Recentemente os ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, e da Gestão e Inovação em Serviços Públicos anunciaram um conjunto de medidas de recuperação fiscal, incluindo um programa de reavaliação e renegociação de contratos já celebrados pela administração federal, por meio da publicação da Portaria Interministerial nº 01/2023.
Segundo a portaria, a administração federal deverá, nos próximos 180 dias, avaliar a necessidade de manutenção de contratos públicos em vigor,devendo necessariamente reexaminar todos os contratos com valores superiores a R$ 1 milhão. Quando for constatado que um contrato ainda é necessário, ele deverá ser renegociado. Nos casos em que essa necessidade não existir mais, o Poder Público deverá avaliar a possibilidade de promover a extinção do contrato ou então de simplesmente deixar que sua vigência seja escoada.
Não há dúvida de que garantir a aplicação eficiente de recursos públicos é um objetivo salutar. No entanto, os termos amplos em que a portaria foi redigida — o que talvez decorra de urgência na imediata adoção de medidas para promoção da recuperação fiscal — levaram ao surgimento de incertezas sobre quais serão seus efeitos.
Um dos principais focos de atenção está na ausência de uma definição mais clara sobre o que significa “avaliar a necessidade” da manutenção de um contrato. Quanto a isso, vale esclarecer que o Poder Público não pode, a qualquer tempo e por qualquer motivo, decidir desvincular-se de um contrato que tenha celebrado.
É verdade que o Poder Público tradicionalmente possui alguns “poderes especiais” nos contratos que celebra:entre eles, as faculdades de alterar o conteúdo de cláusulas contratuais e mesmo, no limite, de promover a rescisão “por motivos de interesse público”. A utilização desses poderes, no entanto, geralmente está vinculada à ocorrência de fatos supervenientes que façam com que a alteração de um contrato seja necessária.
A portaria não autoriza o rompimento de contratos por mera falta de interesse. Corretamente, ela exige em mais de uma passagem a “observância da legislação aplicável”, remetendo à aplicação da Lei nº 8.666/1993 e um corpo de doutrina e de jurisprudência com mais de três décadas de existência, nos quais esses parâmetros estão melhor indicados.
Outra fonte de dúvidas está na ausência de indicação expressa das consequências de uma rescisão. Aqui, é necessário não perder de vista a necessidade de proteção da boa-fé e das expectativas dos agentes privados que celebraram contratos com o Poder Público, e mobilizaram recursos para cumprir seus compromissos. Se um contrato não for mais necessário, a administração deverá avaliar, de maneira motivada, se o melhor curso de ação estaria em rescindi-lo imediatamente (de maneira negociada ou por ato unilateral, caso possível) ou em executá-lo até escoar sua vigência. Caso a opção escolhida seja a da rescisão, será necessário assegurar as indenizações apropriadas.
Em sua seção final, a portaria enuncia que os casos omissos ou as dúvidas geradas a partir de sua aplicação serão dirimidas pelos Ministérios da Fazenda, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, e do Planejamento e Orçamento, podendo também editar atos normativos para regulamentar seu cumprimento.
Uma solução para reduzir as dúvidas geradas pelo Programa de Revisão e Renegociação de Contratos seria justamente esta: a edição de atos normativos complementares que conferissem maior densidade aos conceitos empregados pela Portaria Interministerial nº 01/2023. Isso aumentaria a segurança em sua aplicação, evitaria judicializações indesejáveis e permitiria à administração federal revisar contratos nos casos em que isso seja necessário e encaminhar uma aplicação mais eficiente de seus recursos.
Por Mauro Hiane de Moura, ele é consultor de Veirano Advogados