A Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, produziu edital no valor de R$ 2,8 bilhões para a aquisição de 6.240 máquinas pesadas, incluindo retroescavadeiras, que serão entregues a municípios de todo o país. Assinado pelo representante dos partidos do Centrão na pasta, o documento não traz destinação específica dos produtos, o que dá segundo o portal UOL, brechas para o “toma lá da cá” com as Prefeituras.
O processo administrativo de número 59000.014216/2020-57, assinado eletronicamente em 9 de dezembro do ano passado pelo secretário Tiago Pontes Queiroz, estima um gasto de R$ 2.803.906.619,82 com a compra de 1.560 retroescavadeiras, 1.560 pás-carregadeiras, 1.560 escavadeiras hidráulicas e 1.560 motoniveladoras. O pregão tem prazo de vigência de um ano.
O edital, porém, não especifica a quais municípios as máquinas serão endereçadas, estabelecendo somente a compra. No tópico 1.1, o documento mostra que o maquinário será enviado “em atendimento às necessidades de Desenvolvimento Regional de Estados, Municípios e do Distrito Federal”.
Na tabela de detalhamento dos produtos, o “local de entrega” aparece descrito em texto amplo e subjetivo, abrindo brechas à escolha pessoal do secretário em relação às prefeituras.
Por exemplo: há a previsão de encomenda de 321 retroescavadeiras no valor total de R$ 66.759.000,00 com destino a “municípios de baixa e média renda do Estado de Minas Gerais”. Da mesma forma, há a compra de 231 pás-carregadeiras no valor de R$ 93.308.599,23 com a mesma descrição do “local da entrega”.
Além disso, também há no documento a variação do valor de cada produto por Estado, apesar de se tratar de um pregão nacional.
Para os “municípios de baixa e média renda do Estado do Espírito Santo”, por exemplo, foram compradas 31 retroescavadeiras no valor unitário de R$ 285.850,00. Enquanto para os “municípios de baixa e média renda do Estado do Maranhão” foram encomendados 99 itens do mesmo produto “retroescavadeira”, no valor unitário de R$ 394.898,31.
Na especificação técnica, há somente descrições genéricas das máquinas. No item retroescavadeira, por exemplo, não há indicação de um modelo específico para cada estado —o que, em tese, justificaria a diferença de mais de R$ 100 mil entre a máquina prevista para o Espírito Santo e a encomendada para o Maranhão.
A única descrição desta máquina no edital é a seguinte: “Retroescavadeira sobre rodas nova, tração 4×4, motor diesel, potência bruta mínima 92 HP ou unidade equivalente, capacidade mínima da caçamba carregadeira 1,00 m³, peso operacional mínimo 7.400 kg, com profundidade de escavação mínima de 4,5 metros, cabine fechada com ar-condicionado. Tanque de combustível cheio no momento da entrega. Adesivamento institucional do órgão conforme instruções do anexo IV – Padronização Visual, deste Termo de Referência. Garantia mínima 12 meses e assistência técnica garantida”.
Responsável pela compra bilionária, o secretário Tiago Pontes Queiroz foi indicado pelo Centrão ao Ministério do Desenvolvimento na tentativa de aproximação do grupo com o governo federal. A nomeação veio diretamente da sigla Republicanos, partido de Flávio Bolsonaro (RJ), do qual Queiroz é colega próximo.
Se a prática se confirmar, esta não será a primeira vez que políticos usam da necessidade do maquinário para estabelecer trocas e alianças. A distribuição de retroescavadeiras e maquinário pesado já é conhecida na “velha política” como forma de barganha.
Em 2019, por exemplo, o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se utilizou da barganha. Na época, foram gastos R$ 46,5 milhões em 145 veículos de maquinário pesado, também distribuídos de acordo com a necessidade dos municípios. Foi preciso mobilizar as Forças Armadas, na ocasião, para a entrega na data.
Nos governos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, atos semelhantes ocorreram principalmente com a demanda da reforma agrária. Em 2014, o antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário entregou centenas de maquinários a diferentes estados em troca da aceitação da pauta.
Na época, 42 máquinas foram entregues a municípios de Roraima, com investimento total de R$ 11,3 milhões no estado. No Ceará, 80 equipamentos, orçados em R$ 22,5 milhões, foram distribuídos a 197 mil famílias de trabalhadores rurais, além de outros estados beneficiados com as entregas dos petistas.