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segunda-feira 26 de dezembro de 2022 às 06:22h

Haddad deixou marca como gestor, mas foi alvo por atropelos e diálogo falho

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Obstinado para uns, teimoso para outros. A persistência de Fernando Haddad (PT) como gestor público deixou marcas na educação e na cidade de São Paulo. Algumas se consolidaram após críticas iniciais, como o Prouni e as ruas abertas para pedestres. Outras, como a reformulação do Fies e o táxi preto, revelaram-se problemáticas. A reportagem é de Angela Pinho e Artur Rodrigues,da Folha de S. Paulo.

À frente do Ministério da Educação (2005-2012) e da Prefeitura de São Paulo (2013-2016), o futuro ministro da Fazenda de Lula trabalhou em contextos opostos.

Em Brasília, com explosão de recursos para investir em meio a crescimento do PIB e da fatia do orçamento destinada ao MEC.

Na capital paulista, com escassez após os protestos de 2013 e a queda dos repasses federais em meio à crise política e econômica do governo Dilma Rousseff (PT).

Apesar da diferença, algumas características se mantiveram constantes.

Tanto no MEC como na prefeitura, Haddad buscou obter espaço no orçamento com aumento da arrecadação de fontes já existentes e economia em contratos correntes.

Nessa linha, em sua passagem pelo governo federal, promoveu medidas para ampliar a arrecadação do salário-educação e derrubar a DRU (Desvinculação de Receitas da União) para a educação, medida que permitia ao governo utilizar como quisesse até 20% dos gastos obrigatórios.

O mecanismo depois voltou a vigorar no governo Michel Temer (MDB) e foi renovado na semana passada pelo Congresso, com a anuência do governo eleito.

Com o Prouni, que desenhou em parceria com sua esposa, Ana Estela, Haddad conseguiu trazer para a educação, por meio de isenção fiscal, recursos que se fossem pagos iriam para o caixa geral do governo.

O programa abate parte dos tributos devidos por instituições de ensino em troca de bolsas de estudo.
Entre a responsabilidade fiscal e o Fies

Ao articular no Congresso a aprovação do piso salarial do professor, projeto de Cristovam Buarque, mais de uma vez Haddad manifestou preocupação com o fator de correção introduzido pelos parlamentares na lei, maior que a inflação. Sua posição foi vencida, e o percentual de reajuste dos salários dos docentes é até hoje alvo constante de reclamações de prefeitos.

Por outro lado, é da época de sua gestão no MEC a redução dos juros do Fies, programa de financiamento estudantil, para uma taxa menor do que a inflação. A medida fazia parte de pacote de mudanças no programa que incluiu o fim da exigência de fiador.

O empréstimo, na prática, virou subsídio. Sem exigência de qualidade, faculdades particulares aderiram em massa ao programa, e a inadimplência explodiu em anos seguintes.

Aliados de Haddad atribuem a decisão da redução de juros do Fies a medida do Conselho Monetário Nacional, mas à época o então ministro da Educação comemorou a medida como “histórica”.

Recentemente, Haddad justificou que, em seu último ano à frente do MEC, em 2011, o Fies financiou cerca 150 mil estudantes, número previsto no Plano Plurianual de 1998 (governo FHC) e “muito aquém das necessidades de acesso à educação no país”.

Na prefeitura, na área das finanças, o petista realizou ações para desafogar o orçamento, mas foi alvo de críticas até de aliados por demorar a recuar do reajuste das tarifas de ônibus em meio aos protestos de 2013, outro fruto da insistência em manter os planos —ou teimosia, para os críticos.

Com poucas verbas devido à crise econômica, Haddad deixou a cidade com grandes obras paralisadas, entre as quais a de um hospital, e muitos problemas de zeladoria. O número de buracos tapados caiu para menos da metade no período, de 76 mil em 2013 para 36 mil em 2016.

“Ele cobrava muito fortemente a questão do bom uso do dinheiro público. Logo no começo [da gestão] teve um corte de 20% de todos os contratos, e ele acompanhava muito os resultados”, lembra Luciana Temer, que foi secretária de Assistência Social na gestão de Haddad.

Além de promover o corte, no primeiro ano de sua gestão na prefeitura, Haddad criou a CGM (Controladoria Geral do Município), que descobriu a máfia dos fiscais, responsável pelo desvio de mais de R$ 500 milhões em valores da época.

No último ano do mandato, obteve a renegociação da dívida com a União, que fez o saldo devedor da cidade despencar de R$ 74 bilhões para R$ 27,5 bilhões.

40 DIAS DE GRAU DE INVESTIMENTO

A renegociação permitiu que a cidade obtivesse pela agência Fitch em 12 de novembro de 2015 o chamado grau de investimento, selo de bom pagador que facilita a obtenção de crédito.

A nota da agência citou a redução da dívida e o patamar de gasto do município com pessoal de 40%, abaixo dos 60% permitidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mas o próprio texto já mencionava uma “perspectiva negativa” devido ao rebaixamento anterior da nota do Brasil.

Não deu outra. Em 16 de dezembro, a agência tirou o grau de investimento do Brasil e, seis dias depois, fez o mesmo com a cidade de São Paulo e outras localidades do país sob o argumento de que, devido às características institucionais brasileiras, nenhum ente subnacional conseguiria ter uma nota maior que o nacional.

Durou 40 dias o grau de investimento paulistano.

METAS E POPULARIDADE ENTRE PAULISTANOS E POLÍTICOS

Com orçamento reduzido e crise econômica, Haddad manteve o plano de metas apresentado ao assumir. Ao fim do governo, havia cumprido integralmente 67 de 123 e era reprovado por 40% e aprovado por apenas 18% da população, segundo o Datafolha.

A baixa popularidade se refletiu na tentativa de reeleição, na qual obteve apenas 16,7% dos votos. Pela primeira vez na cidade desde a instituição de dois turnos, o pleito foi definido ainda na primeira rodada, com vitória de João Doria, então no PSDB.

Se as metas foram mantidas por Haddad na prefeitura mesmo após o orçamento minguar, no MEC indicadores e planilhas também deixaram marcas na gestão do petista. Após boa parte da esquerda passar anos criticando avaliações federais, Haddad ampliou a medida para todas as escolas públicas do país, criando a Prova Brasil.

Cada escola, município e estado do país ganhou uma meta, com o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

A divulgação dessas notas, assim como posteriormente das médias do Enem por escola, causou celeuma entre prefeitos e donos de escolas, que temiam os danos à reputação com a exposição de índices baixos de desempenho.

Auxiliares de Haddad lembram da romaria de políticos que iam ao MEC tentar demovê-lo da ideia. No meio da conversa, não resistiam à curiosidade e pediam para ver as notas do seu estado, da sua cidade, da escola dos filhos. A divulgação foi mantida.

ENEM E CICLOVIAS: MARCAS PRÓPRIAS E CRÍTICAS À FORMA

No ministério, outras marcas de Haddad foram a série de inaugurações de universidades e escolas técnicas federais e a reformulação do Enem.

Haddad anunciou sua intenção de transformar o exame em substituto dos vestibulares em reunião com reitores em uma noite de março de 2009.

Em outubro, exemplares da prova foram furtados na gráfica Plural, empresa na qual a Folha tinha participação minoritária. Após o desgaste do adiamento da prova, outras falhas se seguiram, como erros na divulgação de gabaritos.

Nomes ligados ao PSDB, como a ex-secretária da Educação paulista Maria Helena Guimarães Castro, atribuíram os problemas à forma considerada açodada de mudar o exame, que hoje ainda é o principal processo seletivo do país.

Outra política pública de Haddad vista como importante, mas com críticas por supostos atropelos na execução, foi a expansão das ciclovias em São Paulo.

Embora sua gestão tenha promovido uma ampliação rápida das vias para bicicletas, construindo 400 km delas, houve trechos mal projetados e que geraram discórdia.

Na ocasião, o vereador Antonio Donato (PT), ex-secretário de Haddad, usou o plenário da Câmara para cobrar mais qualidade nos projetos. Ele disse que a política deveria ser debatida “não só com ciclistas, mas com moradores, comerciantes e todos os envolvidos, porque a rua não é só do ciclista”.

A disputa pela rua se deu também com a criação de faixas de ônibus e a proibição de carros na avenida Paulista aos domingos. Apesar das críticas iniciais, as duas políticas foram mantidas e tiveram apoio da população.

Mesmo destino não teve o táxi preto, criado em 2015 pela gestão Haddad para concorrer com o Uber Black —modelo mais luxuoso do aplicativo de transporte.

Para aderir à modalidade, taxistas chegaram a pagar R$ 60 mil na época pelo alvará. Dois anos depois da criação do modelo, nove em cada dez estavam endividados. O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a prefeitura a devolver os valores, o que irá ocorrer.

FOGO AMIGO

No Ministério da Fazenda, além de ideias, Haddad terá que ter capacidade política de implementá-las.

Em sua passagem pelo MEC, ele não teve grande dificuldade para aprovar projetos. O principal, além do piso do professor e do Fundeb, foi a extensão do ensino obrigatório para o ensino médio e a pré-escola —antes, só o fundamental era compulsório.

As propostas saíam de um núcleo duro que mesclava pessoas experientes com nomes mais jovens, alguns dos quais Haddad havia conhecido na vida acadêmica.

O então secretário-executivo José Henrique Paim, ministro da Educação em 2014, lembra que o chefe também costumava chamar a Brasília acadêmicos críticos das políticas da pasta para ouvir suas colocações, como o economista Claudio de Moura Castro.

Já na prefeitura, em meio a um orçamento enxuto, a realidade política foi diferente. Com uma base ampla, Haddad conseguiu aprovar projetos importantes como o Plano Diretor e a Lei de Zoneamento, mas não escapou de tensão com vereadores que se queixavam de não ser atendidos, em um cenário que articulação política algumas vezes acabava terceirizada.

Ao longo da gestão, Haddad se cercou de um grupo de acadêmicos, técnicos e pessoas próximas, que não participavam do cotidiano partidário. Por ouvir mais esse núcleo do que a sigla, era alvo constante de fogo amigo do PT.

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