Ao lado de reconduzir o ex-presidente Lula para o Palácio do Planalto, o PT elencou como prioridade eleger uma bancada expressiva de deputados federais de esquerda para dar sustentabilidade ao eventual novo mandato do petista.
A ideia é conquistar mais do que as 54 cadeiras obtidas pelo partido em 2018 e, por meio de uma federação com PSB, PV e PC do B, garantir que a base governista seja maioria ou se aproxime disso na Câmara Federal.
Para isso, a estratégia do PT é apostar tanto no resgate de políticos experientes como em nomes populares conectados com a juventude e a diversidade.
Em Minas Gerais, por exemplo, o ex-governador Fernando Pimentel (PT) foi incentivado por Lula a buscar uma vaga na Câmara. Em São Paulo, Douglas Belchior (PT), da Coalizão Negra por Direitos, deve concorrer a convite do ex-prefeito Fernando Haddad (PT).
Membros da cúpula do PT e aliados próximos de Lula não escondem que a questão da governabilidade se tornou central —sobretudo no cenário em que o petista tem 48% de intenções de voto contra 22% do segundo colocado, o presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo pesquisa Datafolha de dezembro.
Petistas ouvidos pela reportagem afirmam que os exemplos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que foi removida por um impeachment em 2016, e o de Bolsonaro, que é refém do centrão, demonstram a necessidade de construir uma base sólida e numerosa.
Além da questão da governabilidade, a eleição para as 513 vagas da Câmara dos Deputados se tornou crucial para todas as legendas por causa da distribuição dos fundos eleitoral e partidário e devido à cláusula de desempenho.
O tamanho de cada bancada partidária eleita para a Câmara é um parâmetro para a distribuição desses fundos. O fundão eleitoral, orçado em R$ 4,9 bilhões até agora, foi criado em 2017, após o STF (Supremo Tribunal Federal) proibir o financiamento de campanhas por meio de doações de empresas.
O número de deputados eleitos por cada partido também determina o tempo de propaganda eleitoral na TV e rádio. Por isso, quanto maior a bancada, mais acesso uma sigla tem à verba para campanha e à exposição de seus candidatos.
A Câmara é ainda o fator predominante na cláusula de desempenho, regra que visa sufocar e extinguir partidos de aluguel ou sem representatividade expressiva.
A cláusula começou a valer em 2018 e sobe a cada ano. Ela retira verbas e acesso à propaganda dos partidos cujos candidatos a deputado federal não tenham um desempenho mínimo. Em 2022, as siglas terão que superar um piso de 2% dos votos válidos nacionais, chegando a 3% em 2030.
O sistema de votos proporcional, em que a distribuição de cadeiras da Câmara leva em conta a soma dos votos recebidos por todos os candidatos do partido, incentiva a busca por nomes populares ou conhecidos.
Pimentel admite que não pensava em se candidatar, mas foi convencido por Lula. Além disso, afirma à Folha que se animou com uma sequência de decisões favoráveis (arquivamentos ou absolvições) em processos judiciais, embora ainda seja alvo de outras ações em curso.
O ex-governador diz acreditar que nomes testados e conhecidos terão vantagem nesta eleição. “Em 2018, a antipolítica ocupou um grande espaço. Mas pesquisas mostram que esta vai ser uma eleição da política, o eleitor não está disposto a fazer experiências”, afirma.
Pimentel lembra ainda que o PT chegou a eleger 90 deputados federais e poderia voltar a um número parecido.
“No modelo de presidencialismo de coalizão, o Parlamento tem um papel importante de dar sustentação ao governo ou de tirar [a sustentação]. É crucial que o partido ganhador [da eleição presidencial] tenha uma sólida bancada.”
Além do ex-governador, o PT de Minas planeja lançar o ex-deputado Nilmário Miranda —outro nome na categoria de políticos experientes que tentarão voltar à vida pública.
Já Douglas Belchior, que sairá por São Paulo, afirma que aumentar a bancada de esquerda também é uma forma de garantir a implementação de um programa de governo progressista.
“Nós temos o desafio de eleger uma ampla bancada comprometida com direitos humanos para servir de apoio ao governo e também para mantê-lo no campo progressista”, diz.
Outras apostas do partido para a bancada paulista são a vereadora da capital Juliana Cardoso e a ativista Symmy Larrat, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (Abglt).
“O plano é ganhar e ter uma travesti na Câmara. É um olhar diferente. Não adianta ter uma boa ideia política e um Congresso engessado”, diz Symmy. Nascida no Pará, atuou como coordenadora do programa Transcidadania da Prefeitura de São Paulo durante a gestão Haddad.
Em seu quarto mandato de vereadora, Juliana Cardoso ressalta a importância de eleger uma mulher na bancada federal paulista —atualmente formada por oito deputados homens.
“Tenho a possibilidade de ajudar o governo Lula nesse espaço para reconstruir o Brasil. As mulheres precisam estar na política”, diz.
Outra candidatura que vem sendo estimulada, principalmente por mulheres que compõem o diretório estadual do PT, é a da professora Ana Estela Haddad, casada com Fernando Haddad. O vereador Eduardo Suplicy também é cotado para uma vaga na Câmara ou na Assembleia paulista.
O ex-deputado e atual secretário de Comunicação do PT, Jilmar Tatto, e o vereador da capital paulista Alfredinho também vão pleitear uma vaga na Câmara dos Deputados.
O deputado estadual José Américo é o único da bancada petista da Assembleia Legislativa de São Paulo que tentará uma cadeira na Câmara Federal. “Há um movimento para ampliar a bancada do PT para que o Lula dependa o mínimo possível do centrão e de outros partidos”, diz.
Presidente do PT em São Paulo, o ex-ministro Luiz Marinho também irá concorrer. Ele avalia ser importante que siglas aliadas também aumentem suas cadeiras. “Vamos tentar ter a maior bancada possível”, diz.
Outro aspecto considerado na busca por uma bancada numerosa é o investimento em candidaturas regionais. Entre os nomes que devem disputar a Câmara dos Deputados está o do ex-prefeito de Franco da Rocha (SP) Kiko Celeguim e o do ex-candidato a prefeito de Campinas Pedro Tourinho.
O PT de São Paulo deve lançar outros cinco políticos que foram candidatos a prefeito em cidades do estado em 2020.
O resgate de nomes conhecidos inclui até um condenado no mensalão, o ex-deputado João Paulo Cunha, que atua em Osasco (SP). Ele está discutindo sua candidatura a deputado federal, segundo petistas.
João Paulo foi preso em 2014, após receber pena de seis anos e quatro meses pelos crimes de peculato e corrupção passiva.
O STF (Supremo Tribunal Federal) perdoou a pena em 2016, considerando que o caso dele se enquadrava no indulto de Natal concedido pela então presidente Dilma Rousseff (PT).
Filiado ao PT desde maio de 2021, o ex-deputado Jean Wyllys também foi procurado por alas do partido para o convencer a disputar uma cadeira na Câmara.
Wyllys renunciou ao mandato de deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro em 2019 e deixou o Brasil por considerar que ameaças colocavam sua vida em risco. Abertamente gay, o então parlamentar chegou a cuspir no colega Jair Bolsonaro, hoje presidente.
À Folha ele afirma que não tomou uma decisão. “O próprio Lula me disse que gostaria muito. Mas eu ainda não me decidi por vários motivos, o principal deles é a questão da segurança. As células fascistas e o bolsonarismo vão radicalizar. E eu deixei o país por causa das ameaças dessa gente.”
Atual reitor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Ricardo Lodi deve se candidatar a deputado federal pelo PT —para isso, ele terá que renunciar a sua posição, que ocuparia até 2023.
Professor de direito financeiro, ele afirma que o convite partiu do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, André Ceciliano (PT). “Posso contribuir tecnicamente com a bancada em temas relacionados ao direito e à educação”, diz.
Ainda no Rio de Janeiro devem concorrer a uma cadeira na Câmara o ex-senador Lindbergh Farias e o vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá.
“Buscar colocar nossas lideranças como candidatos a deputado federal é um movimento nacional”, diz Quaquá.
“Quanto maior a bancada, mais nós vamos imprimir uma marca reformista ao governo. Vamos ter que fazer aliança com o centrão. Mas a qualidade da aliança sempre depende do número de candidatos que vamos ter”, continua.
O advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho também vem sendo encorajado a tentar uma cadeira na Câmara. Ele afirma que já foi procurado por alguns partidos, entre eles o PT e o PSB, mas diz que ainda não bateu o martelo.
Na Paraíba, o PT lançará para a Câmara o ex-deputado Luiz Couto. O ex-prefeito de João Pessoa Luciano Cartaxo também é opção –caso não concorra ao governo do estado ou à Assembleia Legislativa.
Em Sergipe, a atual vice-governadora, Eliane Aquino, deve concorrer como deputada federal, além do ex-deputado e membro da executiva nacional do PT Marcio Macedo.
Pernambuco também terá nomes experientes, como o da deputada estadual Teresa Leitão, que tentará a Câmara, e apostas como a vereadora Liana Cirne (PT), que foi atingida por spray de pimenta durante um protesto contra Bolsonaro.
POR QUE A ELEIÇÃO DE DEPUTADOS FEDERAIS É TÃO IMPORTANTE PARA OS PARTIDOS?
- Fundo partidário – A quase totalidade (95%) da verba, que será de R$ 1,061 bilhão em 2022, é dividida entre os partidos na proporção dos votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados
- Fundo eleitoral – 83% da verba, que por ora está em R$ 4,9 bilhões para 2022, é dividida entre os partidos na proporção dos votos obtidos na última eleição e no peso de cada um na Câmara dos Deputados
- Tempo de propaganda eleitoral na TV – 90% do espaço é dividido entre os candidatos proporcionalmente ao número de representantes que os partidos da coligação tenham na Câmara dos Deputados
- Cláusula de desempenho – Partidos que não tenham um desempenho mínimo na eleição para a Câmara (2% dos votos válidos nacionais ou 11 deputados federais eleitos) perderão recursos essenciais à sua existência, como as verbas dos fundos partidário e a propaganda na TV
- Emendas ao Orçamento – Deputados passaram nos últimos anos a ter um enorme poder de direcionamento de verbas do Orçamento federal. Além das emendas individuais e de bancada, cuja execução passou a ser obrigatória, há emendas de relator, de livre distribuição entre os parlamentares, com R$ 16,8 bilhões de reserva só em 2021
- Governabilidade e votações – Bancadas fortes na Câmara também dão peso ao partido na relação com o governo, na definição das votações e em outros temas relativos ao Legislativo e à política nacional