A Praça dos Três Poderes atingiu um nível de tensão inédito após o presidente Jair Bolsonaro (PL) afrontar o Supremo Tribunal Federal (STF) com a edição de um decreto perdoando a condenação do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) imposta pela Corte. No meio dessa corda esticada entre o Executivo e o Judiciário, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), decidiu se posicionar sobre o tema.
Em entrevista ao jornal O Globo, Pacheco afirma que a medida adotada por Bolsonaro é constitucional e cabe ao STF aceitá-la, mas considera que o ato do presidente “gera um sentimento de impunidade e fragiliza a Justiça Penal do país”.
O presidente do Senado também ressaltou que essa foi a primeira vez desde a redemocratização que o instituto da graça foi utilizado para conceder um indulto individual.
— Ele é um ato inusitado, surpreendente, inédito e que, até por essa atipicidade, por ser incomum, soa uma decisão do Executivo para contrariar uma decisão do Judiciário.
Pacheco defendeu ainda que, diante dessa decisão inusitada, o Congresso pode discutir uma forma de aprimorar o instituto da graça, determinando critérios mais rígidos e estabelecendo “limites” para a ação política do presidente. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é a sua avaliação sobre o decreto do presidente Jair Bolsonaro perdoando o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) dos crimes que resultaram em sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF)?
Considero um ato inédito e inusitado, que foge às normalidades jurídica e política. No entanto, devo reconhecer a legitimidade constitucional do presidente da República em fazê-lo. Pode o presidente fazer esse decreto naquelas hipóteses de crimes que não sejam racismo, terrorismo, tráfico de drogas e crimes hediondos? Sim, pode. E ele resolveu fazer com o deputado Daniel Silveira. Então, eu não posso negar que há legitimidade constitucional e a existência do instituto na Constituição, a partir dessa legitimidade do presidente da República. Agora, perquirir o mérito é justo, é razoável, é equilibrado para esse caso concreto? De fato, talvez não seja.
Foi um ato político do presidente?
O instituto da graça para um condenado que está em dias de morrer com uma doença terminal ou que tenha praticado na sequência um ato de nobreza a ser reconhecida pelo Estado ou em algumas situações, milhares de mães que se veem envolvidas em um problema com seus filhos e que eventualmente pratique um crime. Essas hipóteses seriam mais adequadas ao instituto da graça do que essa hipótese específica. Mas o presidente tem a legitimidade e é discricionário dele de decidir em qual caso ele deve aplicar ou não. Não sou eu nem você. É ele. Então, com isso nós temos que nos render ao comando constitucional que prevê essa possibilidade. Certamente essa situação, nessas circunstâncias, gera um sentimento de impunidade e fragiliza a Justiça Penal do país.
O decreto do presidente Bolsonaro esgarçou a relação entre os Poderes?
Ele é um ato inusitado, surpreendente, inédito e que, até por essa atipicidade, por ser incomum, soa uma decisão do Executivo para contrariar uma decisão do Judiciário. No entanto, ela é prevista constitucionalmente. Agora, o caminho é o seguinte: editado o decreto da graça, ele deve ser submetido ao juízo competente, que é o Supremo Tribunal Federal, que fará cumprir o decreto, extinguindo a pena privativa de liberdade, extinguindo a pena de multa. Ou seja, extinguindo a punibilidade do condenado. Na minha ótica, o Supremo deve cumprir o decreto nesse sentido.
O senhor defende que o Congresso aprimore o instituto de concessão de graça e indulto. Como isso funcionaria na prática?
A partir do momento em que há uma decisão inusitada neste caso concreto é preciso fazer uma avaliação se não é possível estabelecer na lei que regulamenta esse instituto constitucional o procedimento, critérios e formalidades para a concessão da graça. Por exemplo: a exigência do trânsito em julgado, da publicação do acórdão e determinados limites para o presidente da República, que podem ser concebidos a partir em que houve pela primeira vez na história recente do Brasil. Considerando esse fato, desperta então a necessidade, já que foi feito o uso dele nessas circunstâncias, de se estabelecer melhores critérios para que o presidente use esse instituto.
De que forma esse assunto será discutido pelo Congresso?
Isso pode ser discutido pelo Congresso. Por certo, haverá iniciativas nesse sentido. Para não despertar um sentimento de que a Justiça Penal sempre terá como última palavra o presidente da República. Não é esta lógica do instituto da graça e do indulto. A última palavra em matéria judicial é sempre do Judiciário e do Supremo Tribunal Federal, como última instância. A graça é um instituto colocado na Constituição, posto à disposição do presidente, para uso excepcional.