Desde o começo de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já reciclou segundo Fernanda Alves, do O Globo, ao menos quatro programas de seus governos passados, todos voltados para a baixa renda. O último foi o Luz para Todos, relançado na sexta-feira. Antes, ele já havia anunciado a volta do Bolsa Família, do Mais Médicos e do Farmácia Popular e há ainda a retomada do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), batizado como Novo PAC, prevista para esta sexta-feira.
A tática para as novas marcas, no entanto, é outra. Projetos como o Desenrola, de renegociação de dívidas, e o Voa, Brasil, para a compra de passagens aéreas, miram também a classe média.
Para o sociólogo Carlos Lavareda, que atuou como consultor de opinião pública e comunicação dos dois governos do Fernando Henrique, a tática de Lula de segmentação das políticas públicas é bem objetiva.
— Por um lado, com a retomada de programas sociais que deram certo, Lula quer contemplar o eleitorado da última eleição cumprindo promessas. São ações voltadas para quem ganha entre zero e dois salários mínimos, faixa de renda em que ele foi vitorioso. Por outro, com ações como o Voa, Brasil, ele conquista a simpatia da população e atinge várias classes, principalmente do grupo que ganha de dois a cinco salários. Com isso, Lula já alcançou mais de 70% do eleitorado do país — avalia Lavareda.
O ministro das Comunicações de Lula, Paulo Pimenta, confirmou a existência de uma estratégia voltada para o grupo de eleitores que ganham até dois salários, com o ensino fundamental completo ou incompleto, que garantiram a eleição do petista. Ele aponta a comunicação com a população como um dos principais pontos para respaldar a opção do governo de reeditar programas antigos em vez de criar novos.
— Nós fizemos pesquisas e identificamos que muito do apoio do presidente se deve a uma ideia de legado. Os projetos que relançamos possuem marcas fortes no imaginário das pessoas, tanto que o antigo governo (de Jair Bolsonaro) tentou mudar os nomes, mas nunca pegou. Marcas hoje são muito valiosas e difíceis de criar, é um desafio até mesmo no mercado publicitário privado. Por isso, no que foi possível, mantivemos as que já tínhamos — explicou o ministro ao jornal O Globo.
O marqueteiro Paulo Vasconcelos, que atuou na campanha de reeleição do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), destaca a importância da comunicação para a consolidação das marcas dentro dos governos, que facilitam a adesão da informação pela população:
— O maior desafio de qualquer marca é instalar na cabeça do consumidor a ideia de benefício de seu produto, que o faz voltar a comprar. Em política é a mesma coisa. Vimos uma eleição onde programas como Minha Casa, Minha Vida e Luz para Todos tinham deixado registros na cabeça das pessoas.
A necessidade de estratégias segmentadas para os diferentes grupos eleitorais foi identificada pelo governo ainda no primeiro trimestre, após análise de pelo menos sete pesquisas de opinião sobre o desempenho do governo. Vem desse período o anúncio das primeiras reedições de programas sociais das gestões anteriores, que vieram acompanhados de novos benefícios para os brasileiros com menor renda.
A primeira marca retomada foi o Minha Casa, Minha Vida, ainda em fevereiro, que no governo Bolsonaro tinha sido renomeada de “Casa Verde Amarela”. Ao retomar o programa, Lula elevou o subsídio do FGTS às famílias de menor renda e criou diferentes taxas de juros para o parcelamento, que para famílias com renda de até R$ 2 mil é de 4% ao ano nas regiões Norte e Nordeste e de 4,5%, nas demais localidades do país. O Nordeste, região onde Lula teve o melhor desemprenho na última eleição, também conta com o maior número de pessoas beneficiadas pelo programa Luz Para Todos.
O governo Lula recuperou ainda o nome do programa Bolsa Família, relançado em março, que no último governo tinha se tornado Auxílio Brasil e foi a aposta de Bolsonaro para tentar a reeleição. O ex-presidente, além de rebatizar e reformular os programas de Lula, é atrelado a criação do Pix.
Lula retomou também o programa Farmácia Popular, criado em 2004 para garantir o acesso gratuito ou com desconto a medicamentos, e o Mais Médicos, lançado em 2013, na gestão de sua sucessora Dilma Rousseff. A ex-presidente também tinha outras marcas fortes de sua gestão, como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Ciência sem Fronteiras, para incentivar a formação acadêmica para brasileiros no exterior, e chegou a ser conhecida como “mãe do PAC” por sua atuação na Casa Civil de Lula.
As novas marcas Desenrola Brasil e Voa, Brasil têm propostas que ampliam o perfil assistencialista dos projetos sociais reciclados dos primeiros dois governos de Lula, alcançando a classe média, por exemplo. O primeiro, que segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já desnegativou 3,5 milhões de pessoas que tinham dívidas de até RS 100 reais, oferece a renegociação de dívidas para pessoas que ganham até R$ 20 mil. O Voa, Brasil, de acordo com o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, vai oferecer passagens a R$ 200 por um aplicativo que está sendo desenvolvido pelo governo federal em parceria com as companhias aéreas.
Na próxima sexta-feira, o governo relança o Programa de Aceleração, focada na retomada de obras paradas em seis eixos principais: transportes (rodovias, ferrovias, porto, aeroportos e hidrovias); infraestrutura urbana (Minha Casa Minha Vida, financiamento habitacional e urbanização); equipamentos sociais (educação e saúde); abastecimento de água, incluindo o esgotamento sanitário; comunicações; e energia (geração, transmissão, distribuição, petróleo e gás).
O cientista político da UFRJ e Coordenador do Observatório Político e Eleitoral (OPEL) Josué Medeiros pontua que o governo Lula ainda está no início, o que facilita a reedição de programas que já deram certo e só precisam ser reestruturados. Ele prevê ainda que, nos próximos anos, Lula terá que criar ainda mais novas marcas para se fortalecer visando a eleição de 2026.
— A última eleição foi apresentada como uma proposta de retomada, já que Lula se apresentava como uma oposição e teve a memória como referência. Mas para 2026, a narrativa atual será insuficiente em uma eventual reeleição e o governo terá que criar novas marcas — avalia.