Depois que terminou o mandato como deputado federal, Rodrigo Maia tornou-se presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, que reúne as principais entidades do setor, incluindo a Federação Brasileira de Bancos. Desse posto, observa atentamente o cenário econômico brasileiro e conta em entrevista à coluna que tem gostado do que vê.
Segundo o colunista Chico Alves, do Uol, Maia discorda de várias posições de Lula e dos governistas: considera correto o trabalho do Banco Central, tão criticado pelo presidente; avalia que os juros de longo prazo são referência mais importante que a taxa Selic, que está hoje em 13,75%. e não compartilha da impressão de que o presidente da Câmara, Arthur Lira, atue contra o governo.
Quanto à condução da política econômica, no entanto, ele faz comentários elogiosos. Tem boa avaliação sobre o desempenho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Tinha muita pressão do PT para que não houvesse nenhum arcabouço fiscal, nenhuma regra. Ele foi vitorioso tanto dentro do governo como no Congresso”, diz o ex-presidente da Câmara. “Agora está terminando de votar”.
Sobre o efeito da cada vez mais provável queda na taxa de juros, Maia contraria os dados que apontam o setor que representa como o que mais se beneficiou com a manutenção em patamares tão altos. “O setor é o que menos ganha com a taxa de juros alta, porque ela gera automaticamente um aumento da inadimplência. É onde os bancos perdem muito dinheiro”, defende.
Uol – Como vê a cobrança para o Banco Central baixar a taxa de juros?
Rodrigo Maia – O tema dos juros às vezes gera a mesma paixão do futebol. Impacta muito a vida das pessoas, então é natural que seja assim. A grande notícia que nós tivemos, que mostra que o caminho do Banco Central é correto, foi a decisão do Conselho Monetário Nacional, a frase do Haddad de que a mudança na meta de 3% poderia gerar uma expectativa de leniência do governo com a inflação.
O Banco Central, nesse caminho longo de críticas contundentes, não apenas da parte do governo mas também do empresariado, mostra que independente de a taxa ser 13,75%, 14% ou 13,5%, isso tudo não é tão relevante, até porque o juros de longo prazo já caíram. Com sua autonomia, o BC vai trabalhando com os dados que tem para se chegar ao objetivo.
Em um encontro que o presidente do BC estava presente, a empresária Luiza Trajano pediu que o corte na taxa de juros seja maior que 0,25%, que é a aposta da maioria. Qual o patamar que o sr. acha razoável?
Difícil avaliar quanto tem que cair ou se isso é o mais importante. Até onde eu sei, a longo prazo [a taxa de juros] já está em 11%. Caiu 2%.É a mesma coisa que eu chegar na loja, em um setor varejista, e falar: “A inflação do seu setor está caindo, aí já está na hora de você baixar o seu o preço para o consumidor pagar mais barato”.
Claro que a taxa de juros é uma referência que impacta toda a economia. Essa questão de discutir o percentual da queda, quanto e quanto vai cair, é direito de todos nós, dar opinião, criticar ou elogiar decisões do Banco Central. São opiniões válidas, importantes, e tenho certeza que são todas avaliadas pelo Banco Central, sempre.
Mas acho muito mais importante a referência de juros de longo prazo.
Não quer tentar arriscar prever qual será a redução?
Há uma tendência clara dos atores econômicos de compreender que os juros no Brasil será mais baixo que foi nos últimos meses. Isso de alguma forma já atingiu os juros futuros e certamente nas próximas reuniões o Copom vamos ver também. Qual o percentual? Aí é uma decisão que cabe aos técnicos.
O Banco Central tem capacidade de fazer avaliação. Toda decisão que seja equivocada gera repercussões. O BC manteve juros altas últimas reuniões, os juros futuros já caíram. Então o próprio mercado vai ajustando a posição. Mesmo que a decisão do Banco Central tenha que estar baseado em dados técnicos e na meta de inflação, que foi mantida em 3%. Se o governo entendesse que tinha um caminho ajustando a meta de inflação, teria feito.
Se o governo mantém a meta para os próximos três anos, esse é o objetivo que o Banco Central tem que atingir.
O que achou dessa nova meta contínua, que passará a ser a meta do governo para a inflação, a partir de 2025?
Acho a decisão correta, para não ficar mais nessa questão todo ano, se vai subir a meta, se vai baixar a meta. A meta do Brasil para o atual governo até 2026 é garantir o objetivo de uma inflação permanente de 3%. Ela dá razão à política monetária do Banco Central e tira os sobressaltos dos debates e pressões para mudanças de meta em um curto prazo.
O setor financeiro, que o sr. representa hoje, é o que mais lucra com a taxa de juros nesse patamar. Como as entidades financeiras estão vendo essa provável baixa na taxa de juros?
Ao contrário. O setor é o que menos ganha com a taxa de juros alta, porque ela gera automaticamente um aumento da inadimplência. É onde os bancos perdem muito dinheiro. Os bancos não ganham . Quanto mais estabilidade na economia, quanto mais a economia cresce, quanto mais os atores econômicos estão crescendo, estão vendendo mais produtos, tendo mais rentabilidade, menor o risco dos bancos. Tanto para cliente Pessoa Física quanto Pessoa Jurídica.
O aumento da taxa de juros restringe crédito, restringe o produto que em tese dá mais rentabilidade aos bancos, que é o crédito. Então, para os bancos, a taxa de juros alta, ao contrário do que muitos imaginam, não gera rentabilidade, de forma nenhuma.
A maior rentabilidade é a estabilidade e uma economia onde os atores econômicos, a sociedade, possa estar ampliando a sua renda. Tanto para Pessoa Física quanto para Pessoa Jurídica.
Qual é a sua avaliação da política econômica do governo? Haddad tem recebido aplausos, depois de começar enfrentando desconfiança que parecia infundada.
Isso aconteceu no começo da gestão porque a narrativa de fora do Ministério da Fazenda era divergente da política que está sendo implementada pelo Haddad. Quando os atores econômicos entenderam que a posição do Haddad, no final das contas, era a posição que prevaleceria e continua prevalecendo na agenda econômica do governo, isso gerou repercussão positiva. O Haddad tem feito um ótimo, um excelente trabalho.
Ele encaminhou o arcabouço fiscal fazendo mudanças no teto de gastos, mas não acabando com ele completamente. Reorganizou. Tem o desafio grande nesse arcabouço a partir do segundo semestre, que é a questão da arrecadação. A gente ouve bastante, tanto no Brasil quanto no exterior, que esse é talvez o ponto de interrogação. Mas se organizou minimamente a questão fiscal do país.
É um instrumento realista de controle fiscal?
Para sua execução, o governo vai certamente precisar olhar tanto a necessidade de não baixar as receitas como a possibilidade de também começar a olhar as despesas do governo. Então acho que ele deu o primeiro passo importante, tinha muita pressão de PT para que não houvesse nenhum arcabouço fiscal, nenhum nenhuma regra. Ele foi vitorioso tanto dentro do governo como no Congresso. Agora está terminando de votar na Câmara.
O segundo desafio dele é certamente a reforma tributária, o grande desafio e a grande votação para o governo e para o país, uma reforma tributária que, pelo menos nos impostos diretos, organize o sistema tributário brasileiro.
Esse ambiente mais otimista para a economia tem reflexo na relação do governo com o Congresso, nesse processo de formação de uma base de governabilidade?
Sempre ajuda. Diante do governo bem avaliado, é óbvio que o político tem sempre uma relação diferente. Um governo bem avaliado na economia lembra a frase do assessor do Bill Clinton (ex-presidente americano): “É a economia, estúpido”.
Então, é óbvio que isso impacta a relação do governo com o Congresso. Isso não me preocupa. O que preocupa mais, como ex-deputado e ex-presidente da Câmara, e não mais como representante da indústria financeira, é que o sistema democrático presidencialista permite ser governo com minoria. O parlamentarismo, não. No parlamentarismo, o governo cai. Mas no presidencialismo você pode governar com minoria.
Isso significa legislar pouco, legislar menos. O que me preocupa é uma narrativa que eu acho muito forte, de que não estão deixando o Lula governar. O Poder Executivo é eleito para executar as políticas públicas que ele encaminha para o Congresso.
Acho que essa é uma questão que o governo tem de refletir. Governar com minoria é um direito, mas significa uma redução da produção legislativa.
E quanto à reforma tributária?
O governo tem uma sorte de sua agenda ser convergente com a agenda que foi proposta pela própria Câmara dos Deputados, lá em 2019. Então, eu acho que as peças mais importantes o governo certamente vai conseguir aprovar, do meu ponto de vista sem maiores conflitos. Mas depois precisa ter essa compreensão.
Na MP dos Ministérios, eu vi na imprensa muita interpretação da base governista, o próprio governo reclama muito do Arthur Lira. Há muitas narrativas. A minha análise, olhando de longe, pela minha experiência acho que se não fosse o Arthur essa matéria tinha caído [Caso a Medida Provisória não fosse votada, o governo Lula teria que trabalhar com o mesmo organograma do governo de Jair Bolsonaro]. E ele ficou com a fama de ter prejudicado o governo, de que pressionou mais do que devia.