Os herdeiros da líder quilombola Bernadete Pacífico, que foi assassinada a tiros em agosto deste ano, entraram na Justiça segundo a coluna de Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, com um pedido de indenização contra o estado da Bahia no valor de R$ 5 milhões.
O montante teria como objetivo reparar danos causados pela morte da sacerdotisa, seja da ordem material ou então relacionados ao bem-estar e à saúde mental dos familiares.
“A morte de Mãe Bernadete impôs aos seus familiares constrangimentos, aflições, circunstâncias degradantes, situações-limite e traumas psicológicos cujas implicações sobre sua saúde mental, e inclusive física, são rigorosamente tangíveis e comprováveis”, diz a ação.
A sacerdotisa foi morta aos 72 anos de idade. Ela estava acompanhada de três netos de 12, 13 e 22 anos de idade quando dois homens chegaram na casa ao lado do terreiro de candomblé que comandava em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, e a assassinaram.
Na ação, os herdeiros lembram que Mãe Bernadete fazia parte de um programa de proteção a defensores de direitos humanos do Governo da Bahia havia seis anos, sustentando que cabia à União e ao estado adotar uma série de medidas e de obrigações legais para protegê-la.
“Mãe Bernadete Pacífico vivia acossada por ameaças, intimidações, coações e investidas patrocinadas por indivíduos cujos interesses ela contrariava”, diz o documento, ao afirmar que a situação vivida pela líder quilombola era de conhecimento público.
A ação tramita na 1ª Vara da Fazenda Pública Da Comarca de Simões Filho do Tribunal de Justiça da Bahia, mas a defesa da família, liderada pelo advogado Hédio Silva Jr., pede que o caso seja remetido à Justiça Federal.
A perda de patrimônio cultural imaterial gerada pela morte da sacerdotisa também é citada pelo herdeiros como motivo para a indenização. Os parentes afirmam que a líder quilombola carregava consigo um “bem jurídico único e insubstituível” enquanto portadora de “mensagem espiritual do passado, de tradições seculares e conteúdo etnográfico”.
“Cabe ao poder público e particulares zelar por sua integridade e reprimir toda e qualquer forma de atentado”, pontuam.
Além do pedido de indenização, os herdeiros pedem que a ONG Educafro seja excluída do polo ativo de uma ação civil pública que cobra, do estado da Bahia, uma indenização de R$ 143 milhões por danos morais coletivos causados pelo assassinato de Mãe Bernadete.
Como antecipou a coluna, a família acredita que a ONG buscou tirar proveito de sua morte e da comoção gerada pelo caso. Eles pontuam, ainda, que a Educafro está ligada a uma instituição eclesiástica controlada pela ordem franciscana, que atentaria contra a identidade de religiões afro-brasileiras.
Ao comentar a posição da família de Mãe Bernadete, a Educafro afirmou, em nota enviada à coluna, que a ação civil pública por danos coletivos é um direito da comunidade afro-brasileira e negou a obtenção de qualquer tipo de vantagem.
“As alegações de benefícios econômicos para entidades eclesiásticas ou a ordem franciscana são infundadas, pois as ações civis públicas visam apenas a justiça e reparação, sem proveito econômico para as entidades envolvidas. Elas não podem, por lei, usar um centavo. Elas, aí sim, tem total possibilidade de dizer como quer que o dinheiro seja aplicado”, disse a ONG, em nota.
“A Educafro, respeitando a fé afro-brasileira, está comprometida com a defesa dos direitos humanos e a luta antirracista. A entidade busca mudanças nas políticas públicas de segurança, sem rivalizar com as iniciativas de ressarcimento individual”, afirmou ainda.
Em 2021, a Educafro participou da negociação do Termo de Ajustamento de Conduta milionário com o Carrefour após um homem negro ser morto por asfixia em uma unidade da rede. Segundo a ONG, a indenização por dano coletivo racial no valor de R$ 115 milhões é a maior da América Latina.