Além de enfrentar a oposição de bolsonaristas, o projeto de lei que cria medidas de combate à disseminação de mentiras e discurso de ódio na internet divide o governo Lula. De um lado, conforme reportagem de Guilherme Caetano , do O Globo, está o ministro da Justiça, Flávio Dino, com uma visão mais punitivista em relação às plataformas. De outro, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), comandada por Paulo Pimenta, que está focada em exigir mais transparência das empresas quanto a seus algoritmos. O PL das Fake News já foi aprovado pelo Senado e tramita na Câmara dos Deputados.
Diante do impasse, a entrega das sugestões do governo ao relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), foi adiada duas vezes. Embora não tenha sido oficializado, um grupo interministerial tem se reunido duas vezes por semana para aparar as arestas.
Representantes de oito pastas participam dos encontros: Secretaria de Políticas Digitais, vinculada à Secom e responsável pela relatoria do documento; Casa Civil; Ministério da Justiça; da Ciência, Tecnologia e Inovação; da Cultura; dos Direitos Humanos; Secretaria de Relações Institucionais e Advocacia-Geral da União.
— Dino está focado em enfrentar os ataques golpistas e os crimes contra a democracia. A Secom tem uma visão mais larga, de regulação — afirma Orlando Silva, que diz esperar pelo recebimento das sugestões do governo na próxima quarta-feira.
Além do documento compilando a posição do Poder Executivo, o ministro da Justiça enviou a Orlando Silva uma minuta pessoal com dez recomendações. Uma das ideias de Dino é alterar o Marco Civil da Internet para obrigar as plataformas digitais a removerem conteúdo sem a necessidade de ordem judicial. Ele também defende incluir na proposta o crime de terrorismo e punição a conteúdo golpista nas redes sociais.
Após dois meses da invasão de 8 de janeiro na praça dos Três Poderes, em Brasília, o Senado e a Câmara dos Deputados ainda não conseguiram se recuperar totalmente das depredações deixadas nos salões legislativos. Obras e recuperações, que já custaram para a Câmara R$ 3.556.509,14 (três milhões, quinhentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e nove e quatorze centavos) e para o Senado R$ 483.082,98 (quatrocentos e oitenta e três mil, oitenta e dois reais e noventa e oito centavos), estão previstas até os últimos meses do ano.
Depois dos atos golpistas de 8 de janeiro, Dino anunciou que o governo editaria uma medida provisória prevendo punição a quem publicar conteúdo antidemocrático. A iniciativa foi descartada após pressão da sociedade civil e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Já a Secom tenta formular um texto mais focado em exigir mais transparência das plataformas em como funcionam seus algoritmos — e como afetam determinados direitos, principalmente em relação a crianças e adolescentes e à corrosão democrática. Há estudos relacionando o sistema de recomendação de vídeos do YouTube, por exemplo, à radicalização do usuário, que é levado a consumir conteúdo cada vez mais extremista e antidemocrático.
O texto elaborado pela Secom também deve corrigir o que considera distorções do projeto, como o artigo que estende a imunidade parlamentar para as redes sociais. João Brant, secretário de Políticas Digitais, é crítico desse tipo de blindagem.
Com tantas arestas a serem aparadas, o PL das Fake News já é tratado pelo governo como insuficiente. A estratégia é lidar com assuntos emergenciais agora e depois propor uma regulação mais completa.
— Estamos discutindo, ao mesmo tempo, contribuições para o (PL) 2.630 (das Fake News), e uma agenda mais completa. Enxergamos o 2.630 como um PL que hoje não trata de desinformação, mas de transparência e devido processo — diz Brant, para quem o projeto em discussão no Congresso resolve “apenas 10%, 15% dos problemas”.
Analistas avaliam as ideias encampadas pela cúpula do Executivo intervencionistas, e temem que a liberdade de expressão na internet seja afetada se o foco cair sobre punição a usuários.
Yasmin Curzi, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-Rio, e Mariana Valente, diretora do InternetLab, são críticas das iniciativas legislativas em curso. Para elas, o PL das Fake News não traz “medidas proporcionais para lidar com conteúdo nocivo e não prevê autoridade independente supervisora”.
— Não estamos falando só de abusos de terceiros, mas abusos das plataformas. Precisamos trazê-las para esse debate de apontar como a lógica do modelo de negócios, a viralização e o engajamento podem afetar a liberdade de expressão — diz Yasmin Curzi.