A meta de zerar o déficit nas contas públicas em 2024, definida pelo Ministério da Fazenda e presente no novo arcabouço fiscal, ainda depende, conforme reportagem de Manoel Ventura, do O Globo, para ser cumprida, de um aumento de receitas que não foram aprovadas ou divulgadas. A avaliação é de integrantes da própria equipe econômica, que admitem nos bastidores que ainda será necessário aprovar ações no Congresso para garantir que a meta do ano que vem será atingida. Nas contas do governo, será necessário um incremento de R$ 110 bilhões, mas o mercado avalia que pode superar isso.
O arcabouço fiscal, que deve ser analisado neste mês pelo Senado após ter sido aprovado pela Câmara, estabelece um conjunto de regras para definir como as despesas federais vão crescer. Os gastos poderão subir acima da inflação, em uma proporção do crescimento da receita. Além disso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, definiu as metas para o resultado das contas públicas nos próximos anos.
A meta é zerar o déficit em 2024 e, a partir de então, passar a fazer superávits. O resultado primário do governo federal é calculado considerando a diferença entre receitas e despesas, sem contar o pagamento dos juros da dívida pública. Em 2025, o objetivo é fazer com que as contas fiquem no azul o equivalente a 0,5% do PIB. No ano seguinte, a meta é obter um superávit de 1% do PIB.
Em todos os anos, o resultado do governo poderá ser 0,25 ponto percentual do PIB para mais ou para menos. Em 2024, é como se o resultado do governo pudesse oscilar entre um déficit de cerca de R$ 30 bilhões e um superávit nesse mesmo montante.
Saúde e educação
O governo sabe que precisa aumentar suas receitas no próximo ano porque as despesas vão crescer acima da inflação em qualquer cenário. Além disso, seria necessário fazer uma recomposição de receitas mesmo se as despesas não crescessem, como forma de garantir a meta.
Os cálculos da equipe econômica hoje apontam a necessidade de as receitas subirem R$ 110 bilhões no ano que vem. Esse número considera a necessidade de cobrir uma despesa da ordem de 18,7% do PIB, além dos gastos extras do arcabouço fiscal. No mercado, o número esperado é maior, diz Manoel Ventura, do O Globo,.
Pelas contas de integrantes do governo, desse total, são necessários R$ 40 bilhões para recompor as diferenças dos pisos de saúde e educação, elevar o salário mínimo acima da inflação e garantir o piso de investimentos. Esse não é exatamente o montante dessas medidas, mas a diferença entre esses gastos agora e o que eles vão crescer no próximo ano. Por isso, para cobri-los, seria necessário aumentar a arrecadação.
Número incerto
Haddad tem lançado medidas paulatinamente e conseguido aumentar a arrecadação também por decisões judiciais. O governo já conseguiu, por exemplo, decisão favorável do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitindo a cobrança de impostos federais (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) de empresas que têm descontos do ICMS para subvenção de suas operações (e não para investimentos).
O valor previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com a medida é de R$ 47 bilhões. Mas esse número está sendo revisado pela Receita diante da decisão final do Judiciário, e nem tudo vai entrar na conta no ano que vem.
Outras propostas já aprovadas incluem preços de transferências internacionais e medidas relacionadas ao ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. Ainda estão na fila medidas como tributação de apostas esportivas e o cerco a importadores. No entanto, o conjunto dessas ações, na avaliação do governo, ainda não é suficiente para garantir o déficit zero.
A medida-chave, na visão do governo, para fazer o déficit zerar, seria a volta do critério de desempate pró-Receita no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o tribunal do Fisco. O Carf tem formação paritária entre contribuintes e auditores fiscais. Desde 2020, em caso de empate, a vitória é do contribuinte. Este ano, o governo editou uma medida provisória (MP) para retomar a vitória da Receita nos casos de empate.
Sob protestos de contribuintes, a proposta sequer foi avaliada pelo Congresso e perdeu a validade. O governo, então, mandou um projeto de lei, para o qual ainda não foi designado relator, nem há data para votação. Enquanto isso, o Carf já acumula um estoque de processos que ultrapassa R$ 1 trilhão. É parte dessa receita que o governo quer levantar.
A mudança no Carf encontra forte resistência entre parlamentares. Auxiliares de Haddad, porém, dizem que há “planos B e C” para essas ações. Entre as decisões que podem ser tomadas, estão ações relacionadas ao Imposto de Renda da Pessoa Física. O governo quer tomar medidas pontuais de “correção” no IR ao longo do ano, como a cobrança sobre fundos de investimentos fechados.
Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, afirma que o projeto da LDO diz explicitamente que são considerados, na estimativa de receita, R$ 155 bilhões em projetos em discussão no Executivo, para viabilizar a entrega da meta em 2024:
— Aplicando os critérios do arcabouço fiscal aprovado na Câmara, essa necessidade de medidas pode ultrapassar facilmente R$ 210 bilhões. Atualmente todas as casas estão revisando seus cenários de PIB e inflação, o que pode fazer esse número variar um pouco. Mas seria muito importante o governo esclarecer quais serão as medidas consideradas na elaboração na Orçamento de 2024, para que o mercado também possa fazer sua avaliação da viabilidade financeira, política e jurídica dessa arrecadação.
Bloqueio como saída
Bittencourt lembra que alguns temas, como a tributação de investimentos no exterior, têm um ganho líquido em 2024 não muito expressivo, uma vez que apenas compensariam a correção da faixa de isenção do IR, mas precisam ter sua viabilidade política avaliada. Por isso, diante de um montante tão expressivo a ser coberto, é difícil crer que é viável chegar a essa arrecadação sem que mais dados sejam apresentados, afirma ele:
— É de se imaginar que, por mais meritórias que medidas de aumento de tributos e redução de renúncias eventualmente possam ser, agentes econômicos e políticos irão reagir. Atividades econômicas se tornarão menos lucrativas e é normal que se reduzam, reduzindo o potencial de arrecadação.
Felipe Salto, sócio e economista-chefe da Warren Rena, calcula que, se o governo bloquear recursos em 2024, a receita necessária para cumprir a meta será menor, de R$ 100 bilhões. Ele também cobra mais informações sobre medidas já tomadas:
— Faltam informações para que possamos replicar cálculos. Faltam até mesmo os detalhes das contas do próprio governo.