O governo federal trabalha, no Congresso, para derrubar uma brecha legal aprovada na reforma da Previdência de 2019: a possibilidade de usar uma única contribuição, em valor alto, no cálculo da aposentadoria do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e se aposentar com um benefício maior.
O fim da chamada aposentadoria com contribuição única está no projeto de lei 4.491/2021, aprovado pela Câmara na terça-feira (15). De autoria do senador Sérgio Petecão (PSD/AC), a proposta resolve um impasse nacional sobre as perícias médicas do INSS na Justiça, paradas por falta de pagamento.
Desde setembro do ano passado, o Executivo deixou de custear os exames periciais nos processos contra o INSS na Justiça Federal, conforme determina a lei 13.876, de 2019. Com isso, muitas ações que pedem concessão ou revisão de benefícios por incapacidade estão paradas.
O projeto aprovado pelo Senado prorrogava a vigência da lei 3.876, determinando que o governo federal deveria custear as perícias até o dia 31 de dezembro de 2024. Na Câmara, porém, a proposta sofreu modificações.
Os deputados aprovaram pagamento de perícia por parte do segurado que perder a ação na Justiça contra o INSS e incluíram o “jabuti” contra a contribuição única na lei. Com isso, o projeto volta para o Senado.
Segundo o artigo 135-A incluído no projeto de lei, haverá divisor mínimo de 108 meses no cálculo da a aposentadoria dos segurados filiados à Previdência Social até julho de 1994. A regra não valerá para a a aposentadoria por incapacidade permanente, antiga aposentadoria por invalidez
“Para o segurado filiado à Previdência Social até julho de 1994, no cálculo do salário de benefício das aposentadorias, exceto a aposentadoria por incapacidade permanente, o divisor considerado no cálculo da média dos salários de contribuição não poderá ser inferior a 108 (cento e oito) meses”, diz o artigo.
De acordo com o advogado Rômulo Saraiva, especialista em Previdência e colunista da Folha, o discurso do governo é de que a brecha da contribuição única seria uma “invenção” dos advogados para poder burlar o sistema.
“Na realidade, existe uma literalidade da própria emenda 103, houve uma técnica, uma redação. Eles [legisladores] colocaram essa responsabilidade nos advogados, mas o texto da emenda 103 é de uma clareza significativa. Agora, querem fazer esse ‘remédio’ por meio desse projeto de lei”, diz.
Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), explica que o que vai ocorrer é a volta do divisor mínimo, que até 13 de novembro de 2019 era utilizado no cálculo de quem tinha poucos pagamentos a partir de julho de 1994.
“Não se trata de algo ilegal [o uso da contribuição única], mas não é algo que dê sustentabilidade para o sistema”, afirma o advogado, sobre o projeto atual.
O divisor considerava a quantidade de meses existentes entre julho de 1994 e a data do pedido da aposentadoria. Quem tinha poucos pagamentos em reais poderia acabar recebendo o salário mínimo.
Para Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), a contribuição única foi um erro da emenda 103. “Não tem nada ilegal, está lá, na lei, mas fere a questão da solidariedade. Não dá para a gente defender que a contribuição única estaria certa”, diz.
Como funciona a contribuição única?
A reforma da Previdência de 2019 criou a possibilidade de o trabalhador descartar, no cálculo da aposentadoria, quantas contribuições sejam necessárias para a ampliação da média salarial sobre a qual o benefício será calculado.
Isso só ocorre, porém, se o segurado tiver o número mínimo de pagamentos exigidos para pedir o benefício, que é de 180 contribuições, e desde que as contribuições descartadas não sejam utilizadas nem no INSS nem em outro regime previdenciário.
Desde abril do ano passado, nota técnica do INSS orienta que não sejam concedidas aposentadorias utilizando a regra da contribuição mínima, que consta na lei. No documento interno, o órgão recomenda a suspensão dos benefícios até que haja manifestação da procuradoria federal.
Na época, o instituto afirmou na nota que a concessão de benefícios nessas circunstâncias viola princípios do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, caracterizando abuso de direito e enriquecimento sem causa.
Para os especialistas, porém, a lei deve ser respeitada até que seja modificada. “Enquanto o projeto de lei não passar a ter sua vigência –ele precisa ser ratificado no Senado e precisa efetivamente adentrar no mundo jurídico– existe a possibilidade de as pessoas pagarem suas contribuições e ter oportunidade de se aposentar com essa regra”, afirma Saraiva.
“O INSS demonstrou, com a nota técnica, que não estaria respeitando essa ‘brecha’. A recomendação é que a pessoa pague, se quiser, valor maior, peça o benefício, o INSS certamente vai conceder um valor menor e, posteriormente, busque uma revisão por ter exercido seu direito na vigência da lei”, orienta.
Quem pode se aposentar com a regra
Um exemplo de aposentadoria com uma única contribuição seria a do trabalhador que tenha completado 15 anos de contribuição antes de julho de 1994 e atualmente já tenha atingido a idade mínima exigida. Se ele tiver mais seis contribuições pagas em reais, com valores menores, e uma contribuição pelo teto do INSS (R$ 6.433,57 em 2021), poderia descartar esses seis pagamentos e usar como referência para o cálculo só a contribuição pelo teto.
O perfil que se encaixa seria de segurados que recolheram contribuições antes de julho de 1994, já têm os 15 anos de carência e não têm muitos pagamentos depois do início do Plano Real.