domingo 9 de março de 2025
Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda durante o governo de Michel Temer (MDB), em entrevista à IstoÉ Foto: Leonardo Monteiro/IstoÉ
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domingo 9 de março de 2025 às 10:03h

Henrique Meirelles diz que o Brasil pode ‘afundar’ se Lula mantiver padrão de gastos

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O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles afirmou, em entrevista exclusiva à revista IstoÉ , que o aumento de gastos do governo federal pode fazer o país “afundar” em alguns anos. O economista alega que não há chances de crise no curto prazo, mas alerta para a necessidade de controlar a dívida pública imediatamente.

Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sido alvo de críticas pelo aumento nos gastos. Para tentar acalmar os ânimos do mercado, o petista e sua equipe econômica precisaram lançar um pacote de medidas para reduzir os custos, mas, mesmo assim, o Planalto é pressionado pelo mercado e pelos técnicos da Fazenda.

Na avaliação de Meirelles, os reflexos da dívida pública chegarão a partir de 2027, ou seja, no próximo governo.

“A crise pode haver em um prazo mais longo, de alguns anos, se continuar o padrão de gastos e expansão fiscal neste governo e no próximo. Podemos ter uma dívida pública subindo a um nível que não se torne sustentável. A partir de 2027 ou 2028, o país poderá enfrentar um problema maior”, afirmou.

Além dos gastos, a economia do país é pressionada pela inflação, que atingiu 4,83% em 2024, ultrapassando o teto previsto pelo Ministério da Fazenda. O maior impacto é sobre os preços dos alimentos, que dispararam nos últimos meses.

Ao mesmo tempo em que a economia se torna protagonista na reprovação de Lula, o governo petista cobra uma redução na taxa básica de juros. Atualmente, a Selic está em 13,25%, o maior imposto registrado desde 2017. No mercado financeiro, há expectativa de mais uma alta de 1 ponto percentual, podendo chegar a 14,25%, superando o imposto registrado em julho de 2016.

Para Henrique Meirelles, as decisões do Banco Central são corretas, e há necessidade da alta de juros para manter o crescimento do país. Com a Selic elevada, a pressão sobre a inflação cresce, o que pode colaborar para a redução dos preços.

“Acho que o Banco Central está agindo corretamente. Eu acho que essas decisões que já foram anunciadas e cumpridas, inclusive a primeira reunião presidida pelo Galípolo, sinalizam isso.”, avalia o economista.

“No entanto, muitas vezes, o governo, na boa intenção de crescer o máximo possível, incentiva a demanda, inclusive com benefícios sociais, etc, a demanda sobe, mas isso pressiona a economia no sentido de a economia não ser capaz de produzir tudo isso para aquele momento. Então nós temos a inflação, e aí o Banco Central tem que elevar a taxa de juros. Nós estamos crescendo”, concluiu.

Meirelles diz que o Brasil pode 'afundar' se Lula mantiver padrão de gastos
Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda durante o governo de Michel Temer (MDB), em entrevista à IstoÉ – Foto: Leonardo Monteiro/IstoÉ

Os juros são alvo de críticas, principalmente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus principais aliados, como a nova ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. Durante a gestão de Roberto Campos Neto, Lula fez questão de intensificar críticas públicas ao então chefe do Bacen e pressionar pela redução dos juros para aquecer a economia.

Nos comunicados, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) justifica a pressão inflacionária, impulsionada pelos preços dos alimentos e da energia elétrica, como motivo para aumentar a taxa de juros. Meirelles está regularizando o resfriamento econômico com a alta da Selic, mas avaliando que o país continuará crescendo nos próximos anos.

Mesmo com a economia do país sob suspeitas, Meirelles afirma que o Brasil está crescendo e deve continuar nesses rumos nos próximos anos. Ele cita a necessidade de que a política fiscal e os juros caminhem juntos para controlar a economia.

“Olha, o Brasil está crescendo. Nós estamos com a economia um pouco sobreaquecida. Você mencionou que, por exemplo, nós estamos no limite da empregabilidade, com um desemprego que está em níveis baixos pelos padrões e pela história brasileira. E isso gera um pouco de inflação, porque a economia cresce dentro do que é possível produzir”, aponta Meirelles.

“Os juros de mercado de longo prazo já são relativamente altos. Então, isso tende a esfriar um pouco a economia. Mas, ainda no sentido positivo, o país vai crescer a taxas menores e vai continuar crescendo”.

Leia a entrevista completa

IstoÉ: Eu queria que o senhor fizesse um panorama de como está a economia atual do Brasil e o que nós podemos esperar para o futuro próximo.

Henrique Meirelles: Olha, o Brasil está crescendo. Nós estamos com a economia um pouco sobreaquecida. Você mencionou que, por exemplo, nós estamos no limite da empregabilidade, com um desemprego que está em níveis baixos pelos padrões e pela história brasileira. E isso gera um pouco de inflação, porque a economia cresce dentro do que é possível produzir. No entanto, muitas vezes, o governo, na boa intenção de crescer o máximo possível, incentiva a demanda, inclusive com benefícios sociais, etc, a demanda sobe, mas isso pressiona a economia no sentido de a economia não ser capaz de produzir tudo isso para aquele momento. Então nós temos a inflação, e aí o Banco Central tem que elevar a taxa de juros. Nós estamos crescendo. Crescemos em 2023 um pouco acima, inclusive, das expectativas dos analistas, por uma série de razões, podemos falar sobre isso depois, não só a questão da expansão fiscal. Isso tende a arrefecer um pouco exatamente por causa da questão fiscal e da inflação, o Banco Central tem que subir os juros para não perder o controle. Os juros de mercado de longo prazo já estão relativamente altos, independente das decisões do Banco Central. Então isso tende a esfriar um pouco a economia, mas ainda no sentido positivo, isto é, o país vai crescer a taxas menores, mas vai continuar crescendo, ao contrário do que aconteceu em 2016, por exemplo, quando eu assumi o Ministério da Fazenda. Eu assumi em maio de 2016, nos 12 meses anteriores, de junho de 2015 a maio de 2016, se você pegar ponta a ponta, não por média, ponta a ponta, a economia brasileira caiu 5,2%, uma das maiores quedas de PIB da história do país, uma das maiores do mundo, de um país que estava em paz, democracia funcionando, imprensa livre, quer dizer, um em guerra é outra coisa. Bombardeia fábrica e essas coisas, ai pode cair muito. E então, com o controle dos gastos, o teto de gastos e etc, nós conseguimos sair disso. Mas, em resumo, não será nada perto disso, o Brasil não entrará e eu não vejo uma recessão à frente. O Brasil deve continuar crescendo a taxas um pouco menores do que cresceu nesses dois anos.

O senhor disse que não vê uma recessão à frente. Explicou mais ou menos como funciona o parâmetro de empregabilidade e também inflação. Mas a gente vê o preço dos alimentos pesando muito forte no bolso do consumidor. Paralelo a isso, a gente tem também a trajetória dos juros, que está em alta, e há uma possibilidade de mais um aumento na próxima reunião do Copom. Os adversários do presidente Lula apontam que o Brasil está, entre aspas, afundando ou em forte crise. O Brasil realmente está nesse nível de problemas econômicos, de recessão, de crise?

Eu não vejo uma crise ou uma recessão num prazo curto ou médio. O Banco Central está subir a taxa de juros, isso faz com que pressione exatamente os preços. As pessoas têm que pagar uma taxa de juros maior para financiar as suas compras, isso tende a esfriar um pouco a economia e cair um pouco o nível de atividade. E eventualmente, subir um pouquinho o desemprego, ou pelo menos não ficar pressionando para baixo. Mas esta é a realidade. Se não fizer isso, se o Banco Central não subir a taxa de juros, nós poderemos, aí sim, perder o controle com a inflação elevada, como já tivemos no passado. Mas o Banco Central, cumprindo o seu papel como está, e subir a taxa de juros para controlar a inflação, isso evita a crise. Crise pode haver uma crise num prazo mais longo, de alguns anos, se continuar o padrão de gastos de expansão que está neste governo e no próximo a ser eleito em 2026, nós podemos ter aí a dívida pública subindo a um nível que não torne sustentável mais a frente, a partir de 2027 ou 2028, aí o país pode enfrentar um problema maior.

Hoje, a taxa básica de juros está em 13,25%, a maior taxa desde janeiro de 2017. E a gente vai ter mais um aumento de 1% na próxima reunião do Copom, elevando a taxa para 14,25%, a maior desde julho de 2016. Eu queria saber do senhor o seguinte: o presidente Lula disse recentemente que o Gabriel Galípolo, presidente do BACEN, vai consertar a taxa de juros, a Selic. Ela tem que ser consertada?

Não, acho que não. Acho que o Banco Central está agindo corretamente. Eu acho que essas decisões que já foram anunciadas e cumpridas, inclusive a primeira reunião presidida pelo Galípolo, sinalizam isso. Existe uma maneira de que o juro caia e a inflação também. Isso aconteceu em 2017, quando o Congresso Nacional aprovou, por nossa proposta, o teto de gastos, isso fez com que a expectativa de inflação caísse, em seguida a inflação caiu e o Banco Central pôde cortar os juros, ir para o patamar baixíssimo, e a inflação continuar abaixo da meta. Por quê? Porque existiu um alinhamento entre a política fiscal e monetária, com uma contenção fiscal grande que foi o teto de gastos, isso permitiu que o Banco Central, inclusive, baixasse a taxa de juros e o país pudesse voltar a crescer, com taxa de juros baixa e inflação baixa, o que é raro na história do Brasil. Agora, se nós olharmos para frente, não estamos vendo exatamente isso que houve naquela época. Mas houve, no início do primeiro governo Lula também, que é a política fiscal e a política monetária caminhando na mesma direção. Então, quando as duas caminham na mesma direção, por exemplo, em 2003, o Brasil teve um superávit fiscal de mais de 4% e o Banco Central subiu a taxa de juros. Então, as duas coisas caminham juntas, a política fiscal e a política monetária, permite equilibrar tudo com juro menor e permite que o país cresça mais. Agora, com a expansão fiscal e o Banco Central tendo que controlar isso, subindo a taxa de juros, aí você tem de fato o arrefecimento, uma queda do nível de atividade, porque você tem política monetária e política fiscal caminhando em direções opostas. Isso faz com que o equilíbrio se consiga, mas há uma taxa de juros maior.

Queria saber se o senhor acredita que ainda é muito cedo para se falar em dominância fiscal e, consequentemente, se a capacidade de atuação da política monetária no controle da inflação já está no seu limite.

Primeiro, nós estamos muito longe da dominância fiscal. A dominância fiscal chega exatamente quando o nível da dívida pública, aquilo que eu mencionei, é algo que pode acontecer lá na frente, se continuarmos nesse ritmo onde você sobe a taxa de juros, mas o impacto no pagamento de juros da dívida é tão grande que uma coisa anula a outra. Agora não. A dívida ainda está num patamar razoável, alto, mas razoável para os padrões dos países emergentes e o Banco Central tem ainda o poder de política monetária de subir os juros e conseguir dominar a atividade e a inflação. Tanto que nós estamos falando aqui numa diminuição da atividade em função da subida da taxa de juros. A política monetária está funcionando bem.

Eu quero entrar daqui a pouco na questão do controle de gastos do governo. Mas eu quero citar, antes de mais nada, a questão da dívida pública que o senhor mencionou. Ela cresceu no ano passado, cerca de 12%, atingindo sete trilhões de reais. Paralelo a isso, o governo promete ter o déficit zero deste ano. No ano passado, atingiu 0,40%, mas ainda está longe do zero ou do 0,25%, o máximo que está previsto no arcabouço fiscal. Queria saber do senhor se a gente pode ter sim o déficit zero ainda neste ano ou se é muito cedo para a gente cogitar isso, visto os gastos do governo este ano.

Neste ano eu acho difícil. E o governo tem que alterar um pouco o padrão de gastos para que isso possa ser obtido mais à frente. O ano que vem será um ano difícil para fazer isso, porque é um ano eleitoral. Normalmente se faz esse tipo de ajuste, como inclusive o próprio Lula fez no primeiro mandato, no início do governo. Por exemplo, no início do seu governo em 2003, o governo teve um superávit primário. Não estou falando de conseguir sair do negativo para zero, nós estamos falando de um superávit primário positivo de mais de 4% do PIB. Então, realmente há uma diferença grande. Isso precisa ser controlado para não seguir nesse padrão. Mas nós estamos longe ainda de um padrão onde a política monetária deixa de fazer efeito. Está fazendo efeito, tem muitas condições de ainda controlar a inflação. Agora, é aquilo que eu digo: controlar a inflação a uma taxa de juros um pouco mais alta do que seria se a política fiscal também fosse contracionista. Com a política fiscal expansionista e a monetária contracionista, só se equilibra a uma taxa de juros mais elevada, que é a situação atual.

Meirelles diz que o Brasil pode 'afundar' se Lula mantiver padrão de gastos
Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda durante o governo de Michel Temer (MDB), em entrevista à IstoÉ – Foto: Leonardo Monteiro/IstoÉ

No final do ano passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou um programa de corte de gastos que mexe em programas como o BPC e o Bolsa Família. O Congresso Nacional acabou fazendo diversas alterações, inclusive, parte desse projeto deve ser complementado agora com o projeto de aposentadoria dos militares. Esse pacote de gastos decepcionou. Era esperado um pacote maior, mais robusto, e que a gente pudesse ter um controle maior dos gastos do governo.

Olha, o pacote que foi feito, eu não esperava algo muito superior a isso. Não fiquei decepcionado em função disso, porque eu vi as declarações de todos, não só o público, mas em privado do próprio presidente, quando ganhou a eleição, que eram a ideia de tentar promover o crescimento gastando mais recursos públicos e até programas sociais e tal. Então, isso não é surpresa. Mas não há dúvida de que isso gera consequências, que é exatamente essas que nós estamos falando. De última análise, a economia não pode crescer tanto porque o Banco Central tem que subir a taxa de juros para controlar isso.

A gente vê algumas peças do mercado e também alguns políticos de grande nome, como por exemplo, o secretário de Relações Institucionais daqui de São Paulo, Gilberto Kassab, que é o presidente nacional do PSD, fazendo críticas severas ao Fernando Haddad. Kassab chamou Haddad de “fraco”. O senhor concorda com essa afirmação? Acha que é um exagero essas críticas hoje?

Olha, é uma questão de ponto de vista. Eu acho que no governo atual, com exatamente o compromisso do presidente em fazer uma expansão fiscal, durante a eleição ele fez campanha baseado nisso, e prometeu também depois, de fato, pressionando nesse sentido, ele junto com os ministros do palácio e o próprio partido, então, o ministro Fernando Haddad tem que se equilibrar, porque, afinal de contas, ele está um cargo demissível, como se diz aí, em termos técnicos “demissível a luto” pelo presidente da República, isto é, a qualquer momento e não precisa ter motivo. Então, o fato é que, com essas restrições, eu acho que ele está fazendo o possível. A crítica que veio é o seguinte: “para fazer o certo mesmo, tinha que endurecer, confrontar o presidente, colocar uma política mais dura”. Eu acho que isso é interessante. Quer dizer, ele, por exemplo, que trabalha com um governador alinhado exatamente com o que ele pensa, isso é uma coisa. Agora, uma coisa em oposição ao presidente, de ministro da Fazenda, é muito difícil. Eu acho que o Fernando Haddad está fazendo o que é possível fazer nesse governo.

Eu queria fazer um paralelo aqui que o senhor falou: Fernando Haddad está fazendo tudo aquilo que ele pode, o que ele consegue fazer. Duas perguntas básicas: porque a gente sabe que tudo que passa pelo Ministério da Fazenda tem que passar obrigatoriamente pelo Congresso Nacional. E tem toda aquela discussão, aquele lobby para o lado da esquerda, para o lado da direita, o centrão ali, tentando dar uma equilibrada no texto. Queria saber se parte do insucesso em algumas pautas que o Haddad tem, como por exemplo, o corte de gastos, se deve muito também à atuação do Congresso Nacional. E mais uma dúvida: o senhor acredita que tem muito fogo amigo dentro do Palácio do Planalto que possa estar prejudicando, em parte, o trabalho do ministro da Fazenda?

Eu acho o seguinte: o Congresso, por definição, tem uma pressão, inclusive, os congressistas sofrem essa pressão nas suas bases para levar recurso para lá. Eu, por exemplo, fui candidato. Não cheguei a assumir, ganhei a eleição para deputado federal em 2002, mas não cheguei a assumir em 2003 porque fui convidado e aceitei ser presidente do Banco Central. Mas isso me leva a uma clássica, quase que folclórica, na minha primeira reunião política lá na cidade do interior, reuniram-se a elite da cidade: o dentista, o advogado, os vereadores, o prefeito, os grandes fazendeiros, umas 80 pessoas. Eu expliquei o que eu poderia fazer, atraindo investimentos para lá de agroindústria, que é um transporte bom e a produção era forte ali, etc e tal, eu expliquei o que poderia fazer e gerar emprego lá. Até quando terminei, aplausos, polido, um cidadão levantou e falou: “Doutor, belo discurso, doutor. Belo discurso. Agora, eu gostaria de saber o que você vai fazer para nós aqui na cidade”. Eu falei: “Eu achei que eu tinha explicado isso”. Porque, pelo visto, não expliquei bem. O deputado que vocês apoiaram aí, está fazendo aquilo que vocês esperam?” Ele respondeu: “Sim, doutor, perfeitamente”. Falei: “O que, por exemplo?”. Ele: “Ele arrumou um emprego para o meu irmão, ele conseguiu uma verba aí para fazer um acesso a diversas fazendas”. Ele fez coisas nesse sentido. Então, é essa pressão que o parlamentar sofre. Quer dizer, ele sofre da sua própria base eleitoral. Portanto, no Brasil, é irrealista se esperar que o Congresso vai conduzir um processo de contenção fiscal. Por exemplo, nós conseguimos aprovar o teto de gastos, que foi um freio fiscal muito grande, mas isso foi uma ação do Executivo. Eu fui à Câmara inúmeras vezes, ao Senado, explicar, debater. O próprio presidente Temer, na época, que tinha sido presidente da Câmara três vezes, reunia um grupo grande de deputados, tem que ser uma ação forte de coordenação do Executivo, porque o Congresso está sempre pressionado com a história das emendas para levar recursos para suas bases eleitorais. Inclusive, essa minha experiência de ser candidato a deputado federal, antes de assumir o Banco Central, e quando eu estava acabando de chegar dos Estados Unidos, porque eu era presidente de um banco global, foi muito instrutiva para mim, e aí eu pude entender mais o problema do congressista e na hora de negociar para aprovar teto de gastos e depois reforma da previdência, o diálogo ficou melhor porque eu entendia o problema do congressista.

E essa questão do fogo amigo dentro do Palácio do Planalto. O senhor acredita que isso atrapalha o ministro da Fazenda?

Atrapalha muito. Atrapalha muito. Porque o Ministério da Fazenda, comparando, por exemplo, com o Banco Central, o seguinte: você faz uma reunião, diretoria emite uma decisão e é questionável. Outros poderes não podem alterar isso. O Copom se reuniu, subiu a taxa de juros ou baixou os juros, é o final já está valendo, não precisa de aprovação de ninguém. O Ministério da Fazenda não é assim. Não existe ato executivo do Ministério da Fazenda que mude. O Ministério da Fazenda pode fazer conversar com o presidente e levar um projeto para o Congresso Nacional, como o teto de gastos, que foi com emenda constitucional, foi encaminhado através da Presidência. Então, com isso, é muito importante você ter ali, no Planalto, os ministros que estão ao lado do presidente, trabalhando na mesma direção. Porque se eles estão contra e estão lá fazendo também críticas e até para o presidente, o ministro da Fazenda vai lá, os outros falam contra para o presidente, então precisa arbitrar isso. Mas é uma coisa que atrapalha.

Nós temos agora o governo federal que deve enviar nos próximos dias o texto para aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5.000 reais. O senhor apoia essa medida? Acredita que isso pode ter qual o impacto que isso pode ter na economia em relação às alíquotas? E também, o senhor acredita que deve ser a compensação para poder aumentar? E se dá para aumentar para cima de 5.000 reais hoje?

Olha, é o seguinte: isso é uma medida que a população que ganha até 5.000 reais agora vai gastar, é um benefício de fato que o governo está dando a uma massa grande. O problema é que o governo está com déficit fiscal. Então, você usou a palavra chave: compensação. Uma compensação de onde exatamente, considerando que a carga tributária no Brasil é uma das mais altas do mundo entre países emergentes, não tem tanto espaço assim para aumentar imposto aqui no Brasil. Por isso, o caminho do Brasil é diminuir gasto. Então, a compensação disso é mais difícil. Existe uma solução, foi adotada inclusive aqui em São Paulo, em 2022 e que seria a solução para o governo federal, mas é politicamente muito difícil, que é uma boa reforma administrativa.

A gente estava comentando aqui, o senhor já trabalhou no governo Lula, nos governos Lula, como presidente do Banco Central. O senhor citou que entre 2003 e 2011, quando a presidente Dilma Rousseff assumiu o mandato, o presidente Lula disse essa semana que ele tem o poder de convencer a ministra Marina Silva sobre aquele problema no Foz do Amazonas, a exploração de petróleo. E a gente sabe que nos bastidores, o presidente tem um poder de convencimento, de negociação, articulação muito forte. Na sua época como presidente do Banco Central, como era o diálogo entre o senhor e o presidente? Ele chegou a convencer o senhor a segurar a taxa de juros ou a subir ou descer? Como eram as negociações na época com o Lula?

Eu tinha sido eleito deputado federal pelo PSDB. Eu tinha um candidato contra o Lula e o Lula ganhou a eleição. Ao redor de julho, eu fui procurado por um representante do PT, do Lula, “Meirelles, nós estamos pensando em você como presidente do Banco Central, mas não dá para você ser eleito deputado federal pelo PSDB e depois ser nomeado presidente do Banco Central. Então, você deveria renunciar à candidatura e aguardar”. E aí eu falei: “Olha, eu tenho um objetivo de vida, uma maneira de trabalhar. Eu não decido baseado em hipóteses. Então, vou fazer o seguinte: eu seguro a minha candidatura, você segue com a candidatura do Lula. Se ele ganhar, como algumas pesquisas mostrando, e se ele quiser ainda conversar comigo, estou à disposição. Mas agora não vamos tomar decisão baseada em hipótese”. Tudo bem. Ele ganhou a reeleição, tudo bem. Um dia eu estava, na época na minha função já eleito para o Congresso, eu fui a Washington para negociar com o Banco Mundial, para trazer investimento para o Brasil, até porque eu tinha boas relações, tenho até hoje. Quando eu estava voltando, eu voltei, eu estava em Nova York porque eu trabalhava, tinha um apartamento, e num domingo à noite, toca o telefone. “Meirelles, onde você está?”. Era uma pessoa da cúpula do PT. “Estou em Nova York”, eu falei. “Que bom. Amanhã à noite o presidente Lula vai fazer a primeira visita oficial dele a Washington como presidente eleito. Você não quer ir lá conversar com ele?”. Falei: “Perfeitamente”. E fui. Nos reunimos ali na residência do embaixador brasileiro, e ele então me perguntou primeiro: “Meirelles, o Brasil tem jeito?” Eu falei: “Tem”. Expliquei para ele, não é problema nossa, na época, era a falta de reservas internacionais, que era a principal causa da inflação, faltava dólar, o dólar subia, e subia inflação. Expliquei para ele como é que se poderia fazer isso para construir reservas, o que de fato foi feito tal. Aí a pergunta: ele falou: “Você aceitaria ser presidente do Banco Central?” Eu falei: “Presidente, eu aceito, com uma condição. Total autonomia, independência”. Ele falou: “Ah, te nomeei para o cargo, você fica completamente independente, autônomo”. Falei: “É normal, presidente. Nomeie um ministro supremo no dia seguinte a posse ele é independente. Seja para o TCE, STJ. Agora, em outros países, a maior parte tem Banco Central também independente. Ele aceitou e tal, tudo bem. Só que na época, inclusive, de fato, um deputado do PT apresentou um projeto de independência do Banco Central, mas eu mesmo vi que existia muita resistência a diversos setores e que não ia ser aprovado. Ele me chamou um dia antes: “Não vai dar para aprovar o projeto do Banco Central de independência. E aí?”. Eu falei: “Presidente, eu sei, eu estou acompanhando isso. Não tem problema. Vamos combinar o seguinte: nós temos um acordo de independência, eu vou honrar o acordo. Só que, como a lei não foi aprovada, o senhor tem a prerrogativa de me exonerar a qualquer momento, porque isso seu e não um problema meu”. E assim tocamos oito anos. Ele me pediu uma vez. Ele me ligou, foi exatamente quando iniciou o segundo mandato, que tinha o PAC e tinha uma meta de crescimento, que eles queriam crescer acima de quatro, cinco. Ai ele me falou: “Meirelles, o pessoal me explicou aqui  que para a gente conseguir essa meta esse ano seria uma determinada medida a ser tomada na próxima reunião do Copom. E você sabe, Meirelles, que eu nunca te pedi nada até agora”. Eu falei: “É verdade, senhor, em quatro anos, nunca tinha pedido nada”. Expliquei para ele por que aquela decisão que eles tinham dito para ele que era boa, não é a funcionar; e ele: “Não, Meirelles, mas realmente me explicaram aqui, eu acho importante que vocês estão nessa decisão”. Eu polidamente encerrei: “Presidente, fique tranquilo que nós vamos tomar a melhor decisão para o país”, que não foi a decisão que eles estavam querendo ou que ele tinha me pedido. Ficou meio zangado, certo? Viajamos inclusive para Davos, no dia seguinte, ficou zangado lá na parte do avião presidencial. Mas aí, um dia, passado poucas semanas, na volta, eu estava lendo uma coluna que tinha na segunda página do O Globo e estava lá. No final, tinha uma notinha. O título era: “A raiva passou”. Aí o diretor do Banco Central vieram me perguntar: “O que é isso?” Eu falei: “A mágoa passou, tudo volta ao normal, esquece e a vida continua”.

Nos dois governos Lula, a gente trouxe isso aqui hoje, está no Lula três. O senhor chegou a ser, inclusive, cotado para o Ministério da Fazenda. Lembro que a gente teve reiteradas conversas no fim de 2022 sobre isso. Mas eu queria saber do senhor, na área econômica ou até mesmo de governabilidade, o que difere o Lula um, dois com esse três?

A grande diferença é na questão fiscal. O Lula fez uma campanha antes de 2002 nas eleições anteriores, nas duas contra o Fernando Henrique a que ele disputou contra o Collor, ele fez uma linha de expansão fiscal na campanha, ele fez uma campanha estatizante. Em 2002, a equipe dele levou para ele uma proposta de ele fazer um movimento ao centro. Então, ele escreveu a Carta aos Brasileiros, que era uma carta de controle fiscal. Ele assumiu. A equipe econômica era muito boa. Tinha lá na fazenda diversas economistas de grande conhecimento técnico, etc. Então ele executou essa política de austeridade fiscal e deu muito certo. Agora, principalmente como resultado da polarização entre ele e o Bolsonaro, ele fez uma campanha realmente à esquerda, no sentido de ser estatizante, tampar e induzir o crescimento, gastando mais. Então, isso é bem diferente do que ele fez no primeiro mandato, onde não é uma questão de tentar chegar a um déficit zero. Lá, ele teve um superávit de mais de 4%. Então, isso é uma diferença muito grande e o país com isso cresce no prazo médio. O que nós precisamos ter cuidado é exatamente essa trajetória da dívida pública. E, principalmente, durante o próximo mandato, seja quem for o eleito, ele ou outro, pode, aí sim, começar a chegar a patamares um pouco mais arriscados.

Para a gente encerrar, eu tenho duas perguntinhas rápidas e básicas. Uma delas, na verdade, são três. Uma vou emendar duas e a última para a gente encerrar. Eu queria saber sobre 2026. Quais são as expectativas do senhor para as eleições de 2026? A gente sabe que Lula vai ser candidato à reeleição. E aí tem aquela divisão do bolsonarismo. Mesmo que você seja economista, ex-ministro da Fazenda, o senhor atua na área política e tem se mostrado cada vez mais atuante nos bastidores. Queria saber uma visão do senhor sobre 2026. Eu queria saber aí também para a situação econômica. Há um prazo de dez anos, nós vamos para a frente na economia.

Olha, em primeiro lugar, em relação a 2026, é o que você disse, o Lula, tendo condições de saúde, etc, ele é o candidato. E, apesar da popularidade hoje, a aprovação do governo está um pouco mais baixa, ele tem uma possibilidade enorme, é o favorito para ganhar a eleição. Temos aqui, do outro lado, governadores aí que são potenciais candidatos à direita. O Tarcísio, o próprio Ronaldo Caiado, Ratinho, Zema. Mas, em primeiro lugar, tem que ali a direita, porque de um lado tem o Bolsonaro, bolsonarismo, e esses governadores, que não necessariamente estão totalmente ali. Poderão estar totalmente aliados na hora da eleição. Então, vai depender muito disso para saber se haverá ou não um candidato competitivo em relação a eleição com o Lula, que é um candidato fortíssimo, como sabemos. Por outro lado, se nós olharmos aí à frente, ao longo dos próximos dez anos, eu acho que o Brasil tem todas as condições de aumentar a taxa de crescimento e mudar o padrão. Basta fazer duas coisas: primeiro, num certo momento, fazer exatamente a estabilização fiscal, de maneira que a dívida pública não comece a chegar a patamares elevados, 80 a 90% do PIB, porque aí pode complicar lá na frente, taxas de juro, taxa de inflação ficarem muito grande. E o outro lado, é necessário também fazer algumas reformas da produtividade para aumentar a produtividade, que uma delas importante é a reforma tributária. Eu, quando estava no Ministério da Fazenda, eu fiz um convênio com o Banco Mundial e nós deixamos uma proposta de diversas iniciativas, diversas reformas, para que o Brasil pudesse crescer mais. E é possível, portanto, fazer, basta ter um governo focado não só na disciplina fiscal, mas também no aumento da produtividade e todas as reformas. Vamos aguardar.

O presidente do BACEN falou que conversou com Caetano Veloso e que tem uma arte para escrever a ata do Copom. Realmente existe essa arte por trás da ata do Copom. Até que o Galípolo falou que as pessoas não têm o prazer de ler ata do Copom, como se lê a poesia do Caetano Veloso. Mas realmente existe essa arte para escrever sobre a taxa de juros.

Olha, é uma forma de arte. A questão da ata do Copom é que ela tem que dar uma explicação muito precisa sobre as razões que levaram o Copom a tomar uma determinada decisão, fazer uma análise da economia que levou a isso e fazer uma previsão para os passos seguintes. Então, isso envolve, de um lado, um bom conhecimento técnico, uma redação muito bem articulada para que os agentes econômicos tenham uma visão clara do que está acontecendo. Então, tem uma arte nesse aspecto, mas é evidentemente uma escrita, digamos, a ata do Copom, é um documento que é feito para ser bem entendido. Essa é a prioridade, não é escrever bonito, é para ser bem entendido e preciso. O Banco Central está começando a fazer umas outras formas paralelas, eu estava vendo hoje, uma série de coisas lá do site do Banco Central, tudo bem, para tentar popularizar o Banco Central, agora é importante como que não fale de política monetária e não se arrisque a lançar dúvida sobre o conteúdo da ata, que tem que ser seco, direto e preciso.

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