Filha de Amador Aguiar, filantropa Lia Maria Aguiar destina mais de R$ 100 milhões, por meio de sua fundação, para lançar um inédito museu de automóveis que contará a história do Brasil
Duas paixões movem a vida da filantropa Lia Maria Aguiar: cultura e automóveis. Aos 86 anos, a herdeira do fundador do Bradesco, Amador Aguiar (1904-1991), está prestes a realizar o sonho de unir essas duas fixações em um único endereço: o museu CARDE, em Campos do Jordão (SP).
Com investimentos de mais de R$ 100 milhões por meio da Fundação Lia Maria Aguiar (FLMA), o espaço de 5,4 mil metros quadrados está previsto para abrir as portas em novembro e será, de longe, o maior legado cultural da vida de Lia.
“Herdei de meu pai os carros dele e também o amor dele por automóveis”, disse Lia, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. “Juntar em um único projeto obras de arte, design, carros históricos e cultura era um antigo sonho que agora está se tornando realidade”, acrescentou.
O CARDE será inaugurado em novembro dentro de uma propriedade de Lia Maria Aguiar em Campos do Jordão (SP). O conceito inédito do CARDE é, sob a ótica da educação, revolucionário.
• O local traz conceitos pedagógicos inovadores em interatividade, experiência e cenografia, e conta com um acervo de nível internacional.
• Os modelos dos carros expostos já foram conduzidos por ícones da história brasileira, como os presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, além de máquinas que homenageiam personagens como Ayrton Senna, João Augusto Amaral Gurgel e Santos Dumont.
“Mais do que um museu, o CARDE é um tributo aos grandes nomes da história brasileira e mundial”, afirmou Luiz Goshima, membro honorário da FLMA, idealizador do CARDE e colecionador de arte – e de carros, obviamente.
O CARDE é, como manda a cartilha dos museus de padrão internacional, rico em todos os detalhes. Iluminação teatral e muita tecnologia para ampliar a interatividade e a experiência (hologramas, painéis de LED de última geração e muitos audiovisuais) estão sendo instalados no museu.
O conceito inédito do CARDE é, sob a ótica da educação, revolucionário. O local traz conceitos pedagógicos inovadores em interatividade, experiência e cenografia
No cenário de entrada, crochês preparados por 200 mulheres do projeto social Instituto Proeza, em Brasília, se encontrarão com pinturas e outras obras de povos originários dos estados do Ceará e Amapá. Já no primeiro andar, o destaque será “O Design e a Evolução da Forma e da Tecnologia”, com foco no design automobilístico e dispondo de tecnologias imersivas, como a Sala de Hologramas de automóveis, entre outros destaques.
Essa combinação harmoniosa de objetos artesanais tem como fio condutor um item que faz parte da vida das pessoas e que possui grande apelo afetivo: o automóvel. Serão 120 deles, expostos de forma rotativa, que, somados a mais de 200 objetos de arte (quadros, gravuras, esculturas), unirão as linhas históricas do Brasil, dos automóveis e das manifestações artísticas em uma única narrativa.
Uma das alas terá o tema “O Carro e a História do Brasil”, com salas temáticas, entre elas a de Carros Governamentais, a de História do Automobilismo
Educação
A iniciativa de inaugurar o CARDE é a mais nova ferramenta de educação da Fundação Lia Maria Aguiar, que completa 16 anos de atividades em 2024. São mais de 800 alunos, entre crianças e adolescentes de 8 a 21 anos, beneficiados por cursos de musicalização (coral e instrumentos), balé e artes cênicas.
A FLMA também mantém na cidade um núcleo de saúde, administrado pelo Hospital Sírio-Libanês, que realiza, gratuitamente, mais de 100 mil atendimentos, procedimentos e exames anualmente.
“O CARDE é uma evolução do nosso pilar de educação e representa a abertura da FLMA para toda a população brasileira e mundial”, afirmou Goshima. “Fizemos uma curadoria meticulosa em todos os sentidos. No caso do acervo de automóveis, a meta foi chegarmos a um alto nível de originalidade e representatividade histórica. E conseguimos.”
A grande proposta do CARDE é ser acessível, segundo Goshima. Alunos de escolas públicas serão isentos de pagamento, enquanto profissionais da área acadêmica terão descontos especiais no valor do ingresso, previsto para custar entre R$ 90 e R$ 100.
“Para contar a história do Brasil, abordando principalmente os anos 1900, vamos utilizar o que há de melhor em termos de interação, cenografia, museografia e um acervo que é um dos mais sofisticados do ponto de vista histórico em nível mundial. Mas, muito além do quesito entretenimento, o CARDE foi concebido com uma função social muito clara”
Serão expostos cerca de 120 modelos, de forma rotativa, que se somarão aos mais de 200 objetos de arte, especialmente quadros, gravuras e esculturas
•A curadoria e o design do CARDE são de Gringo Cardia, uma referência brasileira na criação de museus e também como designer e cenógrafo. Ele é artista visual, designer, cenógrafo, arquiteto, diretor artístico, diretor de vídeos, teatro, ópera e moda. Criou mais de 150 shows para artistas renomados do Brasil e do exterior, entre eles o Cirque du Soleil.
• A pesquisa bibliográfica e documental para a contextualização histórica foi realizada durante cerca de um ano por uma equipe de 15 historiadores liderados pela professora Heloisa Murgel Starling (UFMG).
• Já o professor Felipe Scovino (UFRJ) fez a curadoria de arte.
• E João Pedro Gazineu é responsável pela curadoria da história automotiva.
“O automóvel aperta o gatilho da imaginação, e o historiador vai buscar os livros e documentos para fazer essa conexão histórica. Eu nunca tinha pensado que a história do automóvel seria capaz de contar e puxar os fios da história do Brasil em diferentes camadas”, disse Heloisa Murgel Starling, professora titular de História do Brasil e de História das Ideias na UFMG e coordenadora do núcleo de pesquisa e documentação do projeto República na UFMG.
“Ele tanto conta sobre os grandes momentos históricos e acontecimentos, onde sempre vamos encontrar um automóvel, como também a camada afetiva do povo brasileiro, quando o carro se encontra com as pessoas comuns e suas histórias de vida. O automóvel é o fio que faz acender o afeto e a memória.”
Social
Como parte da FLMA, as ações de transformação social também foram parte integrante desde as discussões iniciais sobre o CARDE. Os alunos de teatro, por exemplo, vestidos com roupas de época e com falas que enriqueçam o contexto histórico, farão interações com os visitantes.
Como há grande utilização de tecnologia no CARDE, os jovens interessados em ser técnicos de painéis de LED ou programadores receberão treinamento técnico profissional. Já em relação aos carros, juntamente com a inauguração do CARDE, será finalizada a primeira turma de jovens jordanenses especializados em restauro de carros antigos, algo inédito no Brasil.
“A formação de jovens no ofício de restaurador de veículos antigos gerará profissionais que terão um amplo campo de trabalho, uma vez que a área é extremamente carente de profissionais qualificados”, disse Goshima.
O curso envolve todas as necessidades para a formação de um restaurador de veículos antigos: o profissional deve conhecer as particularidades dos automóveis:
• marcas,
• diferentes tipos de motores e tecnologias,
• mecânica,
• funilaria,
• pintura,
• tapeçaria,
• parte elétrica.
Ainda deve ter conhecimento da língua inglesa para acessar a literatura disponível mundialmente e entender o contexto histórico dos modelos. A primeira tarefa dos 25 estudantes foi restaurar um Ford T de 1923, que será exposto com destaque no CARDE.
Além de se tornar um grande centro cultural em Campos do Jordão, o CARDE se consolidará como o maior e mais inovador projeto educacional da vida de Lia Maria Aguiar — e um memorial aos grandes personagens de sua vida, especialmente o amigo Amaral Gurgel.
“Serão muitos os destaques, mas um especial para mim será a sala que retrata o grande brasileiro João do Amaral Gurgel e suas criações”, afirmou Lia.
“Sempre o admirei e, com frequência, o visitava em Rio Claro, no interior de São Paulo, quando fazia questão de dar uma volta com suas últimas criações na pista de testes. Eram carros muito à frente de seu tempo. Sua esposa, Carolina, sorria, brincava comigo e dizia para não ir porque ele corria muito. Foi um grande brasileiro.”