Apontados como uma das principais bases de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), os policiais passaram a receber acenos de governadores de estados nos últimos meses.
O movimento sinaliza uma aproximação dos chefes de Executivo estaduais com as forças de segurança em meio à proximidade das eleições de outubro.
No ano passado, em meio à crise institucional provocada por Bolsonaro, episódios de rebelião e ações autônomas de policiais se sucederam em meio à retórica golpista do presidente da República.
À época, especialistas ouvidos pela Folha apontaram para um quadro preocupante e cobraram mais comando de governadores e transparência nos protocolos dessas instituições, em meio a um processo de politização.
As forças de segurança pública dos estados, como Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, estão sob a alçada dos governos estaduais, o que leva as corporações a terem influência dos governos para a implantação de estratégias de atuação e de execução de políticas públicas.
No Ceará, onde a relação do governo com policiais militares é vista como tensa, o governador Camilo Santana (PT) tem se reaproximado da categoria.
Em 2020, um motim de policiais levou desgaste ao Palácio Abolição, fazendo com que houvesse uma escalada da violência no Ceará, com a necessidade de apoio da Força Nacional nas ruas. Além disso, o governador afastou policiais suspeitos de participarem do motim.
Um dos líderes políticos mais próximos da PM cearense é o deputado federal Capitão Wagner (Pros), que deve ser candidato a governador neste ano. Já Camilo Santana deve deixar o governo no início de abril para se candidatar ao Senado.
Para se contrapor a Wagner e evitar que ele domine a pauta da segurança pública, Camilo tem feito acenos explícitos aos policiais.
Um desses casos foi em dezembro, quando o governador promoveu em uma só canetada quase 2.000 policiais e bombeiros militares, atendendo a um dos pleitos da categoria.
“Estou terminando meu sétimo ano como governador e nunca esqueço que na minha eleição de 2014, quando eu era candidato, e policiais, principalmente mulheres dos policiais que eu encontrava, reclamavam e cobravam e diziam que os policiais passavam 10, 15 e 20 anos sem conseguir uma promoção”, disse Camilo na ocasião.
Para o cientista político Adriano Oliveira, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), a aproximação com policiais pode resultar em dividendos eleitorais para governadores e respectivos entornos políticos.
“Há uma parcela dos militares que apoia o presidente Bolsonaro, até pela questão ideológica, mas os governadores poderão se beneficiar de medidas adotadas em âmbito local do ponto de vista pragmático.”
Ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública, Raul Jungmann entende que os governadores devem ampliar o diálogo com a base das polícias militares para evitar que haja uma politização das tropas.
“Tenho recomendado aos governadores, quando converso, que eles precisam estar próximos às tropas, não só aos comandos, e se assegurar que a cadeia de comando tenha lealdade e obediência ao estatuto dos policiais e não permitir que a politização chegue até o comando da tropa. Mas isso varia de governador para governador”, afirma.
Para Jungmann, o agravamento de possível politização de integrantes das polícias depende do comportamento de Bolsonaro.
“Isso depende do comportamento do presidente Bolsonaro e como ele vai reagir a uma hipótese de perder a eleição. Estamos condicionando a politização de integrantes, não de uma corporação como um todo, porque nenhuma corporação vai fazer isso, à postura do presidente”, diz.
Em Pernambuco, o panorama não é diferente do Ceará. O governador Paulo Câmara (PSB) atendeu a um pleito da PM e promoveu a mudança nos critérios de promoção dos policiais dentro da corporação.
As novas regras resgatam o critério da antiguidade e devem ser iniciadas em março. Paulo Câmara também determinou a extensão do direito à promoção pós-morte aos militares, mesmo quando ocorrida em períodos de folga.
As medidas foram tomadas cerca de sete meses após o governador determinar, em maio de 2021, a abertura de investigações administrativas e afastamento de policiais envolvidos na repressão a protestos contra Bolsonaro no Recife que culminaram com dois homens feridos com perda parcial da visão.
Na ocasião, a repressão da PM provocou a queda do comandante da corporação e foi um dos fatores que levaram o então secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, a deixar o cargo.
Na Paraíba, a relação entre o governo e a PM passa por momentos de tensão em meio à negociação do reajuste salarial dos policiais. O clube dos oficiais aprovou, mas ainda não há unanimidade na tropa sobre as contrapropostas para os salários em 2022 feitas pelo governo de João Azevêdo (Cidadania), que vai buscar a reeleição.
Os policiais militares têm promovido manifestações no estado, alguns deles insuflados pelo deputado estadual Cabo Gilberto (PSL), apoiador de Bolsonaro e que pode disputar o estado nas eleições de outubro.
Em Santa Catarina, o cenário é oposto, com um militar no poder. Eleito em 2018 na onda bolsonarista, o governador Carlos Moisés (sem partido), que era comandante do Corpo de Bombeiros, tem usado a proximidade com militares para resistir a desgastes políticos.
Após conseguir superar dois processos de impeachment na Assembleia Legislativa, Moisés viu sua popularidade ficar em baixa e perdeu parte da sua base eleitoral.
Rompido com Bolsonaro, o governador disputa com aliados do presidente o espólio eleitoral entre os militares para sair com uma cancha de votos que lhe permita competitividade na eleição estadual.
Em dezembro, Moisés trocou o então comandante-geral da PM, Dionei Tonet, porque ele não teria se envolvido junto aos militares para articular a negociação salarial de 2022.
De acordo com aliados do governador, a ausência de interlocução direta com as tropas sobre os reajustes teria sido um dos estopins para o governador mudar a chefia.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) usou a segurança pública como uma das estratégias da campanha eleitoral de 2018. No entanto, desde que assumiu o Palácio dos Bandeirantes, a relação com os policiais militares sofreu desgaste.
Uma das promessas de campanha foi tornar a polícia de São Paulo a segunda melhor paga entre todas do país. A meta não foi alcançada e, caso não veja viabilizada, pode trazer consequências eleitorais para o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), que será apoiado por Doria para o governo em outubro.
Mesmo assim, o governador tentou agradar os policiais com a inclusão dos agentes entre os públicos prioritários da vacinação contra a Covid, pagamento de bônus por produtividade, inauguração de Baeps (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) e compra de pistolas, drones e viaturas blindadas.