Os governadores pressionam a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) para prever, no texto da reforma da Previdência, soluções para a falta de dinheiro nos Estados no curto prazo.
As medidas fazem parte do texto preliminar sobre o qual o time de Guedes se debruça. Mas enfrentam resistência dentro do próprio Ministério da Economia, da frente que defende o ajuste dos estados sem o auxílio de medidas complementares do governo federal.
O embate técnico consumiu o fim da semana passada, e uma decisão será tomada nos próximos dias.
Para evitar a retirada dos trechos de seu interesse do texto final da reforma, os governadores do Nordeste enviaram como embaixador o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), para uma conversa com o secretário de Previdência, Rogério Marinho.
Os dois se encontraram na última quinta-feira (7) e, nesta reunião, Dias evidenciou a Marinho que os governadores têm interesse em apoiar a reforma, desde que sejam atendidos com medidas que atenuem o déficit previdenciário dos servidores estaduais. Os governadores têm encontro marcado com Guedes e sua equipe no dia 20, para discutir a versão final da reforma, que deverá ser apresentada ao Congresso no dia 19.
O diagnóstico dos governadores é que os gastos com a Previdência consomem parte relevante do Orçamento dos estados que, com isso, perderam a capacidade de honrar suas obrigações. Segundo Dias, 19 estados informaram ter salários de servidores atrasados. Oito decretaram calamidade financeira.
Dessa maneira, os governadores defendem a criação de fundos de Previdência estaduais, que retiraria esses gastos dos Orçamentos regionais.
“Reconhecemos que há a necessidade de mudar a Previdência dos servidores porque ela está quebrada e há a necessidade de uma solução”, afirmou Dias à reportagem. “Mas qual é a nossa cobrança? Que junto com as medidas de longo prazo haja um esforço para melhorar as condições de curto prazo, para o hoje, que valham não só para os estados mas também para a União”.
Os trechos da proposta de reforma da Previdência que contemplam os pedidos dos estados reformulam os artigos 149, 167 e 249 da Constituição.
Eles preveem a constituição de fundos que administrarão a Previdência dos estados. Eles seriam de natureza privada, ou seja, sem possibilidade de retirada pelos governadores.
Permitem ainda a vinculação de receitas de impostos para os fundos de Previdência, principalmente os recursos que chegam por meio do FPE (Fundo de Participação dos Estados), com o limite de 50%.
Estes fundos, segundo os trechos da proposta de reforma, poderão receber recursos por meio da venda de direitos futuros dos estados, como recebíveis da dívida ativa, antigo pleito dos governadores para trazer a valor presente (mesmo que com desconto) quantias que receberiam de devedores no longo prazo.
A antiga equipe econômica não apoiava a venda de recebíveis pois temia que os governadores queimassem receita futura com mais gastos com funcionalismo.
Por fim, a nova redação dos artigos autoriza os governadores a aumentar a contribuição dos servidores -e também a patronal- para custear o regime de Previdência, criando inclusive a possibilidade de haver contribuições variáveis segundo a remuneração do funcionário.
Dias afirma que, independentemente do partido político, todos os governadores enfrentam hoje a mesma agenda.
“A posição de ter uma solução para o curto prazo é dos governadores de todo o Brasil. Cada um dos que tomaram posse, todos compreendem que é necessário buscar uma solução”, disse. “Mas como o governador vai pedir que haja o sacrifício de votar a reforma da Previdência para no dia seguinte ter os salários do funcionalismo atrasados?”
Um dos formuladores da solução dos governadores é o economista Raul Velloso, que está assessorando os estados do Nordeste.
“É preciso tirar o déficit da Previdência do Orçamento dos estados porque ele não cabe mais”, afirmou.Segundo Velloso, os gastos com a Previdência dispararam nos governos estaduais a partir de 2014, em parte em razão da chegada de mais servidores à idade de aposentadoria. Para cobrir estas despesas, os estados usaram recursos próprios e de empréstimos, o que resultou em déficits orçamentários que somam R$ 77 bilhões.
Esta safra de aposentados está se retirando com regras antigas e, por isso mais generosas, como as que previam benefícios equivalentes ao salário integral da ativa (a chamada integralidade) com correções automáticas, seguindo a evolução dos salários da ativa (paridade).
Pelas projeções de Velloso, estes gastos continuarão em forte ascensão até a metade da década de 2030, e só aí começariam a declinar como resultado das mudanças nas regras ocorridas desde 2003, como a fixação do teto do INSS para os funcionários do serviço público e a criação da previdência complementar dos servidores.
Ainda assim, as receitas previstas ficarão abaixo das despesas pelos próximos 70 anos, o que em seus cálculos resultará em um passivo somado de cerca de R$ 1,8 trilhão a valores de hoje.
A saída, diz Velloso, é turbinar as receitas que poderão irrigar estes fundos de Previdência, como as previstas na minuta da reforma da Previdência de Guedes, como o FPE e a venda de recebíveis.
Ao fazer isso, resultado deficitário de longo prazo se tornaria positivo no futuro. E essa expectativa de superávit viabiliza operações financeiras que poderiam trazer o benefício para o presente.
Para Velloso, o governo federal deve reconhecer a dificuldade dos governadores e autorizar as mudanças, como forma de viabilizar o ajuste nos estados.
Políticas como o RRF (Regime de Recuperação Fiscal), que hoje atende ao Rio, por exemplo, não foi capaz de resolver a insolvência do regime previdenciário do estado, diz ele. Isso levará o estado à nova crise no futuro, caso não se altere de forma profunda a previdência estadual.
“Todas as soluções para os estados têm que passar pela Previdência, pois isso abrirá espaço para o pagamento dos atrasados e para os investimentos em infraestrutura e segurança”.