Um dia depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva celebrar a transparência como marca da sua gestão, a Controladoria-Geral da União (CGU) escolheu seguir conforme Francisco Leali, do Estadão, decisões tomadas durante do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro e manter em sigilo pareceres jurídicos do governo. Segundo o entendimento, nenhum cidadão pode conhecer as manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e das consultorias jurídicas dos ministérios aconselhando o presidente da República a sancionar projeto aprovado no Congresso ou vetar parcial ou integralmente a proposta legislativa.
Procurada pelo Estadão, a Controladoria recuou. O ministro da Pasta, Vinicius de Carvalho, disse que não sabia da decisão e determinou que ela seja anulada por seus subordinados. Ele defendeu que o tema seja melhor discutido com a AGU.
Na terça-feira, 16, quando a Lei de Acesso à Informação completou 11 anos de vigência, Lula participou de uma solenidade em que acusou o antecessor de ter “estuprado” a legislação e reduzido a transparência do governo.
Nesta quarta-feira, 17, a Controladoria tornou pública uma manifestação com 23 páginas. Nela, os auditores citam justificativas para manter o segredo de pareceres jurídicos construídas durante a gestão de Bolsonaro.
Em 2020, por exemplo, a AGU editou um parecer para sustentar que os pareceres que produz para orientar o presidente nos casos de veto a projeto de lei estão protegidos pelo sigilo que é previsto na relação entre o cliente e seu advogado. A AGU alegava ainda que divulgar esses pareceres poderia fragilizar eventuais defesas que a instituição conduz em nome do governo quando uma decisão presidencial é contestada na justiça.
O argumento foi inúmeras vezes repetido na gestão de Bolsonaro para negar pedidos formulados por cidadãos com base na Lei de Acesso à Informação. Boa parte dos casos envolvia requerimentos direcionados à Casa Civil e à Secretaria Geral da Presidência, sempre negados com a alegação de que a informação era protegida pelo sigilo profissional do advogado público.
Durante o governo da então presidente Dilma Rousseff não havia esse entendimento e esses documentos eram de livre acesso. Tanto que uma auditora da própria CGU chegou a desenvolver uma pesquisa acadêmica analisando os pareceres jurídicos que orientavam os presidentes sobre vetar ou não projetos aprovados no Congresso.
Na gestão Lula, a CGU iniciou trabalho para rever sigilos do governo passado. Num desses trabalhos, a Controladoria revogou o segredo de 100 anos imposto a sindicância que apurou a conduta do então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, que participou de ato político em maio de 2021, violando regulamento militar. O Exército absolveu Pazuello na época e o processo foi mantido em sigilo com alegação de que era uma informação de caráter pessoal que deveria ficar protegida por um século.
Ao analisar o caso do sigilo em pareceres jurídicos, a CGU adotou posição pró-segredo. O parecer da Controladoria que optou por manter em sigilo sugere que o tema deve ser analisado por estudos futuros. Sustenta ainda que seria melhor manter, por enquanto, o entendimento construído no governo Bolsonaro para evitar prejuízos à atuação dos advogados públicos da União. “Apesar da ponderação de riscos e interesses, que tende a priorizar o dever de transparência, torna-se recomendado que eventual alteração do posicionamento da Secretaria Nacional de Acesso à Informação seja realizada a partir de estudos e análises sobre os trâmites de aprovação ou veto de leis pela Presidência da República, inclusive para verificar possibilidades de fomento à transparência que possam mitigar eventuais prejuízos às atividades desenvolvidas de consultoria jurídica e de assessoramento técnico durante o trâmite legislativo em análise”, diz o parecer.