Em 21 de abril de 1960, o Brasil inaugurava com pompa sua nova capital, Brasília, uma cidade futurista, construída do nada em pleno Planalto Central, emoldurada por obras-primas da arquitetura.
Segue um relato da fundação da capital, com base em conteúdo da AFP publicado na época.
Marco da história das cidades planejadas, Brasília emergiu em menos de quatro anos, a partir de 1956, em um planalto vazio, frequentemente confundido com um deserto no centro-oeste do país.
Foi erguida a mil quilômetros do Rio de Janeiro, que foi capital do Brasil desde 1763, na costa sudeste, relata a AFP às vésperas de vários dias de festividades. Abriga, ainda, um lago artificial, o Paranoá, com mais de 40 km2.
Brasília resultou do projeto de modernização nacional do então presidente Juscelino Kubitschek, para quem Brasília “é uma revolução geopolítica. Após ter se alojado por quase 200 anos às margens da água, o Brasil agora vai tomar posse de seu território”.
Inserida em 1987 na lista do patrimônio mundial da Unesco, a cidade de arquitetura moderna foi concebida pelo urbanista Lúcio Costa, o paisagista Roberto Burle Marx e o arquiteto Oscar Niemeyer.
Em 1988, Niemeyer ganharia o Pritzker Prize, considerado o prêmio Nobel da arquitetura.
Grande circunferência
A data da inauguração coincidiu com o aniversário, em 1792, da morte de Tiradentes, primeiro mártir da independência do Brasil, que havia pedido que a capital fosse realocada para a região central do Brasil.
À medida que a data se aproximava, noite e dia, “100.000 operários, engenheiros e técnicos davam os toques finais à maior área de construção do mundo”, reportou a AFP.
“Para acomodar os construtores de Brasília, uma cidade provisória foi criada… no meio da cerrado”, com “150.000 habitantes, 60 hotéis, 40 bares e sete bancos”, condenada a ser demolida quando a construção de Brasília estivesse concluída.
Brasília “tem a forma de uma circunferência – tão grande que, do topo do arranha-céu de 28 andares onde os serviços administrativos do Parlamento serão abrigados, os limites (da cidade) não são visíveis”, acrescentou a AFP.
“Dentro dessa circunferência”, cujos dois diâmetros desenham o sinal da cruz, “as avenidas… têm a forma de círculos concêntricos”, ou “são dispostas para seguir o raio do círculo, mas não levam uma à outra, enquanto pontes e túneis foram colocados em todos os entroncamentos”.
Joias da arquitetura
O Congresso Nacional, com seus edifícios semiesféricos, o Palácio do Planalto (sede da Presidência) e o Supremo Tribunal Federal se situam na Praça dos Três Poderes, que fica no centro da circunferência e coração da cidade.
Entre os monumentos mais belos de Brasília está sua catedral, com seu enorme feixe de colunas de concreto, simbolizando a amizade entre Brasil e Portugal, a antiga metrópole, e o Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores.
A princípio, no entanto, a transferência de poder do Rio para Brasília foi, antes de mais nada, simbólica.
“A construção interna dos numerosos edifícios públicos não estava terminada, os escritórios não foram completamente concluídos e, mais que nada, os elevadores funcionavam frequentemente de forma precária”, escreveu a AFP na véspera da inauguração.
A rede interna de telefonia não era veloz, e problemas de última hora surgem em conexões de rádio com outras cidades.
Com grandes distâncias a percorrer, também é difícil circular por uma área urbana praticamente sem transporte.
Milhares comemoram
Apesar de tudo, as comemorações são a ordem do dia.
Em 20 de abril, “brasileiros, que nas últimas 24 horas, convergiram para a nova capital, deram vazão ao seu entusiasmo diante de obras-primas da arquitetura”.
O presidente recebeu as chaves da cidade em frente a “uma multidão de cerca de 3.000” pessoas, onde operários em calças jeans se misturavam a camponeses do planalto com os rostos queimados de sol, turistas de Rio e São Paulo vestidos de branco e autoridades e parlamentares trajando ternos escuros.
O então núncio apostólico, cardeal Manuel Cerejeira, abençoa a cidade, usando uma cruz, em cuja base foi celebrada a primeira missa no Brasil, em 1500.
Além das cerimônias religiosas, as festividades que se estendem por dias incluem uma exposição, uma parada militar e uma procissão de operários que trabalharam na construção da nova capital.
No dia 21, as autoridades se instalam em Brasília.
“As fachadas dos prédios públicos são todas feitas com janelas salientes. Assim, as pessoas conseguem ‘checar’ constantemente o trabalho dos servidores do Estado”, reportou a AFP em 23 de abril.
Quatro anos após a inauguração de sua nova capital, que sobrecarrega as finanças do país por vários anos, o Brasil sofre um golpe de Estado, que instaura uma ditadura militar que vai se estender até 1985.