“Nós precisamos chamar a responsabilidade do Estado”, diz a promotora de justiça Thelma Leal ao falar sobre o sistema ferry-boat, que faz a travessia entre Salvador e a Ilha de Itaparica. Ela é uma das convidadas do apresentador Fernando Sodake na edição 103 do podcast Eu Te Explico.
Além da promotora, que é presidente da Associação Nacional dos Promotores do Consumidor, faz parte do episódio o historiador Murilo Mello.
Durante a conversa é possível identificar que os problemas no sistema ferry-boat estão além das queixas trazidas por usuários, como filas, sujeira nas embarcações, serviço abaixo do esperado e tarifas consideradas altas.
Existem também problemas na relação contratual entre o Estado e a empresa que administra o sistema, a Internacional Travessias Salvador (ITS). Esse cenário ajuda a entender como o sistema, que começou a operar na década de 1970, se tornou um problema.
A promotora Thelma Leal explicou que, em 2014, foi assinado o contrato de concessão entre o governo do Estado e a ITS. No meio dessa relação está a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba), autarquia ligada ao poder público que tem o dever de fiscalizar o trabalho da ITS.
A promotora relata que, ao firmar o contrato de concessão, o governo assumiu o compromisso de adquirir um terreno para construção de uma oficina onde embarcações pudessem passar por manutenção. Isso nunca aconteceu e, desde então, o que se vê são sucessivos problemas contratuais que se refletem na prestação do serviço.
“Dez anos se passaram, o Estado nunca adquiriu esse terreno e o mais grave é que todas as cláusulas do contrato estão atreladas a cláusula da aquisição desse terreno. […] Há um descumprimento bilateral do contrato”, disse.
A promotora sinalizou que, em março deste ano, uma fiscalização no sistema ferry-boat identificou irregularidades. Foram identificados, por exemplo, problemas de segurança e falta de acessibilidade.
Ferry substituiu os antigos vapores
O professor de história Murilo Mello contou que, no início da década de 1970, quando o sistema ferry-boat foi inaugurado, o serviço surgiu como opção mais moderna que as antigas embarcações chamadas de “vapores”, que faziam trajetos marítimos pelas cidades da Bahia.
“O ferry fez com que a distância fosse percorrida de maneira mais rápida, mais célere. Ele conseguiu imprimir novos tempos nessa forma de transporte. Era mais rápido, eficiente, conseguia transportar automóvel e, consequentemente, trazia benefício aos moradores da ilha e de Salvador”, disse.
Entre 1970 e o início da década de 90, o ferry-boat ainda era o meio de transporte prioritários para demandas diárias da população que precisava fazer a travessia Salvador – Itaparica. Após esse período, com a ampliação da malha viária com rodovia como a Linha Verde, veranistas mudaram suas rotas e o serviço gradativamente deixou de ser tido como referência de qualidade.
O que dizem os órgãos envolvidos
A produção do Eu Te Explico procurou a Secretaria de Infraestutura, a Agerba e a ITS para discutir os desafios na gestão do sistema ferry-boat e explicar o cenário trazido neste episódio.
A Agerba a informou que não teria ninguém disponível para participar. A equipe da ITS, por meio da assessoria, indicou que não havia um porta-voz à disposição.
O governo do Estado, por meio da Secretaria de Infraestrutura, enviou o seguinte esclarecimento:
Com relação ao terreno para docagem, o Estado da Bahia destinou formalmente uma área anexa ao Terminal de Bom Despacho, na Ilha de Itaparica, para o cumprimento da obrigação contratual de disponibilização de área para a construção de instalações, denominada dique seco ou carreira de docagem, destinada à manutenção das embarcações do Sistema Ferry-Boat. Contudo, a área desapropriada foi ocupada por habitações precárias e atividades comerciais não regulares, o que impossibilitou circunstancialmente a destinação da área.
Visando encontrar uma solução imediata para a situação da docagem, a Secretaria de Infraestrutura da Bahia (Seinfra) iniciou tratativas para a contratação de uma empresa vinculada ao Ministério da Defesa, para execução dos serviços de docagem das embarcações na Base Naval de Aratu. A proposta comercial já está em análise pela Agerba.