No início, parecia o sonho definitivo do trabalhador moderno: acordar sem despertador ao pé do ouvido, trocar o trânsito pelo trajeto cama-mesa de escritório e dispensar o crachá em favor das roupas informais. Mas, alguns anos depois, o home office segue provocando preocupação em boa parte dos gestores. Um levantamento da Mercer Brasil, especializada em consultoria de talentos e remuneração, entrevistou 365 profissionais de RH e revelou que 76% deles têm insegurança quanto à produtividade dos funcionários que trabalham de casa.
As preocupações não param por aí. Boa parte dos entrevistados (66%) reclama do excesso de reuniões virtuais exigidas pelo modelo home office. Mais da metade (51%) dos profissionais de RH, por sua vez, apontou dificuldades para acompanhar iniciantes, enquanto 61% acham que liderar à distância é um verdadeiro desafio. Some-se a isso o fato de que 52% acreditam que a cultura organizacional se perde quando cada funcionário se torna uma ilha dentro do próprio apartamento.
“Quando aderimos ao home office na pandemia, a princípio, parecia uma solução para aquele momento, mas que poderia se estender para os anos seguintes. Funcionou por um determinado período. Com o tempo, alguns ruídos foram surgindo, e problemas apareceram que não poderiam ser resolvidos a distância, como a adaptação de novos funcionários e estagiários. Sem contar os imprevistos técnicos e de conexão, que acabavam atropelando prazos”, conta Marco Vidal, CEO da MétricaLab, agência de marketing digital.
Hoje, 80% dos seus funcionários trabalham presencialmente, enquanto outra parte se divide entre os modelos home office e híbrido. “Aqueles que moram em outras cidades e foram contratados durante o modelo home office optamos por mantê-los operando a distância. Já no híbrido estão os funcionários que moram distantes e enfrentam trânsito pesado para chegar à sede”, completou o CEO.
Mas e se o problema não for o home office, e sim a estrutura engessada das empresas? Tânia Vasconcellos, consultora de gestão de produtividade, chama atenção para um detalhe: os desafios do trabalho remoto muitas vezes têm raízes mais profundas. “Primeiro, o planejamento. Se a liderança não sabe direito o que esperar do modelo remoto, como cobrar resultados com coerência? Sem metas bem definidas, a produtividade fica no campo da especulação – ou seja, no terreno favorito dos gestores inseguros”, diz.
Depois, continua a consultora, vem a maturidade dos funcionários. Trabalhar de casa, segundo ela, exige uma autogestão que nem todo profissional desenvolveu. “Sem um chefe por perto para dar aquele olhar de reprovação, a tentação de estender o almoço ou ‘só dar uma olhadinha’ nas redes sociais pode comprometer prazos”, completa. Ainda conforme a consultora, há o perfil da empresa. Algumas dependem de interação constante entre equipes e podem não se adaptar bem ao home office. Nesses casos, alerta Tânia, manter a mesma rotina presencial em formato virtual pode ser tão eficiente quanto usar terno na praia – não faz sentido.
Para a especialista em aceleração de carreira executiva Patricia Agopian, a preparação para o retorno deve ser cuidadosa e abrangente, oferecendo incentivos aos colaboradores. As empresas, sugere ela, tendem, sim, a retornar ao modelo presencial, mas é preciso que cada uma avalie sua situação atual.
“Existem empresas onde estar presencial ou remoto fez diferença nos resultados, e eu acredito que isso tem muito a ver com o nível de maturidade de cada profissional. Então, se você tem um time de pessoas mais jovens, talvez elas ainda não saibam lidar com essa volta ao presencial. Mas, obviamente, não é um critério de idade ou de tempo de casa que vai ditar essa maturidade, e sim a capacidade de lidar com as interferências do dia a dia trabalhando de casa”, explica.
Outro ponto que precisa ser analisado, lembra Patrícia, é o papel que o profissional desempenha dentro da empresa. “Há trabalhos que não podem ser remotos, mas também existem funções que não necessariamente precisam ser presenciais. No entanto, estar fisicamente naquele ambiente, com outras pessoas, onde há troca de ideias e energia, pode fazer toda a diferença. E é isso que algumas empresas estão percebendo: que, ao estarem juntas, há uma ‘garantia’ de maior produtividade. No entanto, mais uma vez, isso não se aplica a todos os casos, pois pode acontecer de um colaborador estar presente fisicamente, mas não mentalmente. Às vezes, isso ocorre pelo simples fato de ele ter acordado mais cedo e enfrentado horas de trânsito para chegar à empresa”, pontua.
Outro levantamento da Mercer aponta que o formato de trabalho híbrido continuará predominante no Brasil ao longo de 2025. Para atender a essa demanda dos profissionais, 68% das empresas não pretendem alterar a política atual de híbrido, home office e remoto. Seguindo essa tendência, 51% já ajustaram os contratos de toda a força de trabalho, prevendo o formato híbrido.
Nas companhias que adotam o híbrido, em 34% dos casos é o gestor quem define como será feita a escala de trabalhadores; em 21%, são os próprios funcionários que escolhem os dias em que irão ao escritório; e, em 22% das companhias, há uma escala semanal fixa de dias para se trabalhar em casa e no escritório.
O levantamento foi realizado em outubro e novembro do ano passado para capturar tendências de trabalho flexível, remoto e presencial em 2025. Participaram da pesquisa 151 empresas nacionais e multinacionais de 17 setores, entre eles bens de consumo, finanças, tecnologia, manufatura, construção, agro e varejo.
Dicas de como se manter produtivo em home office, por Tânia Vasconcellos
- Estabeleça uma rotina
Acorde no mesmo horário, troque de roupa e defina horários fixos para começar e encerrar o expediente
- Crie um espaço de trabalho decente
Trabalhar da cama pode parecer tentador, mas não é sustentável. Organize o ambiente, deixe-o bem iluminado e longe de distrações
- Use a técnica Pomodoro
Trabalhe por ciclos de 25 a 50 minutos seguidos de pequenos intervalos para evitar tanto a procrastinação quanto a exaustão.
- Diga não às reuniões inúteis
Se puder resolver com um e-mail, resolva com um e-mail. Se puder resolver com uma mensagem, resolva com uma mensagem.
- Aprenda a encerrar o expediente
Sem um horário de saída bem definido, o home office vira um escritório 24/7. Criar um ritual de fim de trabalho (feche o notebook, saia para uma caminhada, ouça música) ajuda a separar vida profissional e pessoal.