Cobrado por parlamentares e pressionado pela falta de uma base sólida, o governo Lula (PT) busca acelerar o repasse de verbas adicionais a cada deputado como uma forma de melhorar o clima no Congresso e aprovar medidas de interesse do Palácio do Planalto.
A negociação em torno da liberação desse tipo de verba ocorre sobretudo na Câmara e se dá agora também sob a provável criação de uma CPI para investigar os ataques golpistas de 8 de janeiro —o governo busca ter a maioria de deputados e senadores na comissão, além de indicar presidente e relator.
Líderes ouvidos pela Folha de três partidos ligados ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), relatam que os valores negociados variam conforme o tempo de casa do deputado, em uma faixa que vai de R$ 3,5 milhões a R$ 7 milhões para congressistas. As informações são de Julia Chaib e Danielle Brant, da Folha de São Paulo.
Isso corresponderia, segundo líderes, a pelo menos metade do montante que os deputados poderão indicar neste ano nesse tipo de rubrica, denominada RP2, do orçamento de ministérios.
Esses valores se somariam ao dinheiro de emendas individuais, de bancada e de comissões a que os parlamentares têm direito. Os deputados indicariam os recursos a serem aplicados em projetos de seus interesses.
As verbas de agora se inserem em um acordo feito no Congresso no ano passado segundo o qual parlamentares novos e antigos teriam acesso a determinado montante para indicar a ações ministeriais em suas bases.
No final do ano passado, após a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de banir as emendas de relator, que tinham a rubrica RP9, sob argumento de que eram inconstitucionais, Congresso e governo Lula costuraram um acordo segundo o qual parte dos recursos viraria emendas individuais e R$ 9,8 bilhões iriam para ministérios para atender a pedidos de parlamentares.
Segundo deputados, o ministro Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional) procurou parlamentares nas últimas semanas para falar sobre a liberação das emendas. Nas conversas que manteve com parte da bancada da União Brasil, teria prometido agilidade e indicado que esta era uma forma de fidelizar os deputados do partido.
A equipe do ministro afirmou que Waldez esteve com integrantes de comissões específicas da Câmara e do Senado e disse aos parlamentares que havia três áreas prioritárias dos ministérios para o direcionamento de verba: defesa civil, segurança hídrica e desenvolvimento regional. Não houve resposta, porém, sobre a negociação para fidelizar a União Brasil.
Integrantes do governo que participam das conversas com o Congresso negam que estejam negociando valores específicos de cada parlamentar e dizem que não estão atrelando isso à formação da base.
Admitem, contudo, ter pedido a ministérios com mais verbas (como Integração Nacional e Saúde) para acelerarem o cadastro dos programas para que parlamentares e prefeitos registrem projetos.
Articuladores políticos do governo afirmam que há uma orientação clara aos ministros para que recebam os parlamentares e ouçam propostas.
Eles alegam, porém, que as verbas de RP2 não seriam uma nova emenda e que a indicação do dinheiro a ser feita pelos parlamentares ocorrerá nos moldes em que acontecia antes de ser criada a emenda de relator.
Isto é, os deputados teoricamente apresentam um projeto a determinado programa, geralmente por meio de ofício, e o ministério decide se aceita ou não a indicação da verba de acordo com critérios técnicos.
O ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), tem sido pressionado desde o início do ano por líderes partidários para acelerar a execução das verbas.
Até a semana passada, haviam sido liberados cerca de R$ 4,5 bilhões de restos a pagar referentes a verbas que estavam na rubrica das antigas emendas de relator.
Embora o titular da pasta que trata da negociação política busque em conversas com aliados desatrelar a liberação desse dinheiro extra à formação de uma base, os próprios parlamentares já avisaram ao governo que, sem isso, será difícil fidelizá-los.
A distribuição dos recursos tem provocado atritos entre a articulação política do governo e a cúpula do Congresso.
Segundo parlamentares, o Planalto insiste em ser visto como o “padrinho” das verbas junto aos deputados, para diminuir a intermediação de Lira, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e de líderes partidários.
Na Câmara, porém, os próprios líderes partidários estão definindo como será a alocação dessas verbas. Inclusive há líderes que já passaram a enviar planilhas aos deputados das bancadas para que eles saibam a quanto terão direito de indicar em cada ministério e articulem para enviarem projetos às pastas.
Em entrevista à Folha em março, o líder da União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), já havia cobrado que o governo destravasse a liberação de emendas.
Segundo relatos feitos à reportagem, nas últimas semanas integrantes do governo passaram a ser pressionados para acelerar a liberação da verba, num contexto em que a frágil base de sustentação do Executivo petista começará a ser testada no Congresso.
A avaliação é que o governo precisará intensificar o esforço para aprovar o arcabouço fiscal que vai substituir o teto de gastos e pelo risco de derrota em algumas medidas provisórias com a volta das comissões mistas.
Além disso, a demissão do general Gonçalves Dias do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) turvou mais ainda o ambiente político e fez com que o próprio governo passasse a defender a CPI para investigar os ataques golpistas de 8 de janeiro.
Isso vai exigir que aliados blindem ministros e outras autoridades do Planalto durante as oitivas que serão realizadas.
Depois de acertar o novo mecanismo de distribuição de recursos ao Congresso via ministérios, o Planalto quer uma forma de divulgação dos agentes públicos beneficiados pela distribuição.
A ideia é que ao menos os ministérios possam disponibilizar ofícios com o nome de deputados que apadrinharam determinada verba.
Com isso, qualquer desgaste cairia na conta dos responsáveis por apadrinhar as verbas —que podem ser prefeitos, deputados ou senadores.
Ainda sob o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) transformou-se num dos principais instrumentos para escoar a verba recorde dessas emendas.
Lula tem repetido a aliados não querer enfrentar outro escândalo como o do mensalão —principal caso de corrupção do primeiro mandato do petista e até hoje fonte de desgaste para o partido.