Depois de adiar várias vezes o envio da reforma administrativa ao Congresso, o governo decidiu só encaminhar a proposta no ano que vem. Segundo técnicos da equipe econômica, a estratégia agora é esperar o resultado das eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado para avançar com o projeto. A estratégia de pautar as mudanças no funcionalismo público depois de tratar do sistema de impostos — alvo da reforma tributária — é criticada por especialistas.
De acordo com fontes, o governo teme gastar capital político em ano de eleições municipais, que tendem a influenciar o humor no Legislativo nos próximos meses. Historicamente, entidades que representam servidores públicos exercem pressão sobre parlamentares, dificultando a aprovação de propostas sobre o tema.
O texto do projeto ainda não foi divulgado pelo governo, mas trechos da reforma já foram ventilados pela equipe econômica nos últimos meses. Técnicos têm frisado que as mudanças não afetariam servidores atuais, apenas os contratados após a aprovação da medida.
‘Trainee do funcionalismo’
Um dos principais pontos da proposta elaborada pelo Ministério da Economia é a mudança nas regras de estabilidade para os futuros aprovados em concursos públicos. A ideia é aumentar o período do chamado estágio probatório para até dez anos.
Hoje, servidores recém-contratados passam por três anos de avaliação, período no qual podem ser demitidos por mau desempenho. No ano passado, reportagem do jornal O Globo mostrou que, entre 2016 e agosto do ano passado, 99,7% dos concursados haviam sido aprovados nesse processo. Ou seja, na prática, todos os servidores obtêm a estabilidade, mesmo após a fase de testes.
Ao ampliar esse prazo, o governo também pretende rever os métodos de avaliação para criar o que chegou a ser apelidado de “trainee do funcionalismo”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também já levantou a possibilidade de que as regras de estabilidade variem de acordo com carreira. Assim, nem todos os servidores fariam jus ao benefício.
Fim dos datilógrafos
Em outra frente, a equipe econômica quer acabar com a progressão automática no funcionalismo. Hoje, 33% dos servidores alcançam o cargo máximo em 20 anos, em média. Também está nos planos rever a estrutura dos cargos de nível auxiliar e intermediário, como assistente administrativo.
Atualmente, existem 223 mil servidores nessas categorias. A ideia é reduzir esse número à metade em 15 anos. Para isso, as aposentadorias de posições como datilógrafos e ascensoristas não serão repostas.
Embora o governo afirme que o principal objetivo da reforma administrativa é ganhar eficiência, há uma expectativa sobre o impacto fiscal da medida. Por isso, tributaristas criticam a estratégia do governo de tratar primeiro do sistema de impostos. Isso indicaria uma intenção de fazer o ajuste das contas públicas pelo lado das receitas e não pelas despesas.
— Você só pode planejar um aumento de arrecadação, quando já ciente de que a despesa é a menor disponível. Se você aumenta a receita primeiro e reduz despesas depois, o que vai fazer com o que sobrou? Vai reduzir impostos em seguida? — indagou o tributarista Ilan Gorin.
Na semana passada, em entrevista ao GLOBO, o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel também criticou a ordem das reformas proposta por Guedes, por acreditar que a reforma tributária resultará em aumento da carga de impostos sobre determinados segmentos da economia, como o setor de serviços.
O planejamento para encaminhar a proposta de reforma administrativa tem sido marcada por idas e vindas há meses. No ano passado, após a aprovação da reforma da Previdência, o governo começou a sinalizar que enviaria a proposta em sequência.
Guedes afirma que, em novembro, o governo estava pronto para apresentar a medida, mas recuou por um pedido do presidente Jair Bolsonaro, preocupado com a turbulência política na América Latina. A orientação de Bolsonaro, segundo Guedes, foi para que o assunto só voltasse a ser abordado após as festas de fim de ano.
Em fevereiro, o presidente fez nova previsão de encaminhar o texto ainda naquele mês — desde que não houvesse nenhuma “marola”. Na ocasião, ele afirmou que a reforma estava “muito tranquila” e que servidores atuais seriam preservados. A proposta, mais uma vez, não se concretizou.
Reforma em fases
Por trás da sequência de adiamentos, há uma resistência de Bolsonaro à medida. Em reunião fechada no fim de julho, a qual O GLOBO teve acesso ao áudio, o ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Wagner Rosário, disse estar tranquilo com relação à reforma administrativa, pois Bolsonaro é “completamente contra”.
Além disso, Rosário comentou que Bolsonaro deseja conceder aumento salarial aos funcionários públicos antes do fim de seu mandato em dezembro de 2022.
Mesmo após o envio de uma primeira proposta, a mudança de regras deve demorar a ter efeito prático. Em janeiro, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, disse que a medida seria encaminhada em fases e incluiria uma proposta de emenda à Constituição (PEC), projetos de lei e decretos. No cronograma apresentado na ocasião, esse processo duraria até 2022.