Uma nova onda de leilões pretende atrair bilhões em investimentos privados em portos e aeroportos pelo País
Diante da falta de recursos públicos para projetos de infraestrutura, a expansão do programa de concessão de aeroportos e terminais marítimos à iniciativa privada subiu de patamar. O projeto deve atrair investimentos privados para corrigir antigos problemas de infraestrutura aeroportuária e portuária em diversas cidades brasileiras. Especialistas consideram de extrema importância para o País a decisão do governo de dar continuidade a esse processo, iniciado há 30 anos, dada a insuficiência de recursos para manter dezenas de aeroportos deficitários.
Essa medida se estende a portos marítimos que estão com a infraestrutura defasada em relação à demanda por navios porta-contêineres até 2026.
Atento a esse cenário, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou recentemente o Programa de Investimentos Privados em Aeroportos Regionais (Pipar), que autoriza a concessão de cerca de 100 aeroportos deficitários à iniciativa privada, especialmente para operadoras que já administram grandes terminais brasileiros, como o GRU Airport, responsável pelo Aeroporto de Guarulhos (SP), maior complexo aeroportuário da América do Sul, e o Rio-Galeão, que administra o aeroporto internacional do Rio de Janeiro.
Em entrevista à revista IstoÉ DInheiro, o ministro de Portos e Aeroportos, Sílvio Costa Filho, afirmou que a operação será conduzida em duas etapas no caso dos aeroportos. A meta é contemplar 50 aeroportos na primeira fase e outros 50 na segunda, o que permitirá uma adaptação gradual do setor às novas demandas. O processo deve ser regulamentado “oportunamente”, após a conclusão da consulta pública, cuja data ainda não foi confirmada.
A lista inclui principalmente aeroportos localizados nas regiões Norte e Nordeste, onde há maior concentração de deficiências de gestão e necessidade de expansão da infraestrutura aeroportuária para atender a demandas sociais e econômicas. Esses aeroportos são considerados estratégicos para o desenvolvimento regional, pois facilitam o deslocamento de moradores locais e apoiam a movimentação de turistas e produtos regionais.
De acordo com o ministro, além das concessões, diversos aeroportos também estão recebendo investimentos por meio de recursos do Orçamento Geral da União e da Infraero, que tem desempenhado um papel importante na modernização da infraestrutura regional. A combinação de investimentos privados e públicos é vista como uma estratégia eficaz para reequilibrar a infraestrutura no País.
Entre os aeroportos listados no programa estão aqueles localizados em:
• Caruaru e Serra Talhada (PE),
• Guanambi, Lençóis e Paulo Afonso (BA),
• São Raimundo Nonato (PI),
• além de outros em cidades como Bacabal (MA), Cascavel (PR) e São Félix do Xingu (PA).
Esse modelo busca uma maior eficiência operacional com a concessão de blocos regionais, em que as concessionárias devem assumir tanto os investimentos quanto a operação das estruturas regionais. Como contrapartida, elas podem adquirir prazos mais extensos em seus contratos atuais e ter direito a descontos no valor da outorga.
A estimativa é que o programa gere até R$ 3,5 bilhões em investimentos privados, fortalecendo a conectividade aérea regional e facilitando a gestão dos aeródromos que necessitam de melhorias. Segundo o ministro, “trata-se do maior programa de investimentos aeroportuários da história do País, com foco especial na aviação regional”.
Inicialmente, uma proposta conjunta do Ministério, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e do GRU Airport previa a transferência direta de um bloco de 28 aeroportos regionais deficitários, sem processo licitatório, com base no “reequilíbrio econômico-financeiro do contrato”. No entanto, o TCU rejeitou o pedido e determinou que o processo fosse realizado via leilão entre as concessionárias, para “garantir transparência, isonomia e competitividade à nova política pública”.
Apesar da negativa inicial, o TCU aprovou uma medida que estende o prazo de concessão da GRU Airport até novembro de 2033. Como contrapartida, a concessionária deverá realizar investimentos significativos, da ordem de R$ 1,4 bilhão, para ampliar a capacidade de operação e aumentar a segurança e a qualidade dos serviços no aeroporto de Guarulhos.
“Trata-se do maior programa de investimentos aeroportuários da história, com foco na aviação regional.”
Sílvio Costa Filho, ministro de portos e aeroportos
Portos
A iniciativa de concessões também abrange os portos, com editais de leilões planejados para os próximos anos.
A carteira de leilões inclui terminais portuários em quatro blocos para 2025 e outros quatro para 2026.
• Os primeiros terminais contemplados incluem o MAC16, em Maceió (AL), o MCP03, em Santana (AP) e o ITG02, em Itaguaí (RJ), com previsão de investimentos de R$ 3,6 bilhões.
• A previsão é de que até 2026 sejam concedidos 35 terminais portuários, com investimentos totais de R$ 11,085 bilhões. Especialistas defendem urgência, sobretudo para a concessão do Porto de Santos, o maior da América Latina, cuja capacidade está comprometida pela falta de investimento público.
Para o professor Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, “a concessão de portos e aeroportos é essencial não apenas para o dinamismo dos negócios, mas também para o turismo e a economia local”. Segundo ele, 59 dos principais aeroportos brasileiros já são operados por empresas privadas, atendendo a mais de 93% do tráfego de passageiros e movimentando 99% das cargas aéreas.
O economista Haroldo da Silva, conselheiro do Corecon-SP, ressalta que a diminuição dos investimentos públicos na infraestrutura, que caíram de 2,5% do PIB em 2013 para 1,3% em 2023, exige alternativas. “O Brasil, com o programa de concessões, caminha para resolver um problema que afeta diretamente a produtividade e a competitividade”, afirma.
O Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) tem defendido a necessidade urgente de modernização dos terminais de contêineres, que operam com uma defasagem de 12 anos em relação à média mundial. A falta de capacidade de infraestrutura impede a movimentação de navios de grande porte, levando o Brasil a perder uma receita anual estimada em US$ 20,6 bilhões.
Três pontos devem ser considerados na nova fase de concessões, segundo o economista e consultor Roberto Luis Troster: “Há oportunidade de caixa para o investimento em infraestrutura, melhoria dos serviços para o consumidor e responsabilidade na regulação”. Ele sugere que parte dos recursos oriundos das concessões sejam aplicados na redução da dívida pública, contribuindo para uma maior sustentabilidade fiscal no longo prazo.
A regulação dos serviços é um desafio crucial para garantir a eficiência e a qualidade dos serviços prestados. Para o advogado Massami Uyeda, da Arap, Nishi & Uyeda Advogados, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) tem um papel fundamental na fiscalização, contando com um corpo técnico estruturado para acompanhar e regularizar a operação das aeronaves e das concessionárias.