As ministras do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, participaram do encerramento do processo nacional de formação e construção de dossiê popular sobre o acesso ao patrimônio genético e repartição de benefícios. A cerimônia aconteceu em Brasília, na última quinta-feira (25), antes da ministra Sonia ter um mal-estar.
A formação popular em acesso e repartição de benefícios teve cinco oficinas regionais, cada uma para cerca de 70 representantes de povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares. O processo educativo buscou reforçar os direitos desses grupos, a proteção de seus saberes e promover desenvolvimento sustentável.
“Quando os europeus chegaram aqui, trataram os indígenas como se fossem o rio, a árvore, o pedaço de pau, o peixe. E não como se fossem civilizações portadoras de uma cultura, de uma forma científica de estar no mundo”, afirmou Marina Silva. “Neste momento, estamos fazendo o resgate de nós mesmos”.
O resgate, completou a ministra, não se resume a povos indígenas e comunidades tradicionais, responsáveis por proteger grande parte do patrimônio genético brasileiro em seus territórios. “É o resgate dos brancos, da nossa humanidade, do respeito em nós”, discursou. “Se formos capazes de fazê-lo, nunca mais pretos, indígenas e pessoas que têm singularidades serão tratadas como se fossem ninguém.”
Projetos de bioeconomia que beneficiem tais grupos, destacou Marina, podem recorrer a mecanismos como o Fundo Amazônia e o Fundo Clima.
O Fundo Amazônia foi retomado em 2023 após quatro anos de paralisação com cerca de R$ 4 bilhões em caixa. Desde então, as novas doações anunciadas somam R$ 3,9 bilhões. O Fundo Clima foi relançado em agosto, com aporte de R$ 10,4 bilhões na modalidade reembolsável, gerida pelo BNDES.
“O Brasil, como um dos países mais biodiversos do planeta, deve liderar o reconhecimento de que essa riqueza é possível graças aos povos indígenas e à proteção de nossos territórios”, afirmou a ministra Sonia Guajajara. “É vital que os ganhos com a manipulação genética, aprimorada pela nossa ciência ancestral, sejam revertidos na conservação de nossos territórios e no bem-estar de nossos povos.”
O processo de formação foi realizado por projeto do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) executado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A coordenação técnica é do MMA.
“Os temas de biodiversidade, patrimônio genético e direitos são fundamentais para garantir a gerações presentes e futuras os usufrutos da sociobiodiversidade brasileira”, afirmou Claudio Providas, representante do PNUD no Brasil.
As oficinas abordaram a Lei da Biodiversidade, de maio de 2015, que reconhece o papel de destaque dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares. Entre outros pontos, a legislação garantiu o direito desses grupos a voto no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, criou o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios e trouxe reconhecimento legal aos Protocolos Comunitários Bioculturais.
O processo de formação tratou também de temas como o Decreto nº 8.722, de 2016, que regulamenta a Lei da Biodiversidade, e dos principais instrumentos de proteção dos conhecimentos tradicionais e controle social do sistema de acesso e repartição de benefícios no país.
“Nossos saberes nos garantem condições de reproduzir os nossos modos de vida, nossa organização social e nossos costumes”, afirmou Sonia. “São os conhecimentos tradicionais, na especificidade de cada povo, que nos fazem ser e continuarmos sendo indígenas.”
As ministras receberam durante a cerimônia o Dossiê Popular sobre o Acesso ao Patrimônio Genético, Acesso e Proteção ao Conhecimento Tradicional Associado e a Repartição de Benefícios. Após a mesa de abertura, houve oficina para representantes da sociedade civil debaterem estratégias e políticas públicas sobre o tema.
“A necessidade de garantir a participação da sociedade civil nos processos de construção de políticas públicas e legislações é fundamental para que conceitos erróneos e tutelares não continuem a se reverberar em mecanismos institucionais governamentais”, afirmou Cristiane Julião Pankararu, representante política da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.