A Argentina entrou em uma nova moratória nesta última sexta-feira (22), a segunda neste século, ao deixar de pagar 500 milhões de dólares em juros sobre títulos de uma dívida que pretende renegociar antes de 2 de junho.
O ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán, disse que as negociações com credores privados continuam com a oferta de reestruturação da dívida, mas reconheceu que ainda há “uma distância significativa” para chegar a um acordo.
“Ainda há uma distância significativa a percorrer, mas, mais importante, todos os lados permanecem à mesa para encontrar uma solução”, disse Guzmán à agência oficial Télam nesta sexta-feira.
Ele insistiu que “as negociações continuam em uma direção que consideramos positiva, com uma crescente compreensão mútua”.
Guzmán explicou que o descumprimento do pagamento desta sexta-feira “também faz parte dessas discussões, e esperamos que seja tratado no acordo mais amplo que está sendo buscado”.
O ministro disse que as negociações nos últimos dias lhe deram “maior confiança” sobre a possibilidade de chegar a um acordo com credores de títulos privados. ”
Há um reconhecimento compartilhado de que quanto mais cedo resolvermos o problema insustentável da dívida da Argentina, melhor será para todos os lados e para a estabilidade da região”, disse.
Ele também alertou que a resolução da dívida “afetará a vida de milhões de pessoas e provavelmente terá efeitos indiretos em toda uma classe de ativos, em um contexto global em que haverá vários países soberanos que enfrentarão situações de superendividamento”.
É a nona vez que a Argentina, entre os principais exportadores de alimentos do mundo, entra em moratória. A última vez foi em 2001, com um default de mais de 100 bilhões de dólares, que desencadeou a pior crise social e econômica do país.
Neste caso, contudo, o governo de centro-esquerda de Alberto Fernández deseja chegar a um acordo com os detentores de títulos.
No final desta quinta-feira, o governo argentino relatou uma prorrogação, até 2 de junho, do prazo para os credores aderirem à sua proposta pelos títulos por cerca de 66 bilhões de dólares em dívidas emitidas sob jurisdição estrangeira, prazo que venceu neste 22 de maio.
Default curto?
O governo insiste em que as negociações estão indo bem, mas os fundos de investimento solicitam um diálogo “direto e imediato” com o governo argentino.
“Durante o último mês, a Argentina praticamente não teve comunicação substancial com seus credores”, assinala um comunicado do grupo Ad Hoc (composto por vários fundos de investimento, incluindo BlackRock ou Fidelity), principal grupo de credores da Argentina.
Para a agência de crédito Moody’s, as perspectivas não são boas: “Hoje, após completar um período de carência de 30 dias, o governo da Argentina não pagou juros. (…) A Moody’s antecipa que as perspectivas para a reestruturação da dívida da Argentina provavelmente se tornarão mais complicadas”, indicou Gabriel Torres, gerente sênior da agência de classificação de risco.
O ministro da Economia, Martín Guzmán, ofereceu aos detentores de títulos uma troca por novos títulos, com um período de carência de três anos sem pagamento, uma retirada de 5,4% do principal e 62% dos juros, mas sua oferta foi rejeitada.
Os credores apresentaram suas próprias propostas, que o governo disse que está analisando.
“Se você conseguir a maioria para aderir ao swap, o default será muito curto”, disse à AFP a economista Marina Dal Poggetto, da empresa EcoGo. “Mas se eles atrasarem a negociação, pagaremos caro”, avaliou.
O Fundo Monetário Internacional, que apoia a Argentina em sua reestruturação, declarou-se estimulado pela “disposição de ambas as partes em continuar as negociações para chegar a um acordo”, segundo seu porta-voz, Gerry Rice.
O que acontece agora?
O governo argumenta que é difícil honrar seus compromissos após dois anos de recessão, em um contexto de inflação alta (53% em 2019) e aumento da pobreza (33% em 2019). A dívida da Argentina totaliza 324 bilhões de dólares, equivalente a quase 90% do Produto Interno Bruto.
A crise é agravada pela pandemia do novo coronavírus, que desacelerou a atividade econômica e exigiu subsídios significativos para mitigar seu efeito nas empresas e na população mais vulnerável.
Se as negociações não forem encerradas antes de 2 de junho e ocorrer uma nova extensão, a Argentina aguarda vencimentos adicionais de juros para o final de junho. Se o período de carência de 30 dias for considerado, o prazo máximo a pagar expirará no final de julho.
Nesse caso, “os credores provavelmente irão considerar mais conveniente o litígio, considerando que é difícil para a Argentina chegar a um acordo no curto prazo”, disse à AFP Ignacio Labaqui, da Medley Global Advisors.
Com uma situação de inadimplência, os credores podem solicitar à Justiça aquilo que é conhecido como “aceleração” da dívida, ou seja, a demanda por seu pagamento integral.
Além disso, com os títulos em moratória, existe o risco de que os fundos especulativos que adquirem essa dívida a um preço baixo, entrem em jogo e depois litiguem para terem grandes lucros. Conhecidos na Argentina como “abutres”, esses fundos já venceram o país nos tribunais de Nova York em 2014.