Sobrenomes conhecidos disputam vagas na Câmara dos Deputados pelo Rio com discrição – pelo menos em relação às linhagens que integram. De acordo com o jornal Estadão, essa tática foi adotada por Dani Cunha (filha do ex-deputado Eduardo Cunha), Leonardo e Rafael Picciani (cujo pai era o falecido ex-presidente da Assembleia Legislativa do Jorge Picciani) e Marco Antônio Cabral (primogênito do ex-governador Sérgio Cabral). Na TV, nenhum deles faz menção aos pais políticos.
A postura contraria a tradição recente do Estado, onde, em parte, a ligação familiar substituiu a liderança partidária. O próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, semeou mandatos com seu sobrenome. Foi com ele que sua primeira mulher, Rogéria, e os filhos Zero Um e Zero Dois, Flávio e Carlos, fizeram suas carreiras politicas. Há outros casos, como Maia, Garotinho, Brazão. Depois do furacão eleitoral de 2018, porém, o cenário eleitoral fluminense mudou.
Filha de Eduardo Cunha – ex-presidente da Câmara condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na operação Lava-Jato – Danielle não aparece ao lado do pai em nenhuma postagem nas redes sociais oficiais ou na propaganda eleitoral obrigatória no rádio e na televisão. Nem mesmo o fato de o ex-deputado ter comandado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, que poderia ser usado para tentar atrair o voto antipetista é mencionado na campanha da sua filha.
A herdeira do ex-manda-chuva do Centrão tem apoio do União Brasil, do governador Cláudio Castro (PL), que tenta a reeleição, e de lideranças evangélicas no Estado. Caciques do partido esperam que Danielle seja uma das puxadoras de voto da legenda, que, até o momento, já investiu R$2 milhões na campanha dela.
Na eleição passada, a filha de Cunha concorreu a uma vaga na Câmara pelo MDB. Teve apenas 13.424 votos e não foi eleita. Ela fez campanha enquanto o pai ainda estava preso em regime fechado.
No Brasil, votos são espólio, diz pesquisador
Cientista político e professor da PUC Minas, Malco Camargos avalia que os herdeiros de nomes conhecidos da política, em tese, se beneficiam do espólio político dos familiares e da estrutura partidária.
“Na tradição política brasileira, votos são tratados como espólio que são transferidos de geração para geração”, explica. “Uma dívida de gratidão por um ato político ou medida do governo acaba se transformado em um voto cativo. São jovens que atuam como seus pais em busca do mesmo eleitorado.”
Outro sobrenome conhecido na política fluminense, os Picciani tentam retomar a influência construída pelo pai no Estado e o protagonismo do MDB. Jorge Picciani, que foi primeiro-secretário e depois presidente da Assembleia Legislativa do Rio, foi preso na Operação Furna da Onça e condenado por corrupção. Morreu em maio de 2021. Um de seus filhos, o ex-deputado Leonardo Picciani, ex-ministro do Esporte de Michel Temer, assumiu o comando da legenda no Rio. Agora, busca retomar uma vaga na Câmara após quatro anos sem cargo eletivo.
O irmão de Leonardo, Rafael, quer representar os Picciani na Alerj. Os dois filhos do ex-presidente da Casa também escondem o sobrenome que construiu o capital político do clã. Nas redes, ambos usam apenas o primeiro nome.
Para Marco Iten, especialista em marketing político, os candidatos aproveitam o curto período da campanha eleitoral para “esconder” o quanto podem seus genitores. Segundo ele, a estratégia da campanha é traçada de acordo com o passado político familiar.
“Se um político tem um histórico de investigações, condenações e questionamentos na Justiça, é natural que a campanha tente desassociar a imagem do candidato do seu parente”, afirma. “É uma estratégia que, apesar da facilidade de pesquisa dos eleitores, pode funcionar em uma campanha tão curta e em que os votos são decididos de última hora.”
Tática pode funcionar, diz cientista político
Marco Antônio Cabral, filho do ex-governador do Rio Sérgio Cabral – que continua preso por 22 condenações que somam cerca de 400 anos – também tenta uma vaga no Congresso. Foi eleito para a Câmara pela primeira vez em 2014 – Sérgio foi governador por dois períodos, até abril daquele ano. Teve quase 120 mil votos. Em 2018, em meio à crise da Lava-Jato e com o pai preso, teve cerca de 20 mil votos. Não conseguiu se eleger. A tática para tentar voltar é a mesma – fazer campanha sem citar a ligação familiar – apesar da semelhança física entre os dois.
De acordo com o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio, a tática pode ser efetiva pelo curto período de tempo de campanha. Mas o eleitor, avalia, ainda busca candidatos que estejam alinhados com o combate à corrupção.
“Se o tema surge na campanha, isso pode atrapalhar os planos”, diz. “Por ser uma candidatura proporcional, essa fiscalização do eleitor é mais desatenta. Esses nomes já não se encaixam na ideia de nova política, algo que já se tornou obsoleto. A busca pelo combate à corrupção, no entanto, continua. Por isso a tentativa de desvinculação.