O direito antidumping provisório, uma espécie de “liminar” da defesa comercial, havia sido aplicado uma única vez pelo governo brasileiro nos últimos cinco anos e agora volta a ser utilizado para proteger a indústria de luvas não cirúrgicas do país. O setor alega que reduziu em 90% sua produção em decorrência de práticas ilegais de alguns países asiáticos.
Segundo Tatiana Prazeres, secretária do Comércio Exterior, o uso do instrumento sinaliza a intenção do governo de “abrir a caixa de ferramentas” da defesa comercial, a fim de impedir práticas ilegais. Essa é uma orientação do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin.
No caso específico, a Targa Medical S.A, que produz estes equipamentos em fábrica no Rio de Janeiro, denunciou indústrias de China, Malásia e Tailândia por dumping. A prática é ilegal e consiste em comercializar produtos abaixo do custo de produção para eliminar concorrência.
Os órgãos de comércio exterior aplicaram uma tarifa antidumping para a importação destes equipamentos por seis meses, com sobretaxas que variam de 6,2% a 119,3%. As investigações começaram no ano passado e — segundo o Mdic — comprovaram a prática de dumping e dano à indústria doméstica.
“A investigação antidumping é naturalmente longa, porque é necessário respeitar o contraditório e haver verificações na empresa exportadora, no exterior. E o direito provisório, certa maneira, antecipa os resultados do processo para evitar que o dano à indústria doméstica se agrave durante a investigação”, explica Prazeres em entrevista à CNN.
O processo de investigação antidumping costuma durar cerca de 18 meses, o que, na avaliação do Mdic, é tempo suficiente para tornar irreversível o impacto à limitada indústria remanescente de luvas não cirúrgicas — equipamento utilizado em medicina, odontologia e veterinária.
Nos últimos cinco anos, o direito provisório foi aplicado uma única vez, para importações de éter monobutílico de etilenoglicol originário da França, em 2022. O produto é utilizado em solvente para tintas, óleo de freio, detergente para indústria automobilística, amaciante, química, agrícola, entre outros.
“Quando analisamos os instrumentos dispomos para a defesa comercial, aparece o direto provisório, que queremos usar com mais frequência, estando presente os elementos para sua adoção. Importante destacar a dimensão técnica da utilização da ferramenta, que está na legislação brasileira e internacional, mas não vinha sendo utilizado”, disse a secretária.
A CNN mostrou em fevereiro que o governo recebeu mais de 60 pedidos para investigações de defesa comercial desde o início do governo Lula — sendo 42 em 2023 e 18 somente nos primeiros meses deste ano. O número vinha em queda desde 2019 e agora voltou a subir.
O aumento registrado aconteceu ao mesmo tempo em que as importações ganham força no mercado industrial. O Coeficiente de Importação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) atingiu no ano passado seu pico na série histórica iniciada em 2004. 23,4% dos produtos consumidos internamente tiveram origem no exterior.
Mecanismo da OMC parado
Ainda sobre o bom funcionamento do comércio internacional, um dos pleitos do governo brasileiro à frente do G20 é a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), que têm seu Órgão de Apelação — última instância do mecanismo de solução de controvérsias — paralisado desde 2019
Há, basicamente, três instâncias: na primeira, os países-membros tentam encontrar soluções mutuamente satisfatórias; na segunda, há um painel de especialistas que analisa a disputa; na última, o país pode aceitar a decisão contrária às suas práticas ou ir ao Órgão de Apelação. Com a paralisação, não há sanção avalizada pela OMC.
Prazeres destaca vitórias importantes para o Brasil obtidas através do sistema da OMC ao longo da história e a importância, além do painel, do Órgão de Apelação para que hajam decisões vinculantes. Na análise da secretária, não há perspectiva para a retomada, especialmente com as incertezas das eleições nos Estados Unidos.
Em 2022, foi aprovada medida provisória que autorizou a Câmara de Comércio Exterior (Camex) a aplicar sanções comerciais unilaterais a países contra os quais o Brasil possui controvérsia pendente de julgamento de apelação na OMC.