira hora. Ex-governador da Bahia, Costa chegou ao ministério mais importante do Planalto pelas mãos do senador Jaques Wagner (PT-BA), amigo de Lula há mais de 40 anos. A relação com Wagner, no entanto, sofreu um abalo com a articulação de Costa para que sua mulher, Aline Peixoto, fosse eleita para o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM-BA). O senador se manifestou contra a candidatura.
Em entrevista à GloboNews na terça-feira, Rui Costa usou uma metáfora de futebol para fazer um mea culpa e dar um recado aos colegas:
— Em um governo, se todo mundo jogar como equipe, a chance de vitória é maior. Por isso, cada um de nós, começando por mim, deve baixar um pouco a vaidade e deixar o espírito coletivo reinar para que o presidente da República possa brilhar.