“Nossa ambição é que o Plano de Transformação Ecológica brasileiro seja o mais ambicioso, pelo menos entre os países em desenvolvimento”, diz um dos arquitetos do plano verde brasileiro, Rafael Ramalho Dubeux, assessor especial do ministro da Fazenda Fernando Haddad eme entrevista a Daniela Chiaretti, do jornal Valor. “Não é um plano apenas de descarbonização da economia. Trata-se, fundamentalmente, de um plano de desenvolvimento econômico.”
Anunciado na sexta-feira (11), durante o lançamento do novo PAC, o plano verde brasileiro atende, no momento, por duas denominações – Plano de Transformação Ecológica e Plano de Transição Ecológica. Há quem prefira o termo “transformação”. “Parece mais apropriado para a profundidade da mudança que as medidas acarretam. É profunda a mudança que se pretende na economia brasileira”, diz Dubeux. “Todos os setores serão impactados. O conjunto da obra é muito transformador.”
São seis eixos e mais de cem itens que alcançam toda a economia. Fazem parte de uma agenda para os próximos 3,5 anos. Algumas medidas são de grande envergadura, como a criação do mercado de carbono ou fusão do Plano Safra com o Plano ABC, que promove a agricultura de baixo carbono.
“É um plano para promover o crescimento econômico do Brasil, um crescimento mais distributivo e que busca estabelecer uma nova relação com o meio ambiente”, diz Dubeux, doutor em relações internacionais com tese sobre inovação em energia de baixo carbono.
O plano tem três grandes objetivos: aumentar a produtividade da economia brasileira incorporando inovação e tecnologia, produzir crescimento a partir de uma nova relação com o ambiente e de modo a proporcionar “que todos ganhem”, diz ele. O Ministério da Fazenda coordena as ações econômicas relacionadas à transformação ecológica da economia brasileira junto com equipes espalhadas em todo o Planalto. Dubeux falou ao Valor e detalhou tópicos do que está sendo maturado. A seguir, trechos da entrevista:
Transição ou Transformação?
Estamos usando as duas denominações, Plano de Transformação Ecológica e Plano de Transição Ecológica. Mas achamos o nome “Transformação” mais apropriado para a profundidade da mudança que as medidas acarretam. Transição dá um ar muito suave. É profunda a mudança que se pretende na economia brasileira. Todos os setores serão impactados e em um prazo que a gente espera seja relativamente curto. O conjunto da obra é muito transformador.
Nossa ambição é que o Plano de Transformação Ecológica seja o mais ambicioso, pelo menos entre os países em desenvolvimento.
Diálogo com o PAC
O Plano de Transformação Ecológica conversa com o Programa de Aceleração do Crescimento de várias maneiras. São dois conjuntos com uma grande intersecção entre eles. Algumas ações têm um duplo carimbo, são do PAC e da Transformação Ecológica, como o mercado de carbono. Algumas são só do PAC, como a infraestrutura mais tradicional. Outras, só da Transformação Ecológica, como a bioeconomia.
Não é um pacote, é um processo
Não é um plano apenas de descarbonização da economia. A ideia é que a descarbonização seja uma oportunidade para a gente promover um adensamento tecnológico do setor produtivo. Trata-se, fundamentalmente, de um plano de desenvolvimento econômico. O meio ambiente é um elemento central do plano, mas não é um plano ambiental. É um plano para promover o crescimento econômico do Brasil, um crescimento mais distributivo e um crescimento que busca estabelecer uma relação nova com o meio ambiente.
Os três grandes objetivos
O primeiro é aumentar a produtividade da economia brasileira. Isso é parte central do plano. Muita gente acha que o Brasil é um país rico e só tem uma renda com distribuição injusta – é verdade que a distribuição é muito injusta, mas não é verdade que a gente é um país rico. Então, para o plano se sustentar, é central que busque o aumento da renda da população brasileira. O objetivo primeiro é aumentar a produtividade incorporando inovação e tecnologia.
O objetivo dois é fazer esse crescimento não à moda antiga, que é crescer destruindo o meio ambiente, mas crescer a partir de uma nova pactuação com o ambiente.
O terceiro grande objetivo não é crescer concentrando renda em meia dúzia de ganhadores, mas crescer com estruturas regulatórias que proporcionem que todos ganhem. É em parte tributação, em parte regulação do mercado. Sempre discutimos ações com esses três objetivos em mente.
Mercado de carbono é ilustrativo
O mercado de carbono tem um objetivo evidente que é reduzir as emissões-estufa, esse é o seu cerne. Mas discutimos como incorporarmos a ele o objetivo de aumento de produtividade da economia. Um dos elementos que estão lá é que os recursos arrecadados no mercado de carbono serão destinados para pesquisa e desenvolvimento relacionados à descarbonização.
Agenda para 3,5 anos
Muitas das medidas já estão ocorrendo, porque desde o início do governo estamos trabalhando em algumas delas medidas. Como diz o ministro Haddad, esta é uma agenda para os próximos 3,5 anos.
Finanças sustentáveis
Cada um dos seis eixos se desdobra em 10, 20, 30 ações. O primeiro é finanças sustentáveis. A ação do mercado de carbono é uma delas. A tributação de carbono que está dentro da reforma tributária é outra. Prevê imposto seletivo sobre atividades que geram externalidades negativas à saúde, que é o caso do cigarro, ou ao meio ambiente, que é o caso justamente do clima e dos combustíveis fósseis.
Títulos Soberanos Sustentáveis
Devemos ter, como já disse o secretário do Tesouro Nacional Rogério Ceron, a emissão desses títulos provavelmente ao longo do segundo semestre. O valor não está fechado, mas deve ser algo da ordem de R$ 1 bilhão ou R$ 2 bilhões. O recurso ficará vinculado a ações verdes e sociais.
O grande ponto é a mensagem política internacional mostrando que o Brasil retomou essa agenda depois dos quatro anos pelos quais passamos. O segundo ponto é que se tende a conseguir uma taxa de juros um pouco mais barata do que a tradicional. E o terceiro fator, muito central, é que, ao fazer a emissão soberana do país, abrimos espaço para o setor privado poder também fazer captações externas. A gente consegue também, de certa maneira, abrir as portas para que empresas brasileiras possam captar lá fora com uma taxa mais barata para descarbonizar.
Fundo Clima
É um fundo que já existe, é operado pelo BNDES, mas historicamente tem uma captação pequena de recursos. Terá agora um valor expressivo, esperamos, para financiar, a taxa de juros competitivas, atividades que incorporem inovação tecnológica e sustentabilidade. Desde a criação, há mais de dez anos, o Fundo Clima emprestou algo como R$ 2 bilhões. Com essa captação, pode ter, potencialmente, R$ 10 bilhões para emprestar em um ano.
Taxonomia
A União Europeia já fez, assim como a Colômbia, o México, o Chile. Taxonomia é um glossário do que é atividade compatível com a sustentabilidade e do que não é. A ideia é evitar o greenwashing e possibilitar regulações novas. Como hoje não temos essa definição, é difícil estabelecer regulações para crédito ou para o mercado de capitais, que canalizem recursos para essas atividades. A taxonomia é quase um pré-requisito para que a gente possa fazer isso. Estamos discutindo essa ação com o Banco Central, com á Superintendência de Seguros Privados (Susep), com a Comissão de Valores Mobiliários (CVMP). E ver de que maneira conseguimos canalizar mais recursos, também do setor privado, para atividades de descarbonização.
Adensamento tecnológico
O eixo dois é central para o plano, para que não seja apenas de descarbonização, mas uma oportunidade de fazermos um adensamento tecnológico no setor produtivo. Não é simplesmente fazer política industrial à moda antiga, de proteger setores econômicos que não conseguem competir internacionalmente. Pelo contrário, impulsionar os novos setores que são os do futuro para a descarbonização da economia brasileira. Faremos isso redesenhando as políticas de P&D. Para além disso, pensamos na formação de mão de obra qualificada e crédito competitivo para atividade de inovação tecnológica. É uma agenda extensa.
O Nordeste, por exemplo, tem potencial enorme para renováveis. Podemos instalar turbinas eólicas e painéis solares, mas, se não qualificarmos a mão de obra local, se der algum problema teremos que chamar engenheiros em São Paulo ou no exterior para consertar o equipamento. Ou, ao contrário, ter mão de obra especializada para ter desenvolvimento tecnológico local.
Bioeconomia
É um diferencial do nosso plano. Não existe uma bala de prata, mas criar mecanismos de modo a conseguir gerar renda preservando os biomas. Biotecnologia, por exemplo, deve receber investimento especial do governo. O segundo tema é dar escala bem maior às concessões florestais nos próximos anos. E integrar o Plano Safra com o Plano ABC, de agricultura de baixo carbono.
Transição Energética
O Brasil tem potencial imenso em energia eólica, solar, hidrogênio, biocombustível, diesel verde, combustível de aviação. E mineração: é consenso internacional que a descarbonização precisará de novos minérios. Mas não queremos que essas oportunidades que se abrem para o Brasil sejam apenas mais um ciclo de commodities no Brasil. Podemos, por exemplo, exportar hidrogênio, mas aproveitá-lo para produzir aço verde.
Aqui entram medidas para criar uma infraestrutura resiliente e que diminua o impacto para os mais afetados pela mudança do clima.