Morde e assopra
Ao mesmo tempo que tentam manter uma relação republicana com Lula, os governadores fazem acenos ao eleitorado do ex-presidente. Na última semana, antes da operação, Zema defendeu Bolsonaro como um articulador político.
— A figura do presidente Bolsonaro vai ter um peso grande nas eleições de 2026. Ele pode não ser candidato, mas aquele nome que ele falar “eu apoio”, com toda certeza (terá influência) — disse Zema, que se coloca como presidenciável.
Também nos últimos dias, ele contrariou o governo federal ao permitir que crianças sem carteira de vacinação em dia se matriculem na rede estadual. À CNN Brasil, o mineiro defendeu que as crianças estudem “ciência” para decidir se querem se vacinar.
Já Tarcísio e Bolsonaro nutrem uma relação de proximidade. No ano passado, o ex-presidente chegou a dormir no Bandeirantes, sede do governo paulista, em ao menos duas ocasiões em que esteve no estado.
Com Castro, há um distanciamento desde a eleição presidencial. Mas, no final do ano passado, estiveram no mesmo lado para cobrar fidelidade de seus aliados na pré-campanha do deputado federal Alexandre Ramagem (PL) à prefeitura do Rio. Na ocasião, Castro fez acenos ao ex-mandatário: “Vamos juntos”, escreveu em suas redes sociais.
Já Ratinho Júnior esteve com Bolsonaro em dezembro, quando o ex-presidente recebeu o título de cidadão honorário do Paraná. Na ocasião, o governador disse ter sido um orgulho sancionar a concessão da honraria para o seu aliado:
— Ele foi quem mais visitou o Paraná nos últimos 30 anos. Foi que mais trouxe investimento na história do nosso Estado.
Na visão de especialistas, o silêncio dos quatro diante da operação é esperado:
— Eles não fazem uma fala apoiando as investigações porque dessa maneira estariam rompendo com o bolsonarismo. Ao mesmo tempo, eles não se manifestam contra para não se vincularem — diz a cientista política Michelle Fernandez, da Universidade de Brasília (UNB).
Nos quatro encontros entre Lula e governadores houve discursos sobre deixar as diferenças de lado e nutrir uma relação republicana entre os Poderes. Ratinho Júnior foi o primeiro dos quatro a se reunir com o governo, em 30 de janeiro, quando participou de uma cerimônia no Planalto que marcou a transferência de rodovias paranaenses para entidades privadas. As empresas selecionadas receberam a concessão de 19 trechos de estradas pelas próximas três décadas, somando investimento de R$ 30,4 bilhões.
O acordo costurado pelo governador ajuda a diminuir a tensão no estado, que vinha enfrentando uma série de críticas em torno da tarifa do pedágio.
Três dias após o encontro com o chefe paranaense, Lula participou com Tarcísio de solenidade em Santos, no litoral de São Paulo, onde anunciou uma obra em conjunto com o governo federal. Juntas, as partes investirão R$ 5,8 bilhões no Túnel Santos-Guarujá — o primeiro imerso da América Latina, com a expectativa de entrega em 2028.
Inicialmente, o Planalto custearia o projeto na íntegra, mas Tarcísio insistiu em dividir os gastos. O governador chegou a ameaçar deixar o Republicanos e se filiar ao PL de Bolsonaro, o que demonstraria um distanciamento maior entre sua gestão e o governo Lula.
Assim como ocorreu em encontros no ano passado, Tarcísio foi alvo de críticas, tanto de petistas quanto de bolsonaristas. Perguntado sobre o evento, Bolsonaro disse à “Folha de S. Paulo”, que Tarcísio era “seu irmão”.
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No Rio, Lula esteve com o governador Cláudio Castro em Magé, na Baixada Fluminense. Na ocasião, além de entregar obras do “Minha Casa, Minha Vida”, o presidente afirmou que construirá seis novos institutos federais — em Magé, São Gonçalo, Belford Roxo, Teresópolis, Complexo do Alemão e Cidade de Deus. Os valores dos projetos não foram divulgados. No palanque, trocaram afagos em evento que teve vaias dos presentes ao governador.
O encontro mais recente, com Zema, ocorreu na quinta-feira, dia em que Bolsonaro se tornou alvo de medidas cautelares e teve que entregar seu passaporte às autoridades brasileiras. Desde que assumiu a Presidência, Lula ainda não havia visitado Minas Gerais. Na ocasião, o governo anunciou que irá investir R$ 121,4 bilhões em obras no estado via recursos do Novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Deste valor, R$ 36,7 bilhões serão aplicados em obras dentro do território mineiro e o restante abrange ainda outras unidades da federação.
Na avaliação da cientista política Mayra Goulart, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a busca pelo equilíbrio se explica pelas necessidades da função do Executivo diante do seu eleitorado.
— Um governador que está no poder não pode depender de um nicho político muito específico, como é o caso do bolsonarismo. Ao mesmo tempo, não podem se descaracterizar para não perder espaço — diz a especialista.